terça-feira, 15 de setembro de 2015

Carne de frango com hormônio: mito ou verdade?

    Hoje começa uma série de posts produzidos pelos alunos do Curso de Engenharia de Alimentos na disciplina de Toxicologia e Higiene dos Alimentos. E para começar, uma polêmica: a adição de hormônios à carne de frango é uma realidade ou uma fantasia? Com a palavra as alunas Jane Nogueira, Cecília Bogies e Emanuelle Menegotto.

      A carne que consumimos, principalmente de frango industrial, está cada dia mais polêmica quanto ao uso ou não de hormônios. Neste post vamos explicar se há ou não adição de hormônios nas carnes de animais de corte.
Os hormônios são substâncias produzidas pelos órgãos endócrinos, sendo então, transportados livremente pela corrente sanguínea.  Já a secreção exócrina vai para o exterior do organismo ou para o trato gastrointestinal (eliminado nas fezes). Podem ser hormônios, também, as substâncias produzidas pelos neurônios, sendo eles responsáveis por sensações como de bem-estar e felicidade, como é o caso da serotonina.
O mito envolvendo a carne de frango está relacionado à utilização de hormônios de crescimento, que são sustâncias a base de proteína, que quando utilizados na alimentação dos frangos, não possui o efeito desejado (crescimento) pois são degradados pelo trato gastrointestinal. E não poderiam ser injetados, pois para surtir efeito a aplicação teria que ser diária, o que gera muito transtorno, custos elevados e tempo, além do estresse causado nos animais. Como se pode verificar com as informações anteriores, é inviável a utilização de hormônios na carne de frango, além de que no Brasil os hormônios de crescimento são proibidos, não havendo possibilidade de uso na produção industrial.
O abate de frangos de corte de produção industrial é possível em 40 a 45 dias, devido a melhoramentos genéticos, ou seja, a partir de estudos com escolha das melhores espécies para o rápido ganho de peso e a uma alimentação balanceada em cada etapa do crescimento (nada a ver com transgenia). Já na criação de aves “caipiras”, o consumo de uma ração balanceada que contenha todos os nutrientes, vitaminas e minerais necessários para o crescimento, fica restrito a períodos em que as aves procuram abrigo para a noite ou para se refugiarem do calor. Isto aumenta consideravelmente o tempo para o abate.

Imagem de uma criação de frango de corte.

                                                       Imagem de uma criação de galinha caipira.

A capacidade de crescimento dos frangos aumentou cerca de 65% entre 1930 e 1996, diminuindo cerca de 50% a quantidade de ração consumida e o tempo de crescimento, que era de 105 dias em 1930, passando para 45 dias em 1996 (DOMINGUES; DIEHL, 2012).


                               1930                                              Anos 90

      Bovinos e suínos também passam por este mito, uma vez que, a produção para abate destes animais se dá em currais ou pocilgas, muitos acreditam que sejam utilizados hormônios para acelerar o crescimento e a engorda destes animas. Fato que não é verdadeiro, pois, do mesmo modo que os frangos estudos revelam que, para surtir efeito satisfatório, seriam necessários pulsos diários de injeções intramuscular ou intravenosa para que os animais respondessem positivamente. Para estes, também o uso de tais substâncias é proibido por lei, no Brasil e em vários outros países.
Portanto, a carne de frango entre outras, produzidas industrialmente não possuem hormônios, ela é uma escolha das melhores espécies das linhagens e possui alimentação balanceada em cada etapa do crescimento, isto leva por terra, a falsa ideia de que consumimos carne com presença de hormônios e que, isto afeta a saúde do consumidor.



terça-feira, 8 de setembro de 2015

Toxicodependência: os vínculos humanos como estratégia de sobriedade

   Esta semana assisti uma TED Talk muito interessante, ministrada pelo Johann Hari, sobre as raízes da toxicodependência. Sabemos muito sobre o circuito de recompensa e o papel da dopamina no reforço positivo das drogas, mas de fato:
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- O álcool, por exemplo, é uma substância com potencial de toxicodependência que está acessível a todos. Por que alguns desenvolvem a dependência e outros não? Isto também acontece com diversas outras coisas viciantes, como outras drogas, pornografia, jogos, smartphones...

  A questão central pode estar na capacidade de estabelecer vínculos e conexões humanas. O ser humano é um ser sociável por natureza e precisa se sentir integrado e inserido no seu ambiente. Quando isto não é possível, tendem a criar estes vínculos com substâncias ou coisas que lhes dêem a sensação de alívio e reforço positivo que precisam. 
   Esta necessidade de criar conexões são exploradas inclusive por algumas clínicas de tratamento da toxicodependência, onde a estratégia de sobriedade está muitas vezes associada à conversão a uma religião e estabelecimento de vínculo com Deus.
   O componente psicológico do vício deve ser considerado também na hora de definir políticas públicas de apoio ao toxicodependente. E neste aspecto, Portugal (país onde orgulhosamente realizei meu Mestrado e Doutorado), é pioneiro ao descriminalizar todas as drogas. Mas mais que isso: oportunizaram a verdadeira re-inserção dos usuários na sociedade e testemunharam todos os índices associados a isso melhorarem. 

   Mas cuidado! Apesar de parecermos a sociedade mais conectada dos últimos tempos, muitas vezes as conexões virtuais são fracas e baseadas em posts de uma vida de mera ficção. Os vínculos humanos fortes são relacionamentos profundos, com amigos que podem estar nas redes sociais ou não, mas que são capazes de socorrer você em um momento de crise. 

Conheça mais sobre esta nuance psicológica tão presente na nossa perspectiva social e que pode definir se um ser humano sucumbirá ou não ao vício. Vale a pena conferir estes 15 minutinhos!

É possível colocar legendas em português, clicando na rodinha de ferramentas. Depois, basta clicar onde diz: Subtitles English e escolher Português (Brasil).
  


E você? Como está a sua rede de amigos?


