segunda-feira, 30 de março de 2015

Farmacêutico na Praça

   No dia 28 de março, aconteceu em Passo Fundo, mais uma edição do "Farmacêutico na Praça". Trata-se de um evento promovido pelo Conselho Regional de Farmácia e com o apoio do Curso de Farmácia da UPF onde são oferecidos serviços farmacêuticos como aferição da pressão arterial, teste de glicemia e recolhimento de medicamentos vencidos, tudo gratuitamente à população.
  Apesar da chuva, muitas pessoas da comunidade compareceram, demonstrando que para cuidar da saúde, não tem tempo ruim. Além de profissionais farmacêuticos, o evento é um momento para os futuros farmacêuticos do curso de Farmácia da UPF treinarem as habilidades e competências necessárias ao profissional frente ao paciente. E foi muito legal ver a participação e o entusiasmo dos alunos com o evento, conforme pode ser conferido em algumas fotos do momento em que eu estive presente.











Parabéns CRF-RS por esta iniciativa e a todos os que participaram do evento! 



  


terça-feira, 24 de março de 2015

O uso de celular e sua influência na qualidade espermática

 Recentemente, finalizamos mais uma edição da nossa Especialização em Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade de Passo Fundo. Entre os trabalhos de conclusão de especialização produzidos pelos alunos, o trabalho da Lidiana Biasi, orientado pelo professor Luciano Siqueira e que tive o prazer de ser membro da banca avaliadora me chamou  muito a atenção. A Lidiana permitiu que eu contasse um pouco dos resultados do trabalho dela aqui no blog, e por isso, lá vai:

   O objetivo do trabalho foi verificar se existia alguma correlação entre alguns hábitos e a qualidade espermática, verificada através do espermograma, um exame que avalia a vitalidade, motilidade, concentração de espermatozoides e morfologia. Participaram do estudo 32 homens com idades entre 21 e 47 anos. Aplicou-se um questionário aos voluntários que aceitaram participar da pesquisa onde se questionou sobre os seguintes hábitos: tabagismo, ingestão alcoólica, hábito de carregar o telefone celular no bolso da calça e utilizar notebooks no colo.

   Através de análise estatística de correlação de Spearman, os resultados demonstraram que o hábito de carregar o celular no bolso da calça apresenta uma correlação fraca (-0,36) mas significativa com a diminuição dos espermatozoides.  O que isso significa: que foi possível verificar que os homens que declararam carregar o celular no bolso da calça apresentaram uma contagem inferior no número de espermatozoides quando comparados com os valores dos homens que não tinham este hábito. Particularmente acredito que se aumentássemos a amostra, o valor da correlação também aumentaria.
  
  E qual seria o motivo do celular interferir com o número de espermatozoides? 
   Existem dois possíveis mecanismos: um deles, é o efeito das radiações sobre o núcleo das células de Leydig, que podem levar a danos no DNA e diminuição da síntese de testosterona. As radiações dos celulares operam entre 400 e 2000 MHz, dependendo do modelo. O outro mecanismo é o efeito térmico destes aparelhos uma vez que estas ondas eletromagnéticas produzem calor. Explico: para uma boa síntese de espermatozoides, a temperatura dos testículos deve estar por volta de 34ºC. A temperatura do corpo humano gira em torno dos 36-37ºC (você sabe disso, pois quando mede a sua temperatura para saber se está com febre, utiliza este parâmetro como o normal). Por isso que os testículos encontram-se localizados em uma estrutura externa ao organismo (ao contrário do que acontece com os ovários femininos), já que eles não são bons dissipadores de calor e trabalhar a uma temperatura corporal seria deletério para a sua função reprodutiva. Nesta mesma linha de raciocínio, o hábito de carregar o notebook no colo também foi avaliado, mas neste parâmetro não houve correlação significativa (embora existam outros estudos que conseguiram provar esta associação). 

  É claro que existem alguns vieses neste estudo, como o fato dos hábitos serem avaliados por questionários, e muitas vezes as pessoas omitem alguns fatos e também a existência de inúmeros outros fatores que poderiam influenciar na espermatogênese. Mas de qualquer maneira, é perturbador que exista essa correlação (ainda que fraca) com o uso de celular.  Pelo sim, pelo não, sugere-se que os homens que estão tentando ter filhos minimizem a exposição a estas radiações.

  Conclusões semelhantes já foram obtidas por outros pesquisadores, inclusive com amostras maiores que esta. Ainda assim, os cientistas são cautelosos ao olhar para estes resultados e concluir que o celular de fato prejudique a fertilidade (e eu peço a você que me lê, que também seja cauteloso e não surte com este post). De qualquer maneira, todos concordam que estes resultados merecem nossa atenção e que mais estudos são necessários para esclarecer estes efeitos. Se você se interessou pelo assunto, consulte também esta reportagemou esta ou ainda pode consultar esta lista de artigos recentes que avaliaram estes aspectos.

  Meus alunos, há muito trabalho a ser feito! Vamos pesquisar?

  


terça-feira, 17 de março de 2015

A vacina contra o "efeito sanfona"

    Quem nunca fez uma dieta rigorosa, conseguiu emagrecer, mas passado algum tempo, recuperou o peso perdido? A culpa do "efeito sanfona" pode ser da ghrelina! A ghrelina é um hormônio envolvido na regulação do apetite, conforme explicado na figura abaixo:


Em azul, a regulação do estado de saciedade: no tecido adiposo, há a produção da leptina, secretada na corrente circulatória. A leptina suprime a atividade do neuropeptídeo Y, que provoca o apetite e melhora a atividade de compostos envolvidos na saciedade.
Em vermelho: O estômago produz ghrelina, que estimula o neuropeptídeo Y, fazendo o indivíduo sentir fome, ao mesmo tempo que suprime outros compostos que produziriam saciedade.
Fonte: http://bioquimican4med.wikispaces.com/Hormonas+que+intervienen+en+el+control+del+Apetito

   Para os "iniciados na bioquímica", uma figura mais complexa, que mostra pormenores da regulação do apetite. O que chama atenção é que temos muitas substâncias que diminuem o nosso apetite e apenas uma que aumenta... Sim, a ghrelina.




