sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Qual é a droga mais perigosa do mundo?

   Frequentemente me questionam qual é a droga mais perigosa ou a que causa mais danos. Esta pergunta não tem resposta, ou admite múltiplas respostas, pois qualquer comparação direta entre as drogas é de uma certa forma injusta.  Às vezes penso que qualquer droga pode vencer a disputa, basta escolher o critério certo para isso. Qual critério vamos usar? A mais destrutiva em doses menores? A que causa o maior dano social? A mais viciante? A que causa a síndrome de abstinência mais forte?

   Mas, mesmo com estas abstrações, muitos já tentaram responder a esta pergunta.

  Recentemente, uma pesquisa comparou várias drogas utilizando como critérios o potencial de lesar o próprio usuário e os outros indivíduos que convivem com ele. Os resultados foram organizados na figura abaixo:



   Em cinza claro, encontra-se uma pontuação para o potencial que cada droga tem de causar danos para o próprio indivíduo. Em roxo, encontra-se o score atribuído para o potencial dano aos outros e em cinza escuro, a pontuação total que cada droga atingiu. Analisando esta figura, conclui-se que o álcool foi considerado a droga mais nociva, seguido pela heroína quase empatada com o crack,  seguido pelo tabaco e a maconha em último lugar.
   Ainda considerando este trabalho, observa-se que considerando apenas os resultados do potencial dano ao usuário, o álcool (pontuação de 26) e a heroína (pontuação de 21) não ficam tão distantes, e no entanto a tolerância social para estas duas drogas difere substancialmente. Estudos mostram que o consumo problemático de álcool é o maior fator de risco para morte de indivíduos do sexo masculino abaixo de 60 anos.  Já os danos causados ao usuário de tabaco e maconha apresentaram uma pontuação bastante próxima. O critério definitivo para posicionar o álcool em primeiro lugar é o potencial de causar danos aos outros indivíduos, onde este composto apresenta um valor (46) muito mais elevado do que a pontuação das demais drogas. É fácil entender o porquê. O álcool é uma droga socialmente aceita (e às vezes incentivada), logo o seu consumo é maior do que as demais e consequentemente também são mais frequentes as ocorrências associadas a agressões, violência e acidentes de trânsito envolvendo o álcool. Esta situação é bastante grave e infelizmente recorrente com pessoas que tem problemas relacionadas ao consumo do álcool. Esta problemática já foi abordado no blog aqui, onde você encontra dois testes para verificar o seu perfil de consumo de álcool. Neste estudo, drogas consideradas pesadas como o crack e a heroína apresentam um potencial de lesar aos outros muito similar. Das drogas estudadas representadas no gráfico acima, o tabaco e a maconha são as menos lesivas a terceiros, como seria de se esperar.

  Analisando ainda outras drogas pelos mesmos critérios, tem-se esta figura, que é um pouco mais complexa:



Da mesma forma, nesta figura, em laranja representa-se o dano aos outros e em azul, o dano ao usuário. O score total é o número em cima das barras. Um score de 100 significa totalmente lesivo e um score de 0, ausência de danos.

   Recentemente, houve um curso sobre Psicofármacos na UPF. Nesta oportunidade, foi mostrado alguns gráficos que agora divido com vocês. Como não sei qual é a fonte deste estudo e os mesmos chegaram até mim através do material do curso, ainda assim:

   Qual é a droga com maior risco de causar overdose?



   O gráfico acima apresenta o risco de causar uma overdose versus dose. Podemos verificar que a maconha (linha verde) e o tabaco (linha azul) apresentam o menor risco de causar uma overdose, ainda que em quantidades altas. O álcool (linha amarela), apresenta um potencial um pouco maior de causar overdose quando comparado aos anteriores. As drogas com maior risco de overdose são a cocaína (vermelho) e as drogas sintéticas como as anfetaminas e o ecstasy (branco), onde observa-se que mesmo em doses relativamente baixas, existe um maior risco. 
   É claro que este gráfico simplifica um pouco toda a farmacologia por trás da drogadição, pois em um indivíduo consumidor crônico de cocaína que já está tolerante aos seus efeitos, a dose necessária para causar uma overdose pode ser muito mais elevada do que em um indivíduo que está consumindo pela primeira vez. Mas vale pelo exercício de pensar sobre o assunto!