Já falamos sobre o potencial de abuso de álcool aqui no blog. Confira aqui um teste sobre como está o seu consumo de álcool.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A atenção farmacêutica não é uma utopia

  As boas notícias precisam ser compartilhadas no intuito de que se espalhem e repercutam. E é neste ímpeto que hoje eu entrevisto a Farmacêutica Gabriela Klein Couto a respeito do excelente trabalho que ela vem desenvolvendo. Eu não conheço a Gabriela pessoalmente, mas fiquei sabendo do trabalho dela nas redes sociais e logo quis conhecê-la melhor. Entrei em contato e ela prontamente me respondeu, com aquele entusiasmo típico dos que mudam o mundo com o seu bom trabalho e empenho e agora eu apresento ela para vocês, com muito orgulho.

   A Gabriela é formada pela UFRGS. Concluiu o curso no final de 2014 e durante a graduação estagiou nas diversas áreas da profissão, como análises clínicas, indústria e assistência farmacêutica. Tudo isso a preparou para os desafios profissionais que hoje ela enfrenta como responsável técnica e uma das farmacêuticas envolvidas na assistência farmacêutica em uma das filiais da Rede Panvel, em Porto Alegre. Atualmente, ela também cursa o Mestrado em Farmacologia e Terapêutica, na UFRGS.

  Eu quis saber mais sobre como é o programa de atenção farmacêutica que a Gabriela está envolvida, pois embora no mundo acadêmico tenhamos certeza da importância deste trabalho, frequentemente ouvimos que no "mundo real" é inviável e há muitos empecilhos. Então faz muito tempo que eu queria conhecer alguém com vivência prática nesta área para falar sobre a realidade daqueles que removem os empecilhos e transformam o que muitos rotulam como utopia, em realidade. Vamos lá:


1   Como funciona o programa Atenção Farmacêutica Panvel?

Gabriela - Nosso atendimento de atenção farmacêutica conta com alguns programas pensados de forma a auxiliar o paciente em seu tratamento farmacoterapêutico. Entre os programas realizados temos: “revisão da medicação”, “programa primeiro tratamento” e o “ programa sempre bem”. A ideia é auxiliar os pacientes já diagnosticados a aderirem à seus tratamentos, além de otimiza-los, afim de atingirem o resultado terapêutico satisfatório.


· Revisão da medicação: Este programa tem por objetivo revisar todos os medicamentos que o paciente faz uso (ou não). Analisamos a validade, possíveis interações entre os medicamentos e alimentos, reações adversas, efeitos indesejados, auxiliamos na organização, identificamos as indicações, orientamos sobre qual a melhor forma de armazenar.

· Programa Sempre Bem: Voltado para pacientes com diagnósticos de hipertensão, diabetes, hipercolesterolemia, por exemplo. Tem por objetivo acompanhar o tratamento, sanando dúvidas, visando sempre a busca pelo melhor resultado terapêutico.

·  Programa Primeiro tratamento: Indicado para os pacientes que estão iniciando um tratamento. Sanamos dúvidas, auxiliamos na adaptação ao tratamento e observamos os resultados.

Realizamos também o acompanhamento da pressão arterial e glicemia capilar, com o intuito de verificarmos se o tratamento medicamentoso está sendo efetivo.

 Há quanto tempo estes programas estão sendo realizados e qual o impacto dos programas para a farmácia?

Gabriela - O projeto atenção farmacêutica Panvel está sendo implantado na rede desde 2014. Atualmente contamos com 4 lojas capacitadas para realizar os serviços. A filial a qual estou ligada inaugurou em agosto deste ano (2015).
O impacto do programa é muito positivo. Sabemos que é uma área nova ainda para os pacientes, no entanto, eles têm aceitado bem a proposta de um atendimento clínico pelo profissional farmacêutico. Além de sabermos que o paciente acaba fidelizando-se a farmácia.

    Como é a aceitação da população e da classe médica a este tipo de abordagem?

Gabriela - A aceitação é muito boa por ambas as partes. Acredito que o importante, com relação aos médicos, é fazermos eles entenderem o que é esse novo serviço, qual a nossa proposta. Afinal, o paciente será o maior beneficiado com este trabalho em conjunto. A saúde clama por um trabalho multiprofissional. Sabemos que, hoje em dia, o paciente é compartilhado por diversos profissionais da saúde: médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, etc. Somos todos responsáveis pelo sucesso terapêutico. E sempre deixamos claro que a ideia não é um diagnóstico e sim o auxílio a um diagnóstico já existente. A comunicação médico-farmacêutico-paciente é essencial.
E para os pacientes é algo novo, assim, precisamos dedicarmos a ensiná-los o quanto estes serviços podem ser positivos em seus tratamentos.

    Na sua opinião, a Atenção Farmacêutica veio para ficar?

Gabriela - Com certeza! A Atenção Farmacêutica é um caminho sem volta. Muitos colegas têm-se especializado/capacitado na área clínica. Acredito que esta área é o futuro da nossa profissão.
Nós, farmacêuticos, temos muito conhecimento e precisa colocá-lo em prática. A saúde de nossos pacientes agradecem!

   Muitos farmacêuticos empregados de grandes redes gostariam de ter espaço para oferecer serviços farmacêuticos, porém ainda há algumas dificuldades de aceitação por parte de alguns gestores. Que conselho você daria para os colegas de profissão que se encontram nesta situação? Como começar a prestar um serviço diferenciado?

Gabriela - O primeiro passo é mostrar para os gestores que estes serviços trazem retorno para o estabelecimento. Comecem por campanhas/ ações para a população, mostrem o conhecimento que temos quanto profissionais de saúde, nestas campanhas os pacientes acabam conhecendo os serviços que podemos oferecer.
Além disso, estar preparado para assumir estes serviços, capacitando-se constantemente é de suma importância, pois hoje vivemos na era da internet, e assim nossos pacientes buscam a fundo saber sobre seus problemas. Não podemos ser superficiais.

     Por fim, a Gabriela deixou uma mensagem para os futuros colegas de profissão que estão cursando Farmácia neste momento:

Gabriela - Queridos futuros colegas de profissão!
Saibam que cada passo, cada prova, cada momento dentro da faculdade de farmácia vale a pena e será recompensado por meio da gratidão de cada paciente que vocês vierem a atender aqui fora, no nosso mundo real!
Se preparem, estudem, precisamos de pessoas motivadas e focadas a fazerem diferente.
Vocês são o futuro da nossa profissão! Precisamos de profissionais preparados.
E lembrem-se sempre: Os diferenciados sempre acabam se destacando.