   E se houvesse uma maneira de impedir que a ghrelina atuasse no nosso organismo? É exatamente isso que um grupo de cientistas portugueses está tentando fazer. Hoje, convidei a Sara e o Tiago a falar um pouco sobre este projeto encantador por dois motivos:

   1) Este assunto é muito interessante e vem bem a calhar no pós férias, quando é hora de retomar as metas do ano novo e tentar efetivá-las. Posso apostar que uma das metas de 9 entre 10 leitores do blog relaciona-se com o emagrecimento/manutenção do peso.



   2) Um novo ano letivo inicia-se e gostaria de pedir especial atenção aos meus alunos para este post. Motivem-se a realizar bons trabalhos durante a faculdade e, se houver interesse, em realizar iniciação científica. Na minha opinião, nada pode ser mais motivante do que estar na frente das descobertas que as outras pessoas utilizarão anos mais tarde... Fui colega do Tiago no Mestrado e há muito tempo ouvi falar da Sara e de como este projeto surgiu: em um trabalho de uma disciplina. Nestas situações, às vezes os alunos fazem trabalhos "sem graça", com o único objetivo de não zerar a nota... Mas a Sara propôs algo que até hoje lhe rende bons frutos, como ela faz questão de dizer logo abaixo. Por favor, alunos, prestem atenção nas duas últimas perguntas e deixem-se contaminar pelo brilho nos olhos que a ciência pode nos dar. Sejam ousados, dediquem-se e aproveitem as oportunidades!

   Bem, mas voltando ao nosso assunto de hoje, apresento os convidados portugueses, que posteriormente explicam o seu projeto e os resultados que já obtiveram:
  A Sara Andrade é formada em Bioquímica  pela Universidade do Porto, possui Mestrado em genética Molecular pela Universidade do Minho e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientada por Felipe Casanueva, Marcos Carreira e Mariana Pereira Monteiro). 
  O Tiago Morais também é formado em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi meu colega no Mestrado em Toxicologia Analítica Clínica e Forense (Universidade do Porto) e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientado por Mariana Pereira Monteiro, Felipe Casanueva, e Marcos Carreira).

Então,  o que exatamente eles estão tentando fazer?

Sara - Resumindo, estamos a tentar criar uma vacina para tratamento da obesidade. A ghrelina é um hormônio produzido pelo estômago e que atua no cérebro. Ela é o único hormônio conhecido que aumenta o apetite e consequentemente a ingestão alimentar. Em pessoas obesas, os seus níveis estão muito baixos, mas, com a perda de peso, os níveis sobem para níveis mais elevados do que uma pessoa de peso normal, dificultando uma perda de peso sustentada. E aí entra a nossa vacina: nós queremos neutralizar a subida dos níveis de ghrelina em resposta a perda de peso, o que permitiria, com a ajuda de modificações na dieta e nos hábitos de exercício físico uma perda de peso mais constante sem picos no apetite.

Tiago - Uma das estatísticas mais assustadoras é que mesmo depois de terem perdido peso a maior parte das pessoas ao fim de 5 anos recupera o peso perdido conforme pode ser verificado neste trabalho). Portanto, o que nós basicamente nos propomos não é tanto ajudar as pessoas obesas a perder peso de uma forma puramente farmacológica, mas a tentar ajudar as pessoas que estão em processo de perda de peso a acelerar este processo e posteriormente a manter um peso "normal" a longo prazo.

E isso não pode ser perigoso?

Tiago - A ghrelina esta associada a mais que uma função no organismo, produzindo exclusivamente efeitos sobre o apetite. Regula por exemplo a secreção do hormônio do crescimento e existem pelo o menos um estudo onde se mostra que bloqueando os receptores de ghrelina com um antagonista leva a um aumento de pressão arterial em ratos. Para além do mais, a ghrelina tem o efeito de aumentar o prazer no ato de comer, e bloquear esta ação pode levar a disfunções na regulação da química cerebral provocando depressão e aumento da ansiedade por exemplo. Daí a nossa tentativa de reduzir o nível de ghrelina circulante sem no entanto a neutralizar a 100%



E o que vocês já conseguiram fazer?


Sara - Foi desenvolvido um imunoconjugado de ghrelina com proteína NS1 do vírus da língua azul (BTV) como substância imunogênica que foi inoculado em camundongos normoponderais e com obesidade induzida pela dieta. Com este imunoconjugado foi conseguida a indução da produção de anticorpos específicos anti-ghrelina com capacidade de neutralização dos efeitos biológicos deste hormônio. Ou seja, houve uma diminuição da ingestão alimentar diária e da ingestão alimentar aguda nas 24h após a imunização, um aumento do gasto energético e uma diminuição de sinais de aumento de apetite no hipotálamo basal.
Tiago -  São resultados encorajadores, mostram que o conceito de realizar uma vacina por estes meio é seguro, já que também não vimos sinais de dano, e que o conceito resulta. Não estamos propriamente na reta final mas é um ótimo ponto de partida!

Isto significa que em breve teremos a cura para a obesidade?

Sara - Não. A obesidade é uma doença muito complexa e em que há muitas vias a ter em conta. Mas é mais um passo no que diz respeito a tentar melhorar esta epidemia.


