quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O que Nick Diaz, Anderson Silva e Jon Jones tem em comum? Um teste positivo de doping em 2015

  Esta madrugada, foi revelado o suposto caso de doping (aguardamos o resultado da contraprova) do atleta  Anderson Silva. Os resultados se referem ao teste realizado em 9 de janeiro de 2015. No último sábado, Anderson Silva retornou ao UFC vencendo por unanimidade após 5 rounds contra Nick Diaz (que aliás também testou positivo para maconha). Esta luta marcaria a volta por cima de Anderson Silva após a derrota para Chris Weidman em Dezembro de 2013, onde o Spider tentava recuperar o seu cinturão e de onde saiu diretamente para a sala de cirurgia. 
     Anderson Silva sempre foi visto como um exemplo de atleta. Possui um legado impressionante. Em fevereiro de 2011, ele se consagrou contra Vitor Belfort. O chute no primeiro round colocou fim a uma luta muito esperada e para mim (que não sou especialista no esporte mas uma grande entusiasta) a mais marcante. O estilo de luta agressivo, com bastante movimentação, criativo e surpreendente lhe garantiram o maior tempo de invencibilidade da história do UFC (até o momento). Fora do octógono, Anderson sempre foi um atleta boa praça, moço família, o clássico esterótipo do brasileiro vencedor, exemplo para uma geração. A alcunha escolhida por Anderson, "The Spider" faz alusão ao "super-herói com contas para pagar", como o próprio atleta gostava de dizer. Tudo isso o tornou uma celebridade.


Um grande momento de Anderson Silva, não tão feliz para Vitor Belfort.

   Anderson foi o atleta que mais vezes defendeu o cinturão de campeão. Mas, como tudo na vida tem um fim, em julho de 2013, nosso campeão perdeu o seu cinturão para Weidman. Na revanche, fraturou a perna. Muito se especulou se este seria o fim da carreira de Anderson no UFC. Quando anunciaram que Anderson voltaria a lutar, achei digno de um campeão. Na minha opinião, acho que seria uma luta de retorno apenas para marcar a "volta por cima". Para calar o senso comum que diz que atleta depois que se fratura, nunca mais é o mesmo... Acredito que depois disso, Anderson pararia de lutar pois esta é uma solicitação da sua família e ele completa 40 anos este ano... (apenas especulando).
 
   Mas este não é um blog sobre esporte e infelizmente Anderson aparece aqui não pelos seus feitos impressionantes, mas pelo seu positivo no doping. As substâncias acusadas foram Drostanolona e Androstana, esteroides anabolizantes proibidos para atletas de competição pela World Antidoping Agency (WADA) e no UFC. 
    Os esteroides anabolizantes apresentam efeitos androgênicos. A principal motivação para o seu uso é o aumento da massa muscular e diminuição da gordura no corpo. Por isso, são bastante procurados por fisioculturistas, pois o resultado pode ser um músculo mais marcado. Como estes compostos também aumentam o número de fibras musculares, teoricamente aumentam a força. Mas em atletas de alta competição este aumento provavelmente não é definitivo para a performance, até porque este efeito está sujeito a vários outros condicionantes, como alimentação, treinamento, etc... Apresentam efeito anticatabólico, inibindo a atrofia de músculos esqueléticos, reduzindo o tempo de recuperação das fibras fatigadas pelos treinamentos. Também aumentam a síntese de colágeno, formação de trifosfato de inositol e diacilglicerol pelos osteoblastos, aumentando a densidade mineral óssea. Estes efeitos podem significar uma vantagem para um atleta que precisa de um ritmo pesado de treinamentos. Os efeitos no metabolismo ósseo também são explorados em doenças ósseas como a osteoporose, por exemplo. 