Muito obrigada, Gabriela pela atenção e pela disponibilidade! Parabéns pelo teu trabalho, com certeza quando for a Porto Alegre vou querer conhecer de perto! E parabéns também à Rede Panvel por oferecer um serviço diferenciado e alinhado com o real sentido de um estabelecimento farmacêutico: serviço de saúde e não mero comércio.

E se você quiser saber mais sobre o assunto ou conhecer a Gabriela, ela também se colocou á disposição para mostrar a estrutura da farmácia onde ela trabalha! :)



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Sobre sistema tampão e influência da dieta

  Esse post é especial para os alunos da Nutrição, disciplina de Bioquímica, que estão um pouco apavorados com o conteúdo da disciplina. Ao fim da leitura, certamente chegarão a conclusão que um bom nutricionista deve dominar os conteúdos que estamos trabalhando para compreender e intervir de maneira satisfatória.

  Procurando assuntos atrativos para esta turma, me deparei com vários sites defendendo a "dieta alcalina" como uma boa forma de prevenir doenças como câncer e osteoporose. É o gancho que eu precisava para falar sobre os tampões do organismo e analisar, até o momento, se existem ou não evidências científicas que apoiem tal teoria.
  
 Um parênteses: evidências "científicas" sempre existem, para toda afirmação que quisermos. Cabe ao profissional julgar a qualidade da evidência. E em ciência, o conhecimento pode ser transitório à medida que surgem novas evidências, que é o que realmente dá graça a isso tudo.

   Vamos lá:

  O pH do nosso sangue é cerca de 7.4. Este equilíbrio ácido básico deve ser mantido para o bom funcionamento do organismo através de um equilíbrio entre a produção e a eliminação de H+. Conforme podemos ver na figura abaixo, contribuem para o conteúdo de H+ do organismo a degradação de aminoácidos provenientes das proteínas da dieta, a respiração e os rins.

Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732008000100010

  Quando há perturbações neste equilíbrio, temos uma situação de acidose metabólica (quando o pH dos fluidos corporais fica abaixo do normal, portanto ácido). Nestas situações, ocorre um aumento da taxa de respiração, em uma tentativa de excretar o H+ e pode ocorrer uma sobrecarga renal, também tentando excretar o H+ excedente. O paciente pode sentir o coração acelerado, dor de cabeça, cansaço, náusea, vômito e até confusão mental, dependendo da gravidade e duração desta situação.
   Por outro lado, quando os fluidos corporais ficam alcalinos, temos um quadro de alcalose metabólica. Esta situação pode acontecer, por exemplo, durante uma crise de ansiedade quando ocorre hiperventilação respiratória (e consequentemente, eliminação do CO2 que contribui para baixar o pH. Isto pode ser atenuado ou corrigido quando se respira dentro de um saco de papel. Esta prática se fundamenta no aumento do CO2 que é obtido com este tipo de abordagem pois você inspira novamente o gás carbônico que acabou de expirar).

  Para auxiliar na manutenção do pH dos fluidos corporais, temos os sistemas tampão.  Estes sistemas conseguem manter o pH sem grandes flutuações em uma determinada faixa de pH. Um importante sistema tampão do sangue é o sistema gás carbônico/bicarbonato, que promove a compensação respiratória aumentando/diminuindo o gás carbônico.

A teoria que suporta a dieta alcalinizante 


   Segundo os defensores da teoria, a hidrólise de proteínas gera ácido fosfórico e a oxidação de aminoácidos contendo enxofre (metionina e cisteína) gera ácido sulfúrico, contribuindo para a acidose. Porém, quando este ácido entra no sangue, ele é tamponado pelo bicarbonato em uma reação que resulta em um sal neutro (NaSO4), gás carbônico e água. O CO2 é eliminado pelos pulmões e o sal é transportado para os rins.


Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732008000100010


  Pela teoria da Dieta Alcalina, a excreção ácida renal é bastante influenciada pelos alimentos. Por isso, existem modelos matemáticos para estimar a carga ácida potencial em alimentos. Os alimentos ácidos seriam os alimentos como carne e alimentos industrializados e embutidos, enquanto que os alcalinos seriam frutas e minerais. Logo, defende-se que a ingestão dos alimentos alcalinizantes poderiam contrabalancear os efeitos negativos de uma dieta rica em alimentos ácidos.

  Mas isso faz sentido?

  Bem, ingerir algo ácido ou básico não irá impactar diretamente no pH do nosso sangue. Do contrário, ao ingerir algum refrigerante a base de Cola (ácidos), teríamos problemas oriundos dessa flutuação de pH sanguíneo. Há várias experiências que mostram que expor um osso de galinha à coca-cola por algum tempo faz com que o osso se dissolva e no entanto, sabemos que as pessoas ingerem tais bebidas com grande frequência e no entanto não apresentam sintomas de acidose, logo, o organismo tem os mecanismos para se manter estável. Acontece que o que ingerimos terminará sempre com o mesmo pH no intestino, independente do seu pH inicial, e só depois de passar pelo intestino é que atingirá o sangue.

  De fato há estudos que mostram que o pH em volta de células tumorais tende a ser mais ácido devido às diferenças metabólicas entre as células normais e tumorais. Mas, até o momento, não existem evidências científicas fortes para apoiar a teoria de que os tais alimentos alcalinizantes teriam um efeito protetor ao câncer devido a estas alterações de pH.

   Então não há associação entre uma alimentação rica em frutas e minerais e a prevenção do câncer?

   Lógico que há! Pois os ditos alimentos alcalinos são saudáveis e todos sabem que uma dieta rica em frutas e minerais melhoram o metabolismo, a função intestinal e o funcionamento de todo o organismo. Porém, segundo o Instituto Americano de Pesquisas sobre o Câncer (American Institute for Cancer Research), provavelmente, os benefícios estão relacionados à dieta balanceada e rica em nutrientes e minerais, e não com o tal potencial alcalino.