Tiago - É um problema multi-fatorial, e mais complexo do que muitas vezes se pensa. Aliás, apesar de termos acesso a toda a informação necessária, isto é, sabermos que é fundamental o exercício para sermos saudáveis e sabermos, não necessariamente o estilo de dieta a seguir, mas que devemos evitar comer em excesso, continuamos com uma população crescentemente obesa, com um aumento de obesidade infantil para níveis preocupantes. Pior ainda, a nível mundial os países como a Índia, a medida que começam a ficar mais ricos, começam a "imitar" os hábitos alimentares dos ditos "países ocidentais" com consequências significativas para os níveis da obesidade e da diabetes. Assim, um comprimido ou uma vacina que fosse milagrosa (e já começam a surgir ideias para combater a obesidade e a diabetes ao mesmo tempo com um só comprimido) não ia combater o nosso desequilibro alimentar, que provoca outro tipo de problemas metabólico.


 Como surgiu a ideia deste projeto científico?


Sara - Surgiu como um projeto teórico de uma cadeira de microbiologia durante a graduação. Na altura, eu e a minha colega, a Filipa Pinho, tivemos a ideia de criar uma vacina anti-obesidade baseando-nos numas vacinas terapêuticas para doenças não infecciosas que usavam capsídeos virais para conseguir uma resposta imune contra moléculas que de outra forma não o fariam. Afinal, terminamos a pedir ajuda  do ponto de vista mais médico à Dra. Mariana Monteiro, que viu potencial no projeto, nos propôs trabalhar com ela e nos ajudou a dar forma ao trabalho. E desde então temos vindo a trabalhar no projeto, com a mais recente adição do Tiago.


Comentem que tipo de experiência pessoal este trabalho e a experiência na investigação científica já trouxe a vocês:

Sara - Este trabalho, acima de tudo, levou-me a trabalhar em grandes equipes, com pessoas extremamente competentes e que
diariamente me ensinam coisas. A investigação científica baseia-se na partilha de conhecimentos e na procura de sempre saber um pouco mais. E quando a isto se associa conseguir aproximar-nos de algo que pode realmente ter um impacto na vida das pessoas é realmente motivante.

Tiago - Concordo a 100%. Não só trabalhamos em bons ambientes com gente que sabe o que faz, como durante este tipo de trabalho temos também acesso a trocar ideias com gente de nível muito elevado que nos motiva sempre para sermos melhores e sabermos um pouco mais hoje do que sabíamos ontem. E trabalhar com algo onde conseguimos fazer ciência básica mas que tem uma ponte muito óbvia para uma aplicação clínica da sempre outro tipo de motivação extra.

   Muito obrigada Tiago e Sara!
  Aqui no blog, continuaremos acompanhando o desenvolvimento deste projeto, mas enquanto não temos uma vacina anti-ghrelina disponível, aposte nos métodos tradicionais... Ou seja, de momento, se você quer evitar o efeito sanfona, o método com maior chances de sucesso é uma mudança no estilo de vida, que passe por uma reeducação alimentar consistente acompanhada de exercícios físicos.
  E se você se interessou ainda mais pelos trabalhos da Sara e do Tiago, você pode buscar os artigos científicos do grupo a respeito destes estudos:

Imunização contra ghrelina para tratamento da obesidade

A vacina anti-ghrelina: uma nova abordagem no tratamento da obesidade

Vacinas para doenças metabólicas



quinta-feira, 12 de março de 2015

Aspectos toxicológicos da Cannabis

   A Cannabis sativa é originária da Ásia Central e é considerada uma das plantas mais antigas cultivadas pelo homem. Registros sugerem que ela chegou nas Américas no início do século XIX, sendo utilizada principalmente para fins têxteis e medicinais. No Brasil, acredita-se que foi introduzida na época das capitanias
hereditárias, mas existem teorias que sugerem que os escravos utilizavam a planta com fins hipnóticos. Este é um ponto importante pois demonstra que esta droga é conhecida há muito tempo. Apesar dessa longa experiência, muitos estudos se contradizem sobre os seus efeitos e mesmo o nosso entendimento farmacológico sobre os receptores canabinoides só evoluiu muito nos últimos anos. 
   Ainda assim, em 2013, segundo o Relatório Mundial sobre drogas, a maconha foi a droga ilícita mais consumida do mundo. Os dados de 2014 mostram que globalmente, seu uso parece estar em declínio. A legalização da maconha é um assunto que não pode ser simplificado. Nesta semana,  a maconha é o assunto da aula teórica da disciplina de Análises Toxicológicas. Para fundamentar a discussão acerca da legalização da Cannabis, além dos aspectos farmaco- e toxicológicos, é necessário entender qual é o tratamento legal atual no Brasil e como é nos demais países que frequentemente são citados como exemplo sem o real conhecimento (post sobre isso, com a participação do Artur Grando, aqui). Além disso, é preciso conhecer os potenciais danos e com base nestes conhecimentos, analisar o cenário social e as consequências de uma legislação proibitiva versus uma flexibilização na política antidrogas. Para pensar sobre aspecto social, recomendo este post do sociólogo e professor universitário Ivan Dourado, no blog Autonomia Sociológica. 