  A inclusão dos canabinoides derivados da maconha na lista da WADA é bastante controversa porque o seu consumo não melhora diretamente o desempenho do atleta. Os argumentos que fazem com que eles continuem na lista é que o seu uso poderia favorecer o controle da ansiedade, produzindo um relaxamento. Alguns estudos demonstraram que o uso contínuo da maconha pode diminuir o tempo de reação prejudicando o desempenho e a motivação no esporte. De qualquer forma, na minha opinião, como a maconha é proibida na maioria dos países e os atletas são vistos como modelo, é esta justificativa social o maior motivo para ela se manter como doping.
  
  Enfim, o ano de 2015 recém começou e já é o segundo caso de um grande campeão envolvido em doping. Jon Jones também testou positivo, no caso dele a substância utilizada foi cocaína. A utilização da cocaína no esporte pode ser utilizada com fins estimulantes ou mesmo recreacional.
  
  Hoje, o lutador Luis Besouro, ao saber do doping de Anderson Silva, declarou que "quase ninguém está limpo.Em um estudo realizado por Bamberger e Yeager em 1997, quando questionados se consumiriam uma droga ilegal que lhe garantissem uma medalha olímpica, mais de 90% dos atletas entrevistados responderam que sim, se tivessem a certeza de que não seriam descobertos. E 52% disseram que consumiriam mesmo que os efeitos do doping fossem letais em um período de 5 anos. 
     Outro estudo que sempre comento quando falo de doping é um estudo em que foi comparada a performance de atletas de levantamento de peso. Mediu-se a performance ao longo do período de treinamento de 7 semanas. E depois, foi fornecido um placebo (composto sem efeito nenhum) para atletas desta modalidade e foi informado aos mesmos que a medicação melhoraria a sua performance. Olhem os resultados:



   Mesmo sem ter qualquer efeito, os efeitos subjetivos do placebo determinaram uma melhor performance. A psicologia explica...

   Isto tudo significa que esta discussão precisa ganhar mais espaço. Para mim, esporte é saúde. É superação. É brigar de igual para igual com o seu oponente. Os atletas estão submetidos a um código de ética e todos conhecem a lista da WADA. Atestar desconhecimento não cola. Portanto, ao infringir este código, estão sendo desonestos. Mas além da desonestidade e da deslealdade, se for permitido sacrificar a saúde em busca dos melhores resultados, na minha opinião, perde todo o sentido.
   Vários atletas fantásticos colocaram em cheque suas carreiras brilhantes por causa do doping. Depois de um resultado como este, o que fica marcado é a falha. A falha humana de ser derrotado em combate não é tão amarga como a falha de jogar sujo. O jogo sujo nos faz questionar todos os bons resultados anteriores...


  Termino este post com as palavras do próprio Anderson Silva, que ironicamente sintetiza o que eu penso sobre o doping no esporte: 


“Quando um atleta testa positivo para esteroides, ele não deve mais lutar. Quando você usa esteroides, você usa por um longo período. Quando você usa por um longo período, você tem um problema. É droga e isso não é bom para o esporte.“
                                      Anderson Silva, outubro de 2014


Blog Paracelsus para todos adverte: o uso de esteroides anabolizantes pode ter consequências como:

- Hepatotoxicidade (de hepatite a neoplasias)

- Disfunções sexuais: em homens, o abuso destas substâncias leva à diminuição da síntese de testosterona e, consequentemente, queda na libido, impotência, secreção insuficiente de esperma e atrofia testicular. Em mulheres, ocorre masculinização (engrossamento da voz, supressão da menstruação, diminuição do tamanho dos seios [mas elas revertem com silicone], crescimento nos pelos do corpo e calvície típica do sexo masculino).

- Hipertensão e alterações cardíacas

- Maior deposição de cálcio nas articulações

- Cálculos renais

- Irritabilidade e agressividade


4 comentários:

  1. Muito bom! Agora, Anderson está contestando os resultados, e é seu direito pedir uma contra-prova, porém, penso que os laboratórios responsáveis por essas análises possuem métodos confiáveis e sobretudo sensíveis, e não colocariam a carreira de um atleta em risco por um equívoco. E essa declaração do Luis Besouro contradiz tudo que o esporte representa: saúde, superação, qualidade de vida. Lamentável!