  Para finalizar este post, gostaria de esclarecer que o conteúdo de hoje é uma discussão sobre um conteúdo básico da disciplina de Bioquímica e que pretende demonstrar que a química aplicada a sistemas biológicos é muito interessante. Como farmacêutica, não estou apta a sugerir dietas. Isso é com os nutricionistas, profissionais pelos quais tenho o maior respeito e tenho o orgulho de atualmente ministrar aulas de disciplinas básicas. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A farra dos bancos privados de células tronco de cordão umbilical

   O sangue do cordão umbilical, outrora descartado sem qualquer questionamento, passou a ter um valor precioso nos últimos anos. Isto porque este sangue é uma fonte importante de células tronco hematopoiéticas. O conceito de "células tronco", muitas vezes não é bem compreendido, mas é inegável que a este termo associa-se toda uma esperança no tratamento de diversas doenças.
   
  Sendo assim, primeiramente, cabe esclarecer o que são as células tronco. São células ainda imaturas e portanto indiferenciadas, que possuem habilidade de autorrenovação e de diferenciarem em diferentes tecidos. Esta capacidade de diferenciação (ou seja, tornarem-se células de diferentes tecidos) depende da sua origem. Existem as chamadas células tronco embrionárias, que são capazes de originar os diferentes tecidos de um organismo humano. Tais células são obtidas do interior do blastocisto, de um embrião em fase anterior à nidação (processo de fixação do óvulo fecundado no útero). A grande vantagem destas células é que possuem uma maior plasticidade e são menos imunogênicas (ou seja, no caso de um transplante, teoricamente a chance de rejeição seria muito menor). Porém, por causa desta plasticidade, os estudos demonstram a necessidade de diferenciá-las no tipo celular pretendido em laboratório, antes de implantar no paciente que receberá estas células. Embora pareça simples, este processo é bastante complexo e por isso é muito importante que possamos estudar e compreender o verdadeiro potencial destas células. No Brasil, atualmente, a Lei de Biossegurança permite os estudos e terapia com células tronco embrionárias apenas provenientes de embriões humanos fecundados e produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, portanto, descartados por serem inviáveis, congelados há mais de 3 anos e com o consentimento dos doadores. 

   Há também as chamadas células tronco adultas. Nos mais diversos tecidos do nosso organismo, temos os chamados "compartimentos tronco", com células tronco adultas que são capazes de repor as células perdidas daquele órgão. Por exemplo, imagine que você bebeu demais no final de semana. Por causa deste excesso, o seu fígado sofreu lesões, que podem estar associadas a morte de hepatócitos que precisam ser repostos. A nossa pele é outro bom exemplo da renovação: quando nos cortamos, células epiteliais são perdidas e precisam ser repostas. Mesmo quando não nos machucamos, o processo natural da passagem do tempo é haver uma renovação celular. Caso não fosse assim, ao usarmos um esfoliante perderíamos uma grande quantidade de células que jamais seriam repostas. Apesar de termos vários tipos de células tronco adultas espalhadas pelos nossos órgãos, cada tecido tem um padrão de renovação. Por isso, a reposição de uma célula epitelial é incomparavelmente mais fácil do que uma perda neuronal. As células adultas apresentam um potencial bem menor de plasticidade. O sangue de cordão umbilical é uma fonte de células tronco adultas hematopoieticas, assim como as encontradas na medula óssea. A sua coleta é muito fácil e indolor para mãe e bebê, conforme demonstrado na figura abaixo:


    Atualmente, estas células podem ser consideradas promissoras para o tratamento de doenças hematológicas, quando há necessidade de transplante. Para isso, é preciso armazenar estas células e existem duas modalidades de bancos de armazenamento: os bancos públicos e os bancos privados.
   
  Se você fizer uma busca no google, verá que existe um apelo comercial muito forte para o armazenamento das células tronco do cordão umbilical e placenta. Alguns bancos privados alegam que armazenar este material é o melhor seguro de vida para o seu filho e que é uma atitude de quem deseja maior segurança para a sua família. Este tipo de apelo explora um período de vulnerabilidade dos futuros pais que se sentem praticamente "obrigados" a contratar estes serviços, ainda que cobrem um preço bastante alto. Lembro que quando morava em Portugal conheci um banco que enviava o kit para coleta de células pelo correio e após o procedimento recebia novamente o material via correio. Embora a coleta seja fácil, é essencial esclarecer que precisa ser feita por pessoa treinada e especializada e para se manterem viáveis, é importantíssimo que todos os cuidados de armazenamento sejam observados. Outro problema da abordagem de alguns prestadores destes serviços são as falsas promessas de que estas células serão boas alternativas para qualquer doença que seu filho tiver. Isto não é verdade!

- O sangue de cordão umbilical possui células tronco adultas hematopoiéticas, mas não as mesenquimais, e por isso, grande parte da indicação terapêutica são as doenças hematológicas e não as demais doenças. 

- O armazenamento de sangue de cordão umbilical tem um potencial muito maior se pensarmos coletivamente do que individualmente. Isso porque grande parte das doenças que podem ser tratadas com estas células precisam de células de outro doador e não das células da própria criança. Portanto, provavelmente se o seu filho precisar de um transplante, as células que serão utilizadas não serão as do cordão desta gestação. Nem sequer existe um número razoável de casos de transplante  destas células para o próprio doador documentado...

- Pensar nestas células como um seguro familiar também não é boa ideia. Isso porque a compatibilidade ideal é de 100%. Em raros casos, aceita-se cerca de 70% de compatibilidade, e não 50% de compatibilidade (que acontece entre pais e filhos). 

   E por isso é muito importante que sejamos doador de medula óssea, onde também se encontram estas células tronco hematopoiéticas. 

  A principal diferença entre os bancos públicos e privados de armazenamento de células tronco de cordão umbilical e placenta é que os privados armazenam para o uso próprio, enquanto que nos públicos, o armazenamento é feito em prol do uso de qualquer um que precisar (sendo da família ou não). A chance de você ou do seu filho precisar de um transplante é pequena, ainda bem. Mas caso ele precise, as chances de ele se beneficiar com um transplante destas células aumentam quanto mais pessoas forem doadoras de medula óssea ou de sangue de cordão na modalidade pública. No Brasil, os nossos bancos públicos são de responsabilidade da Rede BrasilCord e os custos destes tratamentos são cobertos pelo SUS.
    Particularmente eu sou a favor do armazenamento apenas nos bancos públicos. Mas lembre-se: armazenar as células do cordão do seu filho não garante acesso a tratamento nenhum quando necessário e caso você opte por não armazenar essas células, você também não estará "excluído" dos benefícios de um transplante ou tratamento baseado nesta tecnologia.