   Consequências orgânicas pelo uso crônico:



   Neste gráfico podemos ver as consequências orgânicas para o usuário após um consumo crônico em meses e anos. Observa-se que neste critério, o consumo de álcool (linha amarela) é o que atinge as maiores consequências negativas ao longo dos meses e anos de consumo. O consumo crônico de tabaco (em azul) também apresenta um alto índice de consequências orgânicas negativas e atinge este patamar provavelmente devido aos casos de câncer associados a este hábito. As drogas sintéticas (em branco) são as que desencadeiam danos no organismo mais rapidamente (não é preciso consumir por muito tempo para ter consequências negativas). Por este gráfico, as consequências orgânicas do consumo crônico da maconha tornam-se mais significativas com o tempo de consumo, provavelmente relacionadas à problemas de memória. Surpreendentemente este gráfico coloca que se você consumir cocaína por 10 anos, as consequências orgânicas serão menores do que o mesmo tempo consumindo maconha. ??? Confesso que este gráfico foi o que eu achei mais controverso! Não concordo muito com ele, mas trouxe mesmo assim para colocar em discussão. Como eu não estava presente no momento em que este gráfico foi abordado, peço ajuda aos universitários se puderem explicar estes dados! :)

   Ainda esta semana foi divulgado outro trabalho em que várias drogas foram comparadas segundo a probabilidade de causar a morte em humanos, levando em conta a relação entre dose frequentemente consumida e a dose possível de causar uma overdose (você pode ter visto um link referente a este estudo no facebook). A conclusão é que a maconha apresenta um baixo risco de mortalidade. Isto pode ser comprovado empiricamente, pois muitas pessoas fazem uso desta droga, e no entanto, nunca conheci alguém que soubesse de algum caso de morte por overdose. Já o álcool foi a única droga classificada como substância que possui um alto risco de overdose, enquanto a cocaína, heroína e nicotina são substâncias que apresentam algum risco de overdose (mas não tão alto como o álcool). Como assim? Esse resultado não soa estranho para você? Para mim também. Mas desta vez eu sei explicar o porquê deste resultado:
    Imagine um indivíduo que apresenta um alto consumo de heroína e outro que consome o álcool de maneira igualmente abusiva. O risco de morrer de uma overdose de heroína ou de cirrose alcoólica é bastante elevado nos dois casos, individualmente. Mas este estudo utiliza uma base epidemiológica. Ou seja, considera a distribuição de um determinado fenômeno em uma população. Então, por esta lógica, se analisarmos a nossa sociedade como um todo, o risco de um indivíduo morrer por problemas relacionados ao abuso de álcool é muito maior do que overdose de heroína. Ou seja, embora a heroína seja uma droga com consequências orgânicas muito pesadas, existem muito mais pessoas que abusam do álcool e com uma frequência muito maior do que pessoas que utilizam heroína. Para entender melhor, pense na sua realidade: arrisco dizer que você conhece pelo menos uma pessoa (que espero que não seja você mesma) que já entrou em coma alcoólico ou precisou receber glicose após uma bebedeira. No entanto, aposto que a maioria das pessoas que conhecem alguém que se enquadra nessa categoria não conhece ninguém que passou por uma situação de overdose ou quase-overdose de heroína (e substitua heroína por cocaína, que é mais comum na nossa região).

   E por fim, um gráfico correlacionando dano físico e o potencial de causar dependência.


   
  Por este gráfico, quanto mais próximo de 3, maior o dano físico ou o potencial de causar dependência. 

   Então, como hoje inicia a disciplina de Análises Toxicológicas para o Curso de Farmácia, convido a todos e em especial os alunos desta turma para compartilhar comigo:
   -Qual é, na sua opinião, a droga mais perigosa? Por que?
 -Como você acha que devem ser as políticas públicas de tratamento para drogas lícitas e ilícitas?

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

E se pudéssemos começar tudo outra vez?

Para aqueles que estão chegando...


 Hoje é um dia muito especial! Vou ministrar a minha primeira aula para os bixos 2015 do Curso de Farmácia da UPF. Por isso, peço licença para fazer um post especial para eles. 