   Antes de abordar os aspectos toxicológicos, gostaria de fazer uma consideração importante: como este é um assunto que desperta paixões, gostaria de deixar claro que o meu interesse na maconha é puramente acadêmico. Procuro olhar os estudos com resultados negativos e positivos da mesma maneira. Às vezes se torna difícil discutir estes aspectos com radicais de qualquer natureza (o usuário, que sempre sabe tudo e para quem a planta é um presente de Deus, ou o "contrário fervoroso", que a demoniza). O processo de aceitação dos resultados científicos é ainda mais complicado porque em ciência, como nas outras áreas da vida, existem publicações das mais diversas... Ou seja, pouco adianta o argumento "mas existe um artigo..." Pois artigos existem muitos. É preciso um certo conhecimento técnico para analisar a qualidade dos resultados gerados e a fonte. Mas via de regra, o melhor material científico é aquele publicado em boas revistas, que para a sua publicação, exige uma revisão por outros cientistas, que julgarão a maneira como as experiências foram feitas (pois eles detém este conhecimento técnico) e a qualidade dos resultados e conclusões. O material publicado em livros ou em blogs (como este!) não requerem este processo de revisão, e por isso, o filtro é bem menor (para não dizer que não existe). Conheço pessoas que já me disseram abertamente que quando tem um trabalho não tão bom (lê-se cheio de falhas que jamais seria aceito para publicação em revistas boas), "para não deixar na gaveta", atiram esta produção para o mundo na forma de capítulo de livro. Em tempos de internet, então... publicar qualquer coisa ficou ainda mais fácil! Por isso, devemos cuidar a qualidade das fontes que utilizamos.
    Tudo o que você quiser provar, você encontrará em algum lugar argumentos para te apoiar. A questão é a qualidade dos argumentos... e como me propus a escrever sobre isso, quero falar sobre os meus critérios de seleção da informação: Na minha vida científica, nunca trabalhei diretamente com a maconha ou seus derivados. Não tenho nenhum trabalho publicado neste tema, mas é um conteúdo que abordo na minha disciplina. A minha formação é na área de toxicologia e faz alguns anos que estudo sobre isso, todos os dias lendo algo sobre o assunto, indo a congressos sérios anualmente, trocando ideias com cientistas renomados da área e muitas vezes tendo aula com eles. Por isso acredito que tenho alguma experiência com estes tipos de estudo, que me ajudaram a desenvolver o meu filtro.

   Bom, vamos lá!

   Toxicidade a curto prazo
    
   A toxicidade aguda a curto prazo da maconha é realmente muito baixa. A sua dose fatal é estimada em cerca de 15 a 70g em humanos, o que justifica a ausência de relatos de overdose. É importante referir que os efeitos clínicos após o uso de maconha variam de indivíduo para indivíduo, mas incluem euforia, diminuição da ansiedade e sedação, alterações na percepção sensorial, prejuízos na memória recente, dificuldade de atenção, concentração e tomada de decisões devido ao aumento do fluxo de ideias, perda de discriminação de tempo e espaço e diminuição da coordenação motora.
   Um aumento na dose pode produzir intensificação nas emoções e até alucinações transitórias devido às alterações na percepção. Existem relatos de sintomas psicóticos relacionados ao uso agudo de maconha, além da hiperemia da conjuntiva, aumento do apetite e alterações na pressão arterial devido à taquicardia e hipotensão ortostática.
    
  Toxicidade a longo prazo

   Considerando os efeitos respiratórios, as fumaças do tabaco e da Cannabis são bastante similares na composição da fase particulada e gasosa, com a óbvia exceção da presença de nicotina ou canabinoides, respectivamente. Vale lembrar que embora tanto o tabaco quanto a maconha sejam fumadas, o perfil de exposição de ambos varia substancialmente devido à dinâmica de fumar. Enquanto o fumante de tabaco traga o cigarro com tragadas curtas, a Cannabis é fumada com um maior volume de tragada, inalação mais profunda e maior tempo de retenção da fumaça, o que acarreta um substancial depósito de alcatrão (alerta de câncer) no pulmão. Assim, o consumo crônico de Cannabis de fato é associada a um aumento dos danos leves à mucosa que resultam em tosse, catarro, espirros, sinusite. Mas considerando a função pulmonar e a relação com o desenvolvimento de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), os estudos são inconclusivos, enquanto que no tabaco esta relação já é bem estabelecida. Ainda, um estudo com 5.000 fumantes de maconha ou tabaco, acompanhados por 20 anos (portanto com um bom número de participantes acompanhados por um longo período), concluiu que o uso ocasional de maconha ou  mesmo o consumo de 1 cigarro por dia de maconha não está associado a efeitos adversos sobre a função pulmonar, ao contrário do que é observado com o tabaco.

   Outra grande preocupação quando se fala em Cannabis são os casos de psicopatologias. Existem trabalhos associando o uso de maconha com um aumento de risco de desenvolver esquizofrenia ou sintomas psicóticos em indivíduos predispostos ou não. Quando o consumo é realizado por adolescentes, o risco de transtornos psicóticos é ainda maior. Em razão destes efeitos (e também outros elencados no manifesto), a Sociedade Brasileira de Psiquiatria se manifestou contrária à legalização da maconha. Os motivos encontram-se elencados aqui para você julgar se concorda ou não.

   Existe também uma associação do consumo de maconha com prejuízos na memória recente. Um estudo em ratos demonstrou que quando tratados com delta-9-THC (composto psicotrópico encontrado na maconha), houve uma diminuição na habilidade destes ratos de realizar tarefas que requerem o uso de memória a curto prazo. Este mesmo estudo evidenciou uma destruição nas células do hipocampo. Concluiu-se que o consumo crônico de maconha pode apressar a perda de neurônios associadas com o envelhecimento. Mais recentemente, verificou-se que o déficit de atenção e memória evidenciados de 0-6h após o consumo  regridem após cerca de 1 mês de abstinência.  Porém, a capacidade de tomada de decisão, formação de conceitos e planejamento  são mais duradouros.  O decréscimo na fluência verbal (grande dificuldade de apresentar uma ideia com coerência e fluência), é um sintoma que não aparece necessariamente logo após o consumo, mas quando é observado no consumo crônico, pode não ser revertido. Os estudos sobre a capacidade cognitiva concluem que quando o contato é realizado na adolescência, que é um período de desenvolvimento neuronal, os indivíduos tornam-se muito mais vulneráveis a estes efeitos.