   Se você quiser saber mais sobre este assunto, compartilho aqui o link de uma matéria muto interessante com a Professora Patrícia Pranke, referência no estudo das células tronco que esclarece várias questões do público leigo. Ainda, vale a pena conferir este artigo da mesma autora, especialmente os futuros pais que são bombardeados com falsas promessas dos bancos privados de armazenamento de sangue do cordão umbilical. Por fim, também vale a pena conferir este material produzido pela ANVISA com o objetivo de orientar os futuros pais.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O que esperar do blog no segundo semestre de 2015

   Depois do curto recesso de julho, marcado pelas férias dos alunos, voltamos com força total. Recentemente, me deparei com uma reportagem que a manchete era "Atenção: este alimento contém DNA!". Tratava-se da constatação da dificuldade de comunicação entre o mundo acadêmico e o mundo real, pois uma pesquisa promovida pelo Departamento de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Oklahoma, nos Estados Unidos constatou que 80% dos entrevistados eram a favor da rotulagem obrigatória de "alimentos contendo DNA". Porém esta rotulagem é completamente irrelevante uma vez que praticamente tudo que ingerimos contém DNA pois os animais e os vegetais, como são seres vivos, possuem DNA. Logo, todo alimento derivado destes compostos também terá DNA e as organelas presentes nas células. Este dado mostra que embora estes conceitos sejam muito claros para a comunidade científica, existe um desconhecimento por parte da população em geral, o que muitas vezes gera um pânico desnecessário. Ainda sobre "conter DNA", lembro de uma propagando de uns anos atrás de uma marca de shampoo que continha "DNA vegetal". Mas que belo apelo de marketing para dizer que o tal produto tem componente vegetal, não é?
 Tá aqui ó: um shampoo com DNA vegetal...

    Então, o blog nasceu da necessidade de abordar assuntos que "extrapolam a sala de aula" e trazer os debates e assuntos que comento com os alunos em aula para o ambiente virtual, onde eles podem participar ativamente se quiserem e dividir este conteúdo com os amigos, familiares... Pois nunca é demais falar em ciência. Assim, a proposta do blog também vem de encontro com esta demanda e visa falar em linguagem muito simples e para leigos sobre assuntos que tratamos no mundo acadêmico, tentando diminuir a distância entre a Academia e o mundo real.

   Na mesma reportagem anteriormente citada, abordou-se o resultado de uma consulta realizada pelo Pew Research Center em parceria com a Associação Americana para o Avanço da Ciência, com a intenção de comparar a percepção dos leigos versus da comunidade científica sobre alguns temas polêmicos. Os resultados foram discrepantes:

 - Enquanto 88% dos cientistas acreditam que os transgênicos são seguros, apenas 37% dos leigos tem a mesma opinião;
- 98% dos cientistas acreditam que os seres humanos evoluíram ao longo do tempo, mas só 65% dos leigos tem esta ideia;
- 87% dos cientistas acreditam que as mudanças globais são relacionadas com a atividade humana, mas só 50% dos leigos reconhece a culpa da nossa espécie;
- 86% dos cientistas são a favor das vacinas obrigatórias na infância, mas só 68% da população concorda (tendência preocupantemente em crescimento!)

  Mesmo na comunidade científica não há consenso em muitos temas. Uma ressalva importante de ser feita é que existem "cientistas e pseudocientistas", mas enfim, ainda assim a percepção leiga e acadêmica é bastante discrepante. Estes resultados se aplicam à sociedade americana, mas acredito que no Brasil, resultados semelhantes ou ainda mais díspares seriam encontrados, razão pela qual acredito que todos os indivíduos que tem a chance de cursar o Ensino Superior devem ter o compromisso de aproveitar esta oportunidade e realmente crescer, além de instruir e contribuir positivamente para a sua realidade.

  Neste semestre, vários temas interessantes passarão por aqui. 

  Uma das disciplinas que vou ministrar é a disciplina de Imunologia, para três cursos diferentes (enfermagem, nutrição e farmácia). Neste campo, há muito para ser discutido! Em um mundo onde as correntes anti-vacinação estão em crescimento, cabe esclarecer alguns aspectos deste contexto. Nesta realidade, os futuros enfermeiros tem um grande compromisso de esclarecer e mobilizar os pacientes, participando ativamente das campanhas nacionais de vacinação. Outro aspecto importante dentro do domínio da Imunologia é o crescimento das alergias, cada vez mais frequentes. Quais as teorias  que tentam explicar este aumento? Por que nosso organismo rejeita alguns alimentos que antigamente tolerava? Aqui cabe discutir desde as reações a alérgenos clássicos como amendoim e camarão até a lactose e o composto da moda, o glúten! Para os nutricionistas, também cabe discutir a possibilidade que alguns alimentos tem de afetar o nosso sistema imunológico e as particularidades de pacientes imunodeprimidos, por exemplo. E para a farmácia, esta é uma disciplina muito rica, pois fundamenta várias metodologias que serão utilizadas em laboratório futuramente e também aborda a atenção ao paciente com hipersensibilidade, imunodeficiência e medicamentos que afetam o sistema imunológico (desde um antiinflamatório até o anticorpos monoclonais). 

   Outro assunto que vai rolar por aqui é Toxicologia e Higiene dos Alimentos, uma disciplina que eu adoro ministrar para a Engenharia de Alimentos. Nesta área temos muito a esclarecer pois volta e meia surge uma onda de pânico relacionado a algum alimento. Algumas vezes, até existe razão para tal (lembram do escândalo da adulteração do leite com formol?), já outras não passam de boatos infundados e por isso temos um rico conteúdo.

   Na disciplina de Bioquímica, será discutido toda a base da bioquímica, que é uma disciplina muito importante para o Curso de Nutrição, uma vez que são estas reações que estão envolvidas na geração de energia, no catabolismo ou anabolismo desejado, na termogênese, mobilização de carboidratos e proteínas, etc... Muito metabolismo nos espera!