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  2. Vamos aguardar a contraprova. Existem sim vários cuidados que precisam ser observados na execução das técnicas analíticas para testes de doping, tanto na execução laboratorial quanto na interpretação do resultado. São das análises mais complicadinhas de fazer. Mas concordo com você, é uma probabilidade muito pequena que seja um erro do laboratório... Dificilmente um laboratório do porte dos utilizados para fazer estes testes erraria assim... E a divulgação oficial só deve ter sido feita depois de afastados certos possíveis equívocos. Mas esta é sempre a desculpa dos atletas. Outra muito comum é dizer que houve troca de amostras. É uma pena para o esporte! Também me assusta a gravidade da declaração do Luis Besouro e o pensamento de conseguir uma medalha/cinturão/o que for a qualquer custo, mesmo ao custo da saúde. Naquele estudo citado no post eles respondem claramente que a medalha olímpica vale mais que a saúde.

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  3. Existe muita hipocrisia quando o assunto é doping, obviamente para o os “moralista” que enchem o c...de pinga, fumam até as tampas e se entopem de remédios para o fígado, dor de cabeça, para dormir e etc o Anderson é um criminoso, para quem é atleta e treina todos os dias e pratica algum tipo de arte marcial o Anderson é só mais um q foi pego. Não tem como treinar em um esporte de alto impacto sem utilizar algum farmáco que seja.Nós os mortais treinamos luta 3 vezes por semana e musculação 5 , já parece que um caminhão passou por cima. Um atleta de alto rendimento não iria conseguir treinar todos os dias, sem uso de qualquer tipo de anti-catabolico, anti-inflamatório ou uma série de outras substancias listada pela WADA. A mídia no geral faz o seu sensacionalismo puro e barato, já que grande parte do seu público são os moralistas citados acima, a mídia especializada aguarda os fatos serem concretizados para tecer comentários e eu só observo não sendo hipócrita nem falso moralista. Regras são regras, tem q ser seguidas, existe toda uma equipe por trás do lutador, e principalmente um médico especializado (Dr Tanure) para não deixar essas gafes acontecerem. Porém quando o assunto é doping, sempre acaba em UM só culpado por trás de vários responsáveis.

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  4. Obrigada pelo seu comentário, Danyel, é muito bom ter estes contrapontos. Eu concordo com você que muitas vezes há um falso moralismo e também condeno estas atitudes que você mencionou sobre o uso abusivo de várias substâncias legais. Eu sou profissional da saúde e como tal defendo o uso racional de qualquer medicamento porque faz parte da minha formação. Também entendo a pressão dos treinamentos mas acho que se existe uma convenção e uma lista de substâncias proibidas, esta proibição é para todos. É como você disse: regras são regras e precisam ser seguidas. Pois a essência do esporte é competir em igualdade de condições. Não tenho intenção de fazer nenhum moralismo, as decisões de vida de cada um competem apenas ao indivíduo, que deve lidar com as consequências. Afinal, a minha vida não muda em nada, não é? Uma coisa que você falou é importante: temos que esperar os fatos serem concretizados, por isso começo o post com esta observação. Mas como sou professora da disciplina de Análises Toxicológicas e o blog surgiu por causa disso, a minha intenção com ele não é ser hipócrita, condenar o atleta e nem vender acessos. É apenas despertar o interesse dos meus alunos sobre os conteúdos que eu preciso abordar com eles. Então aproveitei o assunto da semana para falar sobre toxicologia contextualizada no mundo que vivemos. E realmente, existe toda uma equipe por trás do lutador, fazendo todo este planejamento. Algo falhou? Enfim, vale a discussão!

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