   Considerando os efeitos cardiovasculares, existe uma maior demanda por oxigênio acompanhado pelo aumento do trabalho cardíaco e distribuição de uma menor oxigenação devido ao monóxido de carbono gerado. A taquicardia e os efeitos na pressão arterial não costumam ser um problema em indivíduos jovens, que geralmente não possuem patologias cardíacas. Mas pode ser uma preocupação relevante em usuários cardiopatas ou em extremos de idade.

   Dependência: 
  
   Apesar dos usuários alegarem que não são dependentes desta droga (exatamente como fazem os usuários das outras), os canabinoides apresentam um regime de auto-administração semelhante às demais drogas de abuso nos estudos que buscam avaliar o potencial de dependência. Os receptores canabinoides CB1 são capazes de ativar o sistema de recompensa, e por isso conclui-se que a maconha pode sim causar dependência. 
    Recentemente, foi publicado um estudo muito interessante sobre a dependência, realizado em ratos, onde foi comprovado que o THC pode exercer efeitos que predispõem a uma maior dependência a opioides, como heroína. Foi administrado THC em ratas antes da gestação e depois comparou-se o potencial dos filhos destas ratas de se tornarem dependentes de heroína. Utilizou-se doses realistas para usuários recreativos de maconha e esperou-se 4 semanas como um período de wash out (visando eliminar o que ainda poderia estar no sangue das ratas) e então, as ratas engravidaram. O objetivo desta experiência foi simular aquele usuário que utiliza maconha na adolescência e tempo depois engravida, mas não consome a droga durante a gravidez. A análise da prole destas ratas evidenciou que os filhotes das mães expostas previamente ao THC, quando adultos, buscavam o dispositivo que liberava heroína significativamente mais do que os filhos de animais controle. Os autores sugerem que este fenômeno possa ser explicado por efeitos epigenéticos (variações na estrutura da molécula de DNA que poderiam predispor a uma maior tendência a dependência).

   Tolerância: 

   O uso prolongado de Cannabis promove uma diminuição no número e eficiência de receptores CB1. Esta tolerância ocorre mais rapidamente em regiões corticais cerebrais do que nas sub-corticais. Assim, os fumantes crônicos de maconha apresentam tolerância para perda de memória, por exemplo, mas não para a sensação do barato ou diminuição do controle motor.

   Síndrome de Abstinência

   Antigamente, era negligenciada, mas nos últimos anos, ganhou reconhecimento como um componente importante no tratamento da toxicodependência de maconha. As taxas de recaídas são comparáveis a de outras drogas, demonstrando que parar o uso não é tão fácil como se imaginava.
   São sintomas da abstinência: sonhos bizarros, irritabilidade, agitação, ansiedade/nervosismo, diminuição do apetite, distúrbios do sono, humor deprimido,... Geralmente iniciam após uma semana de abstinência e terminam algumas semanas após.


    É claro que este post teve como foco os aspectos toxicológicos (e efeitos tóxicos são sempre negativos) da maconha. Ainda assim, há outros compostos que tem efeitos negativos e que são lícitos. Por isso, meu objetivo com este post foi apenas colocar na mesa algumas informações, e cabe a cada um julgar como gostaria de tratar esta substância (analisando aspectos sociais e toxicológicos). Com relação ao potencial medicinal da Cannabis, já me posicionei em posts diretamente focados nesta discussão, que você pode encontrar aqui e aqui.

   Para ter acesso a um compilado de estudos sérios sobre a maconha, recomendo o capítulo Cannabis, escrito pela Regina Lúcia de Moraes Moreau no livro Fundamentos de Toxicologia, 4° Edição, de Seizi Oga, Márcia Maria de A. Camargo e José Antonio de O. Batistuzzo. Recomendei um livro mesmo tendo falado sobre a facilidade de publicar livros sem revisão prévia pelos pares porque este livro é a obra de referência da Toxicologia no Brasil, referendada como tal inclusive pela Sociedade Brasileira de Toxicologia. Quem tiver mais intimidade com artigos científicos, pode procurá-los nas bases de dados e julgar sua qualidade.

  Provoco os meus alunos a se posicionarem criticamente sobre a legalização da maconha nos comentários, com base nas discussões da sala de aula, leitura de textos recomendadas e de demais textos que o seu interesse lhe fez procurar...

terça-feira, 10 de março de 2015

Aspectos legislativos da maconha

   Para falar sobre os aspectos legais envolvendo a maconha, convidei o advogado Artur Antônio Grando, que hoje é o responsável pelo texto em itálico. Obrigada, Artur!! :)

"Os recentes movimentos na política mundial, em especial nos EUA e Uruguai, têm dado novo ânimo às discussões acerca da legalização ou não da maconha, seja ela para fins medicinais ou mesmo para uso volitivo.
  O uso medicinal não será objeto deste diálogo, pois minha opinião pessoal é que tudo o que possa ser benéfico para uso medicinal, analisando-se o caso concreto, deve ter seu uso autorizado, quer por trazer avanço nos tratamentos, quer seja para redução dos sintomas. Obviamente, quem cuida de casos da saúde são os profissionais que atuam em na área, os quais têm, portanto, a palavra final.
   Mas e então? O consumo de maconha deve ou não ser legalizado no Brasil?
    Antes de respondermos a questão, vamos dar uma viajada?
   Um dos maiores mitos legais que existe é que a maconha e outras drogas são legais na Holanda. Todas as drogas são ilegais nos Países Baixos. É ilegal produzir, possuir, vender, importar e exportar drogas. No entanto, o governo criou, há décadas, uma política que tolera o uso de maconha em alguns termos e condições específicos.
    Cafés podem vender apenas drogas leves e não mais que cinco gramas de maconha por pessoa por dia. A venda para menores de 18 anos é terminantemente proibida. Embora o uso ao ar livre seja proibido, ele também é "tolerado" na maioria dos locais.
    Os holandeses adotaram tal política (vista grossa) não em razão de sua vontade de liberar o uso da maconha, mas por reconhecerem que é impossível, atualmente, proibir totalmente as pessoas de usarem drogas e que, com recursos escassos, é melhor destinar os parcos recursos para combater grandes criminosos e o fornecimento de drogas pesadas. Para essas, tanto a posse quanto o comércio, o transporte e a produção são expressamente proibidos e reprimidos com eficiência – as penas chegam aos 12 anos de prisão.