   Na disciplina de Hematologia Clínica para a Farmácia falaremos sobre as anemias (tipos, tratamentos, técnicas de diagnóstico, orientações para os pacientes), leucemias e distúrbios de coagulação. Esta é uma disciplina muito interessante para este curso pois além do interesse para as Análises Clínicas, considerando que o hemograma é o exame mais solicitado é fundamental para um farmacêutico saber interpretá-lo com propriedade. Teremos visitas técnicas e discutiremos os aspectos clínicos e também laboratoriais.

  Portanto, será um semestre que promete ser rico em possibilidades. Desejo a todos os alunos um excelente semestre, que participem deste espaço e que possamos construir juntos uma aprendizagem crítica e útil!




quinta-feira, 11 de junho de 2015

Amor, uma questão de química

Em homenagem ao dia dos namorados, o assunto de hoje no blog é o amor!



O que faz com que o seu coração acelere na presença de alguém especial? O frio na barriga, mãos suando, respiração alterada, bochechas coradas, olhar perdido e aquele contentamento com uma simples mensagem são manifestações biológicas da paixão. E por trás deste quadro, há a química governando tudo. É a química que faz com que você sinta isso tudo por algumas pessoas e por outras não. Afinal, quando "não rola", muitas vezes assumimos que "não houve química", certo?

Logo, o amor é o resultado das reações químicas que ocorrem no nosso cérebro e o amor tem uma função biológica importantíssima: garantir a propagação da espécie. Sabe-se que, embora seja muito melhor quando andem juntos, o sexo e o amor nem sempre coexistem. E por isso você pode questionar a minha afirmação pois o que de fato garante a propagação da espécie é o sexo. Porém, evolutivamente, existe uma teoria de que em uma relação estável, as chances de criarmos com sucesso os nossos descendentes são muito maiores. Embora a estratégia monogâmica seja menos empregada pela maioria dos animais, os animais que optam por esta estratégia o fazem pois gastam muita energia fornecendo um ambiente para a criação da prole (construção do ninho, prover alimentos, etc... e é uma economia de energia investir tudo isso em uma única família do que em várias). Também há vários evolucionistas que defendem que a poligamia é a mais natural e inteligente das estratégias porque tem a vantagem de permitir um maior acesso a genes diferentes, produzindo indivíduos com maior variabilidade. Porém, como há redução da energia gasta nos cuidados com a prole, na natureza está associada a uma maior mortalidade infantil e os indivíduos que tem mais sucesso com esta estratégia são pertencentes de espécies menos dependentes de cuidados paternos. Mas enfim, como o assunto de hoje é mais químico do que evolucionista, apesar do assunto ser muito interessante, fiquemos cada um com a sua estratégia e voltemos a este tópico no futuro.

Voltando à química:

Ao se apaixonar, observa-se muitas manifestações associadas ao sistema nervoso simpático, que didaticamente é apelidado do sistema "fuga ou luta". Embora na situação da paixão, a única batalha que queremos travar é a luta pelo coração amado, esse sistema provoca alterações que nos capacitam para fugir ou lutar. As pupilas dilatam para poder ver ao longe, a frequência cardíaca aumenta para que todo o organismo esteja com um bom suprimento de oxigênio, há também um aumento da frequência respiratória, e aumento da glicogenólise para fornecer substratos para uma importante batalha.
 Todas estas reações são governadas pela liberação de adrenalina e noradrenalina, e este circuito mobiliza recursos para lidar com situações ameaçadoras. E se 'amar é dar ao outro a capacidade de te destruir, esperando que ele não o faça", não há nada mais ameaçador que a paixão.  



Além da adrenalina e da noradrenalina, a dopamina tem um papel muito importante na química do amor. É o neurotransmissor envolvido no sistema de recompensa, que é o sistema que é ativado quando há um reforço positivo (um bem estar) após um estímulo prazeroso como um alimento que você gosta, o sexo, um divertimento. Quando o primeiro beijo é bom, há uma descarga de dopamina no circuito de recompensa e o seu organismo aprende que este estímulo lhe causa prazer. Assim, buscará este estímulo mais vezes, sendo considerado um mecanismo de autopreservação. O sistema de recompensa é constituído pelo sistema mesolímbico-mesocortical, onde existem projeções de neurônios dopaminérgicos que produzem uma descarga de dopamina quando há um estímulo positivo. Este sistema foi descoberto em uma experiência com roedores onde provocou-se estímulos elétricos em diferentes regiões cerebrais. Quando esta região era intensamente estimulada, observou-se que os animais se sentiam atraídos por buscar o dispositivo que lhes causava este estímulo elétrico, chegando a se desinteressar por outras atividades que também eram prazerosas, como se alimentar e dormir. Alguma semelhança com as primeiras fases da paixão, quando só conseguimos pensar no ser amado o tempo todo e a única opção que nos contenta é estar na sua presença??



No auge da paixão, as endorfinas são responsáveis pela euforia e a sensação de incontrolável felicidade de se descobrir apaixonado e pensar em um futuro a dois. Porém esta fase inspira alguns cuidados pois este coquetel químico "embaralha" o cérebro e embaça a nossa percepção.  É uma fase em que as áreas do prazer e relaxamento encontram-se ativadas em detrimento das áreas da capacidade de julgamento. Assim, foca-se apenas nas qualidades do ser amado, com pensamentos obsessivos e consequente aumento das expectativas.

Mas esta fase passa. Ocorre uma dessensibilização e o nosso organismo se acostuma. Por isso o primeiro beijo nos provoca esse coquetel de reações e o 434394 beijo, embora possa continuar sendo tudo de ótimo, não causa uma reação assim tão intensa. Se no início da relação qualquer "Oi" no whats app era suficiente para uma descarga simpática, com o passar do tempo é preciso caprichar nos estímulos. Nesta fase, podem ocorrer alguns desencantamentos, quando de fato os defeitos que estavam camuflados começam a ser percebidos.

Mas não acaba por aí. Nos casais que conseguem consolidar o amor, outros hormônios assumem o protagonismo: a ocitocina é responsável pela criação de vínculos, amor romântico e durabilidade da relação. Nas fêmeas, também está associada ao comportamento materno e à lactação. Se  não rolar produção de ocitocina, não se desenvolve o vínculo duradouro.