 Primeiramente, sejam bem vindos a nossa Universidade! Desde muito novos vocês são questionados sobre o que gostariam de fazer quando crescessem. Hoje, vocês deram um grande passo para responder esta pergunta: se tornarão farmacêuticos! Serão 5 longos anos que passarão em um segundo... Vocês viverão a euforia das novidades, farão grandes amizades, festas, aprenderão a lidar com algumas frustrações e tudo isso os fará crescer muito. Muitos descrevem este tempo como o melhor das suas vidas, tamanha importância que este período tem. Na verdade, isso dependerá das suas escolhas e do seu empenho. Mas com certeza, grandes oportunidades estarão disponíveis! Aproveitem-nas!
   Vocês optaram por uma Universidade que tem como missão "formar pessoas para transformar o mundo". Por isso, não sejam sujeitos passivos do seus contextos: aprendam e apliquem o que aprenderem para melhorar o mundo ao seu redor.  Contem sempre conosco, seus professores. Tenham a certeza que queremos contribuir para o seu aprendizado da melhor forma que soubermos e vocês nos permitirem!

  Pouco tempo atrás, no dia 20 de janeiro de 2015, tivemos a alegria de formar mais uma turma de farmacêuticos. A emoção do dia da formatura faz com que olhemos para trás e pensemos no início desta caminhada. O que faríamos diferente se começássemos novamente? Por isso, convoquei alguns ex-alunos para enviar "uma mensagem do futuro" para vocês:


"Sejam bem-vindos nesta trajetória! Tenhas certeza que escolheu um curso deslumbrante o qual não se arrependerás, mas infelizmente como nada é perfeito, aqui não será diferente vai encontrar dificuldades ao longo do percurso, mas seja firme não se assuste! Tenho algumas sugestões para ajudar em seu desempenho nestes cinco anos de graduação... entregue os trabalhos em dia (não deixe para a última hora, talvez não consiga realizá-los); jamais realize provas de recuperação (nunca fiz e não me arrependo); aproveite as oportunidades que o curso e a instituição proporcionam, participe de cursos, palestras, congressos... além dos projetos de pesquisa e extensão; seja voluntário; e outro excelente aprendizado é participar como membro da Empresa Júnior de Farmácia. Enfim, apesar de achar que a profissão ainda não tem o seu devido reconhecimento, tenho MUITO ORGULHO de ser farmacêutica e fique tranquila (o) que as oportunidades no mercado de trabalho são gigantescas!

Um grande abraço, e boa sorte!"

Leticia Rugini

"Queridos futuros farmacêuticos! Parabéns pela escolha do curso, hoje, formada, tenho certeza de que escolhi a profissão certa. Entendo agora, que os obstáculos que enfrentei durante a faculdade não estavam lá para atrapalhar e sim pra fortalecer. No início pode até parecer apavorante, principalmente as químicas (pelo menos foi pra mim), mas acreditem, passa! Estudem, façam grupos de estudos, e quando estiverem cansados, lembrem-se, que no futuro isso fará diferença, o esforço será recompensado. As disciplinas são muitos legais, interessantes e as aulas sempre trazem assuntos atuais. Os professores são incríveis, aproveitem o máximo deles, não irão se arrepender. E algumas professoras (logo vocês descobrirão quais) são encantadoras, irão fazer vocês se apaixonarem ainda mais pela profissão! Mais do que colegas, sejam amigos, isso será muito importante. Essa será uma das melhores épocas das suas vidas. Portanto, aproveitem cada minuto. Estudem, curtam, não deixem nada passar. E no fim, assim como eu, irão sentir muito orgulho e saudade. Não esqueçam: os momentos e as pessoas são únicas, as oportunidades também. Sucesso!!"
Patrícia Counteratto Costa


"Bom, se formar, com toda a certeza para mim foi a melhor coisa do mundo... É uma sensação única e indescritível. É uma mistura de dever cumprido e ao mesmo tempo de saudade! Agora, farmacêutica e  responsável técnica por uma farmácia me sinto realizada. Não totalmente pois quero e vou continuar estudando sempre, mas é muito bom! Existem enormes possibilidades de empregos, basta querer, ser dedicado e principalmente disposto a aprender! Se eu começasse hoje a faculdade novamente, faria mais estágios pois eles sempre acrescentam e nos mostram a área que nos encaixamos! Bom, resumindo... É maravilhoso ser farmacêutica, não escolheria outro curso!"
Giovana Nesello