 Em 2011/2012 a Holanda proibiu a venda de maconha para turistas. A medida foi criada para evitar a estratégia de traficantes de países vizinhos, como a Alemanha e a Bélgica, que compram grandes quantidades de maconha na Holanda para depois vender do outro lado da fronteira, causando problemas diplomáticos e de criminalidade nas regiões de divisa.

Outro grande mito legal acerca da maconha reside na Jamaica de Bob Marley. Lá é ilegal uso, cultivo ou venda de maconha. Mas, se folha de maconha for, algum dia, incorporada a alguma bandeira, será na bandeira nacional da Jamaica.
Em termos legais para uso estritamente medicinal, os maiores expoentes são Canadá e Israel. Em ambos países, o uso diverso do medicinal continua sendo crime.
O Canadá foi o primeiro país a permitir o uso da maconha para fins medicinais. Os canadenses podem cultivar maconha e consumir a erva se tiverem receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo. Importa referir que o Canadá tem uma das melhores políticas e indicadores de saúde do mundo.
O fato de Israel ter o Estado fundido à sua religião dominante (Judaísmo) nos surpreende quando lembramos que nele a maconha para fins medicinais foi permitida há 22 anos (1993). Atualmente, trata-se de uma das mais avançadas legislações acerca do uso medicinal da maconha, o qual compreende o tratamento de milhares de doenças.


Relativamente à descriminalização, a península ibérica nos traz as legislações curiosas, mas inovadoras.
Em Portugal, a partir de 2001 ninguém mais pode ser preso pelo uso de drogas. Contudo, inovou ao estabelecer uma diferença quantitativa para definir o que é uso e o que é tráfico, contrariamente do que faz o Brasil que, em razão da semelhança entre os diversos verbos que definem o que é tráfico e o que é uso, bem como da subjetividade do magistrado ao apreciar o caso concreto, a distinção entre consumo e tráfico é um caos.
Os nossos colonizadores estabeleceram que a posse de até 25 gramas de maconha será considerado posse para consumo e, a partir disso, será considerado tráfico.
Já os espanhóis, um povo notoriamente caliente e festivo, resolveram criar uma espécie de “clubinho” da maconha. Na Espanha, existem associações em que os associados podem retirar 20 gramas de maconha por semana. A condição é que a associação não tenha fins lucrativos, que os associados sejam maiores de 18 anos, já usuários da erva e que, ainda, tenham sido indicados por outro associado. VIP. O intuito das associações é retirar a fonte de lucro das mãos dos traficantes.
Proporcionalmente, o continente com o maior número de países em que a maconha é descriminalizada é a América. Contribuem mais significativamente para a constatação os países da América Latina, como Argentina, Peru, México, Colômbia e o liberal Uruguai. Seria uma herança remota dos colonizadores?
O mais novo maconheiro é o Uruguai. Considerado o fundador da legalização da maconha, a ex-República da Cisplatina legalizou a maconha em dezembro de 2013. Lá, qualquer pessoa maior de 18 anos pode adquirir até 40 gramas da erva por mês do próprio governo. As pessoas podem plantar até seis mudas da planta por ano e o comércio até 99.
Se você, brasileiro, está pensando em ir dar uma voltinha no Uruguai para “comprar uns alfajores”, pode esquecer. A lei Uruguaia é só para maconheiros uruguaios, não se aplica aos estrangeiros.
O que considero mais importante da Lei Uruguaia não é a legalização em si, mas o fato de ter criado um mercado fechado e controlado pelo Estado. Além disso, o preço deverá ser módico e tabelado para evitar a concorrência entre fornecedores.
E no Brasil-sil-sil? Como é tratada a maconha?
Vou dar uma pista do caos. Vejam-se os artigos Lei nº 11.343/2006 que tratam do consumo próprio e do tráfico:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: 

I - advertência sobre os efeitos das drogas; 

II - prestação de serviços à comunidade; 

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. 

§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

         O que é consumo pessoal? Posso consumir 2 quilos? Ah, tanto faz, a pena não é significativa. Não bastasse a confusão acima, a Lei continua:


Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: 