E você, como vai passar o seu dia dos namorados? Desejo que todos encontrem sempre uma forma saudável de estimular o seu sistema mesolímbico-mesocortical, e aos que desejarem uma relação duradoura, que ela seja repleta de ocitocina, com rompantes de adrenalina, endorfinas e muita dopamina!

Este assunto também foi abordado aqui, neste livro e neste, que recomendo a leitura para quem se apaixonou pelo assunto.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Monitorização terapêutica de medicamentos

   No dia 28 de maio, o Grupo de Pesquisa em Infecções Hospitalares da Faculdade de Medicina da UPF, com o apoio da Liga de Infectologia da UPF promoverá a palestra: Monitorização sérica de antimicrobianos: como garantir o sucesso terapêutico no tratamento das infecções graves no ambiente hospitalar (maiores informações no folder abaixo). 


    Esta palestra será ministrada pela farmacêutica Siomara Hahn, que é também professora da UPF e neste momento realiza projetos de pesquisa nesta temática na Universidade do Porto, Portugal. 
      
     Este é um assunto muito relevante nas ciências farmacêuticas, e por isso, pedi para a aluna do Curso de Farmácia, Ana Paula Anzolin Sordi, que participa da liga de infectologia e desenvolve trabalhos com a orientação da Prof. Cristiane Barelli, para falar um pouco sobre o assunto.

   Inicialmente, a Ana Paula trouxe dados muito importantes e preocupantes: O Instituto Americano de Medicina publicou um estudo em 2000 onde mostrou que os erros de medicamentos causaram 7391 mortes por ano de americanos nos hospitais e mais de 10.000 mortes em institutos ambulatoriais. Destes inúmeros erros, aproximadamente 50% tem relação com à falta de informação sobre a dose correta. Todos esses erros aumentam muito o custo de cada paciente para os hospitais. Em 1997 os EUA tiveram um custo de 76,6 bilhões de dólares referente a morbidade e mortalidade em unidades de ambulatório relacionadas aos medicamentos sendo que 60% destes custos poderiam ter sido evitados, pois cada evento adverso a medicação, aumenta a internação de pacientes em 3,23 dias e o custo em $ 4,655 dólares.

    E é aí que entra a monitorização terapêutica, que seria a dosagem das concentrações que o medicamento atingiu no sangue de cada pessoa para ajuste da dosagem. A Ana Paula explica:

   Ao prescrever uma droga terapêutica a um paciente, o médico leva em conta as doses e os intervalos que os medicamentos devem ser administrados para que possam ter o resultado desejado. Entretanto, diversos fatores (do paciente e do fármaco) podem interferir na resposta terapêutica, por isso é necessário e tão importante a sua monitorização, pois a mesma avalia a posologia do fármaco no organismo, para ter melhores efeitos terapêuticos e evitar a ocorrência de efeitos adversos ou, no caso dos antibióticos, resistência bacteriana por ter uma sub-dose. É a monitorização que vai dizer se a dose esta alta, baixa ou ideal. Se estiver ideal o tratamento continua com a dose que iniciou, se estiver alta ou baixa será feito um ajuste de dose para atingir a janela terapêutica, ou seja, uma faixa de concentração onde o medicamento é eficaz, que tem efeito clínico e que não seja tóxico. 

Portanto a monitorização terapêutica é imprescindível para o sucesso do tratamento, para promover a segurança do paciente e para uma economia financeira dos hospitais.

Obrigada Ana Paula por atender prontamente a minha solicitação e participar deste post! :)


segunda-feira, 25 de maio de 2015

A contaminação ambiental por resíduos de medicamentos: isso é problema seu!

   No último sábado, eu, o professor Luciano e a professora Charise estivemos no programa Uirapuru Ecologia, na rádio Uirapuru para falar sobre a problemática da contaminação ambiental por resíduos de medicamentos.


   O descarte incorreto de medicamentos (vencidos ou aqueles em desuso) contamina os efluentes e o ecossistema e já há estudos associando esta contaminação com efeitos deletérios nos animais e até mesmo ao homem. Esses resíduos de medicamentos e até mesmo protetores solares são definidos como "contaminantes emergentes", pois o seu potencial de causar dano já é conhecido. Além do descarte incorreto, a contaminação por medicamentos acontece porque uma parte dos medicamentos que tomamos é eliminada na forma inalterada ou como metabólitos (muitas vezes ativos) pela urina. Apesar destes resíduos estarem presentes em quantidades muito baixas, vale lembrar que esta contaminação acontece de maneira contínua. São 7 bilhões de pessoas excretando resíduos de medicamentos que contaminam o ambiente, além daquelas que descartam os medicamentos de forma incorreta.
  
   Sabe-se que 1kg de medicamentos descartados de forma incorreta podem contaminar até 450 mil L de água. E o nosso padrão de potabilidade de água ignora esta contaminação de medicamentos, ou seja, não são considerados testes para verificar esta situação e nem existe na legislação algum limite ou tratamento da água visando minimizar esta contaminação. Por isso, não é novidade que a água que você toma contém resíduos de medicamentos. Portanto, isso também é problema seu! 

    Aos cientistas, cabe fornecer uma alternativa para tratar nossos efluentes e minimizar esta contaminação (aqui tem um exemplo de alternativa que vem dando certo). E você, o que pode fazer?

    Ouça aqui o áudio do programa Uirapuru Ecologia onde discutimos estas questões, as suas consequências, possíveis alternativas e o que você pode fazer para garantir a estabilidade do seu medicamento e o seu descarte correto.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Purificadores de ar a base de ozônio: eficácia e segurança

   O ozônio é um composto que apresenta a ambiguidade de ser considerado vilão ou mocinho em determinadas condições. Ao mesmo tempo que são feitas campanhas para preservar a camada de ozônio, este composto também pode ser considerado um poluente (é tratado como tal pela nossa legislação do CONAMA, Resolução 003/90). E apesar de ser um poluente, alguns "purificadores de ar" realizam a sua função através de geração de ozônio. 
   Soou estranho purificar o ar com um poluente? Para muita gente também! Então hoje vamos falar sobre um projeto que tive o prazer de participar, que foi coordenado pela Prof. Charise Bertol, onde se testou a eficácia e a segurança destes purificadores de ar.