"Queridos bixos! Sejam bem-vindos. Quero dizer que nunca me arrependi de ter escolhido o curso de Farmácia. É um curso excelente, que dá noção de praticamente tudo! Não se assustem com as químicas dos primeiros anos.. estudem, vocês vão perceber que com o passar dos semestres tudo vai se encaixando! Durante a minha graduação fiz vários estágios, geralmente nas férias, devido aos horários e esta é a mensagem principal que quero deixar: FAÇAM ESTÁGIOS! Outra coisa, guardem e valorizem os certificados que juntamos durante o curso, eles serão muito úteis em concursos, vagas para mestrado e afins e ainda, aproveitem os professores, façam perguntas, explorem, participem de pesquisas de palestras, estejam ligados sempre!! Por fim, quero dizer que com quase 2 meses de formada tive por volta de 12 propostas de emprego! Sim é verdade, uma realidade do curso de Farmácia!! Estou trabalhando como farmacêutica na Prefeitura Municipal de Pontão, são 20h semanais, optei por lá pois, estou estudando e tentando uma vaga para o mestrado. Não se contentem com pouco, queiram sempre mais, corram atrás de seus sonhos!!! Tudo de bom e aproveitem esses 5 anos ao máximo! Felicidades e sucesso na vida."
Marina Pelicioli

A Elizane enviou a sua mensagem na forma de vídeo:






      Inspirem-se que estas meninas valem ouro! :)


  Este blog é mais um espaço para aprendizagem. Aqui vocês encontrarão conteúdo diverso relacionado às ciências farmacêuticas. A sua participação é sempre bem vinda! Neste vídeo, um pouco sobre a história da profissão farmacêutica e de Paracelsus, que dá nome ao blog.






quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A triste realidade da dependência ao álcool. Verifique se você está passando do ponto!


   A dependência de álcool é um grave problema de saúde pública. Apesar de ter um quadro clínico bem estabelecido, muitas vezes o diagnóstico é difícil. Sabe-se que, frequentemente, os primeiros contatos com o álcool acontecem no início da adolescência, em contextos onde o uso abusivo é glamoroso, encorajado pelos amigos e algumas vezes pela própria família. A detecção de casos iniciais é um desafio pois medidas educativas podem evitar repercussões individuais e desfechos sociais graves.

   No contexto universitário, o ambiente de integração com a turma e a pressão dos exames e provas também favorecem o consumo abusivo do álcool. Neste sentido, a farmacêutica Marina Pelicioli, no âmbito do seu trabalho de conclusão do Curso de Farmácia, orientada pela professora Cristiane Barelli, avaliou o padrão de consumo de bebidas alcoólicas entre universitários de cursos da área de saúde. A pesquisa contou com a participação de 619 alunos que responderam  entrevistas em questionário eletrônico enviado por e-mail a cada um dos estudantes sorteados. 
  O consumo de álcool foi avaliado pelo Teste de Identificação de Distúrbio de uso do Álcool (AUDIT), um questionário validado e reconhecido internacionalmente que você também pode responder pois ele está disponível no fim do post. Os resultados desta pesquisa demonstraram que 85% destes estudantes consomem álcool. A frequência de consumo variou de 2 a 4 vezes no mês (46,9%) a 1 vez por mês (40%). O padrão de consumo do álcool avaliado como de baixo risco foi 77,1%; mas 2,7% dos estudantes apresentaram um padrão de consumo considerado nocivo e de provável dependência, predominando a ingestão de fermentados (41,1%) e destilados (23,2%).

    O dado mais alarmante foi a prática do Beber Pesado Episódico (BPE), que foi constatado em mais da metade dos estudantes (51,6%). Este dado é bastante elevado comparado a outros estudos neste tipo de população, cuja média de ocorrência gira em torno dos 20% (maiores informações sobre estes outros estudos você encontra aqui, aqui,  aqui e aqui).


  Mas afinal, o que é BPE?

  O Beber Pesado Episódico (BPE) ocorre quando há o consumo de 5 doses ou mais de bebidas alcoólicas em uma única ocasião independente da frequência de consumo. Ou seja, o estudo demonstrou que 51,6% destes universitários não consomem álcool com grande frequência, mas, quando consomem, ocorre de forma exagerada. Ainda, foi verificado que as características que mais se associaram ao consumo de álcool foram ser solteiro, do sexo masculino e frequentar festas semanalmente.