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

         Opa! Agora a coisa ficou séria. Crime? 5 a 15 anos? Mas eu não podia guardar? Ou, como consumir a maconha sem trazer comigo? Em suma, no Brasil, consumir maconha é crime, mas, na prática não há pena. A dificuldade está em distinguir o que é consumo próprio e tráfico. De fato, os juristas não sabem se o uso de drogas é crime ou não no Brasil. Não há lei determinando a "descriminalização" do usuário, mas, segundo o Código Penal, crime é aquilo "a que a lei comina pena de reclusão ou detenção". Portanto, é crime, mas não é.
Infelizmente, o legislador brasileiro, na maioria das vezes, não tem a mínima ideia do que faz. Costumo dizer que o maior problema do Brasil são seus legisladores. Mas, como dizer isso sem atentar contra o próprio povo brasileiro se foram os próprios que elegeram aqueles como seus representantes, democraticamente? Enfim, isso é outro papo.
         Acredito que a descriminalização das drogas em geral é, mais que política criminal, política de saúde pública e, assim sendo – problema de saúde pública -  não deve ser considerada crime.
Se a Holanda, país de primeiro mundo com elevadíssimos níveis de educação, saúde e economia, resolve fazer vista grossa para a maconha e drogas leves para focar seus “escassos” recursos no crimes mais graves, com toda a certeza que poderíamos adotar esse pragmatismo, pois crimes graves temos a escolher e exportar. Com toda a certeza a política de guerra às drogas é um fracasso. Punir um usuário – doente – e aprisiona-lo é, quase que invariavelmente, transformá-lo de usuário de drogas em criminoso. Em outras palavras, fazer com que o usuário deixe de provocar danos somente a si próprio e passe a provocar danos a terceiros.
Bom, mas e aí? Devemos legalizar? Sinceramente, não sei (até eu me decepcionei com a resposta). Isso depende do projeto de Brasil que cada um de nós está disposto a endossar através de seus representantes democraticamente eleitos.
Ilude-se quem acredita que legalizar a maconha acabaria com o tráfico da erva. Mesmo em países que há tolerância como na Holanda, o tráfico existe. Você acha que o usuário de maconha compraria seu baseado na smatshop do bairro, com todo o custo Brasil embutido, em especial nossos tributos galopantes, ou compraria do traficante a 1/5 do preço, senão mais barato? Talvez o pessoal que frequenta as baladas VIPs da moda paguem, mas no geral, acho muito difícil. Por outro lado, abriríamos um mercado de milhões de reais, o qual gerariam tributos e alguns empregos.
Por fim, temos que considerar que os mais recentes estudos das universidades mais prestigiadas do mundo refere que a maconha causa, sim, efeitos neurológicos cognitivos muito ruins, bem como que a maconha fumada no baseado usual traz consigo efeitos semelhantes aos do cigarro.
         Se esse for o ponto chave para a legalização ou não da maconha, acredito que a decisão cabe a cada um de nós, pois somos os senhores do nosso próprio corpo e dele fazemos o que quisermos, desde que o SUS não arque com o custo, claro. O que há de ser mensurado, nesse sentido, são os efeitos que o consumo das drogas causam a terceiros, ou seja, o dano social. Logo, os efeitos da maconha não nos trariam muitos problemas, exceto nos casos em que as habilidades motoras e as faculdades mentais do indivíduo necessitem estar preservadas, como na condução de automóveis. Nesse caso, considero que, se legalizada e ou descriminalizada, deva ter tratamento semelhante aos condutores sob efeito de álcool: tolerância zero, crime.
         Por óbvio, para a legalização precisamos de legisladores muito melhores daqueles que editaram a atual Lei de Políticas Públicas sobre Drogas (Lei 11.343), porque tenho sérias dúvidas se há vida inteligente fora da terra no Congresso Nacional.
Eis aqui um infográfico muito legal, mas não tanto, legalmente falando (isso chega a ser um trocadilho?):

PS: Se você pensa que o Uruguai é o país em que a maconha é a mais liberada, é porque você não pensou em Bangladesh. País minúsculo com muita gente apinhada (1.002 hab./km²), lá a erva é tradicionalmente consumida e simplesmente não há legislação sobre a maconha. É e sempre foi como comprar chá de boldo no mercado: banal."

Para finalizar este post, gostaria de comentar que a mudança no tratamento legal do usuário permitiu, em muitos países, uma diferença nas abordagens e campanhas de conscientização. Vejam que interessante os comerciais abaixo que, a exemplo do que acontece com campanhas de conscientização dos riscos da embriaguez e do fumo de tabaco, agora são destinadas a conscientizar sobre os possíveis reflexos na atenção de usuários de maconha:




  Muitos países estão alterando a sua política de drogas. Assim, logo poderemos ter mais dados concretos dos impactos desta mudança de perspectiva nas sociedades. E você, o que acha desta mudança de perspectiva? Para você, um toxicodependente é um criminoso ou deve ser tratado como doente? E concretamente no caso da maconha, devemos mudar o tratamento legal baseado na premissa de ser uma droga leve e bastante utilizada ou não existem drogas leves?

  Para uma abordagem sociológica, recomendo a leitura deste post, onde o sociólogo Ivan Dourado fala sobre este tema. E quinta-feira, 12 de março de 2015, entra no ar o post sobre os aspectos toxicológicos da maconha, aqui no Paracelsus para todos.
   Também recomendo uma matéria muito interessante publicada na Zero Hora deste último final de semana onde há uma discussão  bem completa sobre este assunto. 
   

quarta-feira, 4 de março de 2015

O cigarro eletrônico e o narguilé: amigos ou vilões da toxicodependência em tabaco?

   Todo mundo sabe que fumar tabaco faz mal para a saúde. Não há debates sobre isso. Basta comparar a capacidade de expansão de um pulmão de fumante ao receber oxigênio e de um ser humano não fumante que é fácil perceber o porquê as pessoas que fumam tem uma menor resistência.



   Há algum tempo a legislação tem sido cada vez mais restritiva com os fumantes. Isto, ao meu ver, é um grande avanço para a saúde pública, pois sabemos que o fumante passivo, que recebe a corrente secundária, tem grandes prejuízos ao se expor a uma fumaça sem filtro e involuntariamente. Porém, para os fumantes, ficar sem fumar é uma verdadeira tortura. E neste contexto, surgiram os e-cigarettes, ou cigarros eletrônicos.

  O que é um cigarro eletrônico?
  É um vaporizador eletrônico que funciona com uma bateria e promove uma sensação muito semelhante ao cigarro convencional. Estes cigarros possuem um atomizador que produz um aerossol (frequentemente descrito como vapor) através do aquecimento. Alimenta-se o cigarro eletrônico com o e-líquido, que frequentemente é composto por uma mistura de propilenoglicol e glicerina, podendo ou não conter nicotina. Como este cigarro não produz aquela fumaça mal cheirosa, o seu uso é permitido em aviões, por exemplo. No Brasil, em 2009, a ANVISA, através da RDC 46, proibiu a comercialização destes dispositivos. Ainda assim, por aqui ele já tem uma certa popularidade, sendo adquirido via importação.