  Primeiramente, algumas definições:
 O ozônio é um gás  colorido, em tons de azul, composto por 3 moléculas de oxigênio. Ele se forma quando as moléculas do oxigênio (O2) se rompem pela ação da radiação ultravioleta do sol. Os átomos separados podem se combinar novamente com outras moléculas, gerando o ozônio (O3).
   A atmosfera tem várias camadas, conforme demonstrado na figura abaixo. A camada de ozônio fica localizada na estratosfera, em uma altitude de 16 a 30km. Esta camada serve para absorver as radiações ultravioletas que vem do sol.


Camadas da atmosfera. Fonte: http://www.mundoeducacao.com/quimica/equilibrio-quimico-na-camada-ozonio.htm


Camada de ozônio na estratosfera, que atua como um escudo para as radiações ultravioletas do sol. Fonte: http://www.ibflorestas.org.br/noticias/584-16-de-setembro-dia-internacional-de-protecao-da-camada-de-ozonio.html

   Já na troposfera, que é a camada mais próxima da superfície da Terra, o ozônio é considerado um poluente secundário. Ou seja, é formado a partir de outros poluentes atmosféricos, como o dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis na presença de radiação solar. O ozônio da troposfera contribui para o agravamento de crises de asma, bronquites e doenças respiratórias no geral. 
   Existem no mercado "purificadores de ar geradores de ozônio". São equipamentos pequenos, portáteis (como o da figura abaixo) e que prometem melhorar a qualidade do ar.


Exemplo de purificador de ar gerador de ozônio.

   O fundamento da utilização do ozônio como purificador de ar se deve ao seu efeito oxidante. Os fabricantes informam que estes purificadores produzem íons que removeriam micro-organismos do ar. O mecanismo desta ação se fundamenta no ataque do ozônio às membranas e paredes celulares, sendo capaz de causar uma situação de stress oxidativo e consequentemente, o rompimento das células dos patógenos. Porém, alguns autores questionam esta atividade. Esta corrente defende que, em concentrações seguras para os seres humanos o ozônio seria ineficaz como descontaminante ou purificador de ar. Em concentrações acima das permitidas, a eventual purificação atingida não se justificaria porque os efeitos negativos do ozônio para a saúde seriam mais prejudiciais do que o benefício conseguido.
  
  Então, primeiramente, vamos aos nossos resultados relativos à eficácia destes purificadores de ar. Posteriormente, voltaremos à questão da segurança:

   Nós testamos o efeito de um purificador de ar (marca Brizzamar) comparando os micro-organismos cultivados em presença do purificador e na ausência do mesmo. Os resultados mostraram que após 1 h de uso do purificador de ar gerador de ozônio, houve uma redução significativa dos fungos presentes no ambiente (72.22%). Após 2 e 3 h de funcionamento do purificador, a redução atingiu 83.43%  e 89.71%, respectivamente. Com relação às bactérias presentes no ar, observou-se uma redução de 34.75% após a primeira hora de funcionamento do equipamento, 74.82% após 2 h e 78.02% após 3 h. O modelo experimental utilizando dois diferentes vírus (BoHV-1 - vírus da herpes bovina e HSV-1 Herpes simplex virus) evidenciou que após 3 h de exposição ao ozônio houve uma redução acima de 90% nos dois vírus utilizados. E nestas condições, a eliminação dos vírus aconteceu sem efeitos citotóxicos para a célula hospedeira. 

Conclusão: Houve uma melhora na qualidade microbiológica do ar após a exposição ao purificador de ar gerador de ozônio. Os melhores resultados foram obtidos após 3 h de funcionamento, conforme recomendado pelos fabricantes.

 E a segurança do uso?

  Como o ozônio é um poluente oxidante, existem níveis considerados seguros de exposição. No ambiente de trabalho, por exemplo, a OSHA (Occupational Safety and Health Administration)  recomenda um limite de 0.1 ppm de ozônio para uma jornada de trabalho de 8 h. No Brasil, o Ministério do Trabalho, através da NR 15, fixou em 0.08 ppm de ozônio como o limite máximo de exposição em regime de até 48 h semanais.
    Nos nossos estudos, a concentração do ozônio no ambiente foi medida e sempre ficou abaixo de 0.05 ppm, o que sugere a segurança do purificador. Este dado é importante porque depõe contra o possível efeito cumulativo do ozônio. Então, para confirmar este achado, colocamos o purificador gerador de ozônio em uma caixa até que ela se encontrasse saturada de ozônio (concentração de ozônio após saturação da caixa = 3.7 ppm). Cinco minutos após desligar o equipamento, os níveis de ozônio reduziram drasticamente (50%) e após 30 min, a concentração de ozônio na caixa era inferior a 5%. 

   Ainda assim, realizamos ensaios in vivo para verificar os possíveis efeitos agudos e crônicos do ozônio, especialmente no trato respiratório. Para isso, ratos foram expostos por 15 dias a uma exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia (conforme recomenda o fabricante) ou 24 h/dia (uma situação extrema). Outro grupo foi exposto por 28 dias à exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia ou 24 h/dia. Os resultados foram comparados com animais mantidos sem qualquer exposição ao gerador de ozônio (controles). Os parâmetros avaliados foram a massa relativa dos órgãos, alterações macro e microscópicas dos órgãos, parâmetros hematológicos e marcadores de stress oxidativo sistêmico, além de ensaios de mutagenicidade. 
      Não houve alterações significativas nos animais expostos ao ozônio em nenhuma condição quando comparado aos animais controles.

Conclusão: Neste modelo de exposição, o purificador de ar gerador de ozônio pode ser considerado seguro.

    Se você quiser saber mais sobre estes estudos, aqui você encontra o artigo do trabalho com fungos e bactérias e aqui você encontra o trabalho com os vírus. Os ensaios de avaliação da qualidade microbiológica do ar foram realizados como Trabalho de Conclusão de Curso das alunas Greicy Petry, Karoline Vieira e Angelica Vilani, orientadas pela Prof. Charise Bertol. A avaliação da toxicidade foi realizada pela aluna Larissa Cestonaro e encontram-se submetidos para a publicação. Estes trabalhos foram desenvolvidos no âmbito do projeto Sentinela - UPF Tec.