Assim são os e-cigarettes por dentro. Possuem um recipiente onde coloca-se o e-líquido, um atomizador que vaporiza o e-líquido ao aquecê-lo, uma bateria e pode ter uma luz de led que imita um cigarro aceso (fica meio bizarro!).


Este é um e-cig de primeira geração. Ele é muito parecido com um cigarro convencional, e na ponta pode ter uma luzinha que acende conforme a pessoa traga.


Este é um e-cig de segunda geração. Podem ser coloridos, nas mais diversas cores.

   Quando este cigarro surgiu, foi criado por um cientista chinês que perdeu o seu pai para o câncer de pulmão. De fato estes cigarros surgiram com um apelo de serem seguros (afinal não apresentam liberação de monóxido de carbono e nem resíduos de alcatrão). Alguns cientistas defendem que são uma boa alternativa para as pessoas que gostariam de deixar de fumar. Esta corrente alega que eles devem ser prescritos nestas situações e explorados como um método importante na saúde pública, na política de redução de danos. Afinal, além da dependência química da nicotina, o hábito social de fumar é algo que não pode ser negligenciado. Utilizando um e-cig, pode-se reduzir gradualmente a quantidade de nicotina presente no e-líquido, e até mesmo fumar cigarros sem nicotina, mantendo o hábito social do "fumar". Além disso, ele perturba muito menos as pessoas que não gostam da fumaça (por experiência própria! Odeio cheiro de cigarro e não me importo com o e-cig). 

   Mas e aí, o e-cig é seguro ou não é?

- De fato, até o momento, as evidências mostram que o e-cigarette é mais seguro do que os cigarros convencionais. Por que? Há uma frase que explica isso muito bem: "as pessoas fumam nicotina, mas morrem de alcatrão." Embora a nicotina tenha um perfil toxicológico bem conhecido (aumento da frequência cardíaca, vasoconstrição e consequente aumento da pressão arterial), a maior toxicidade do tabaco é associada ao alcatrão e outras toxinas presentes no cigarro convencional, ausentes no e-cig.
   Então, atualmente, o debate é se estes cigarros devem ser explorados ou proibidos. Em 2014, a FDA se manifestou dizendo que como ainda não se conhece a toxicidade a longo prazo desta modalidade de cigarros, é preciso ter cautela. Por isso, embora se reconheça que trocar um cigarro convencional por um e-cig pode ser um avanço, é preciso regulamentar o seu uso. Ou seja, até o momento, temos algumas evidências mostrando que eles são mais seguros do que os cigarros comuns. Porém, não conhecemos os seus efeitos a longo prazo pois a inalação de propilenoglicol e glicerina com este padrão (doses, frequência e tempo) é relativamente nova. 
 Quando questionado sobre os e-cig, Stanton Glantz, do departamento de controle tabágico da Universidade da Califórnia disse (tradução livre feita por mim):


"Sim, os níveis de exposição a substâncias tóxicas que um e-cig gera são menores, mas existem vários compostos carcinogênicos sendo identificados e nós ainda não identificamos todos os compostos presentes nestas formulações.  Eu não compro o argumento de adotar uma política de redução de danos com os tabagistas utilizando e-cig. Se você tem uma sala com muitas pessoas utilizando e-cigarettes, você ainda estará sendo exposto a um vapor poluente. Comparado com o ambiente gerado pelo cigarro tradicional, o ambiente não é tão ruim. Comparado com o ar limpo, é." 

   Um fator importante a ser considerado neste debate é que a popularidade dos e-cigarettes aumentou o seu consumo também entre adolescentes. E nestes casos, vale lembrar que e-líquidos contendo nicotina também apresentam potencial de dependência, especialmente complicada nesta fase da vida. 
    No ano passado, houve um grande aumento dos registros de problemas relacionados aos e-cig  nos centros de informações toxicológicas americanos. Noventa e cinco por cento destas ocorrências envolvem crianças maiores que 5 anos. Cinquenta e oito por cento das ocorrências são devido a efeitos adversos dos cigarros eletrônicos, geralmente relatados como vômito, náusea e irritação ocular. Houve ainda um caso registrado de suicídio após a injeção intravenosa do e-líquido (caso extremo e intencional)
   A adição de essências com sabores de menta, framboesa, etc, nos cigarros contribui para o aumento da popularidade entre crianças e adolescentes  uma vez que é um apelo muito forte para o paladar infantil/adolescente.

                                         E aí entra o narguilé (da figura ao lado).


Este é um dispositivo originário da Índia e utilizado para fumar uma mistura de tabaco com essências flavorizantes, que é aquecido. Antes de ser inalada, a fumaça passa por um filtro de água e por isso é erroneamente considerado mais seguro. A água não tem capacidade de "filtrar" os compostos tóxicos e cancerígenos do tabaco.  Considerando que uma rodada de narguilé tem um tempo de duração muito maior que fumar um cigarro, a exposição também é maior através deste dispositivo. Pior ainda: como geralmente os compostos utilizados como fonte de aquecimento são derivados de carvão/madeira/brasa, o monóxido de carbono e outros sub-produtos tóxicos são gerados neste processo.
  



   Então, a ANVISA suspendeu a venda de pedras aromatizadas para fumar narguilé devido a estes argumentos e ao forte apelo aos jovens. O aroma agradável mascara a quantidade de toxinas que estão sendo inaladas.


  Campanha do Ministério da Saúde, visando esclarecer os riscos do narguilé.