Fonte: http://comidanarede.com.br/bebidas/consequencias-abuso-alcool/


   O trabalho da Marina foi premiado duas vezes, evidenciando a relevância desta discussão. Mas e você? Como está o seu consumo de álcool? Verifique se você pode ser considerado dependente de álcool segundo os critérios da 5º Versão do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria:

Marque as alternativas vivenciadas em um período de 12 meses:

1. O álcool é consumido em maiores quantidades ou por um período maior do que o pretendido.
2. Desejo de diminuir ou interromper o uso da substância sem sucesso.
3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção da substância, na utilização ou na recuperação dos seus efeitos.
4. Fissura ou craving: um forte desejo ou urgência para usar o álcool.
5. Prejuízos importantes nas atividades ocupacionais, domésticas ou acadêmicas em virtude do uso da substância.
6. Permanência do uso apesar de ele provocar problemas nas relações pessoais.
7. Abandono de atividades sociais, ocupacionais ou recreativas para o uso de álcool.
8. Manter o uso apesar do risco associado.
9. Manter o uso apesar de ter um problema físico ou psicológico, sabidamente causado ou exacerbado pelo álcool.
10. Tolerância: necessidade de quantidades progressivamente maiores de álcool para adquirir os efeitos desejados ou acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade.
11. Abstinência: síndrome de abstinência característica ou consumo de álcool ou outra substância relacionada (como medicamento calmante) com a finalidade de aliviar ou evitar os efeitos da abstinência.

  A presença de 2 ou mais destes critérios em um período de 12 meses é suficiente para diagnosticar dependência do álcool. A classificação da gravidade é realizada da seguinte forma:
Dependência de álcool leve: 2 a 3 sintomas em um período de 12 meses
Dependência moderada: presença de 4 a 5 sintomas em um período de 12 meses
Dependência grave: presença de 6 ou mais sintomas em um período de 12 meses

  Agora o AUDIT - TESTE PARA IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL


Assinale o número corresponde a sua resposta e ao final, some todos os números assinalados.

1. Com que frequência você consome bebidas alcoólicas?
(0) Nunca [vá para as questões 9-10]
(1) Mensalmente ou menos
(2) De 2 a 4 vezes por mês
(3) De 2 a 3 vezes por semana
(4) 4 ou mais vezes por semana

2. Quantas doses alcoólicas você consome tipicamente ao beber?
(0) 0 ou 1
(1) 2 ou 3
(2) 4 ou 5
(3) 6 ou 7
(4) 8 ou mais

3. Com que frequência você consome cinco ou mais doses de uma vez?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todas os dias


*Se a soma das questões 2 e 3 for 0, avance para as questões 9 e 10


4. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você achou que não conseguiria parar de beber uma vez tendo começado?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

5. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você, por causa do álcool, não conseguiu fazer o que era esperado de você?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

6. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você precisou beber pela manhã para poder se sentir bem ao longo do dia após ter bebido bastante no dia anterior?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

7. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você se sentiu culpado ou com remorso depois de ter bebido?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

8. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você foi incapaz de lembrar o que aconteceu devido à bebida?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

9. Você já causou ferimentos ou prejuízos a você mesmo ou a outra pessoa após ter bebido?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses

10. Algum parente, amigo ou médico já se preocupou com o fato de você beber ou sugeriu que você parasse?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses


  Some todos os números assinalados e interprete segundo o quadro abaixo:

Pontuação
Padrão de consumo de álcool/
Zona de risco
0 a 7 pontos
Uso de baixo risco ou zona de risco I
8 a 15 pontos
Uso de risco ou zona de risco II
16 a 19 pontos
Uso nocivo ou zona de risco III
20 ou mais pontos
Provável dependência ou zona de risco IV


   Caso estes testes tenham revelado que você tem problemas com álcool, procure ajuda! O primeiro passo (que não é simples) é reconhecer esse fato. Existem serviços públicos especializados nesta problemática, mas conforme demonstrado logo abaixo, o comprometimento individual e o apoio familiar são cruciais para o sucesso do tratamento.

Desafios no tratamento da dependência 



  As questões do abuso de álcool e outras drogas vêm sendo um grande desafio enfrentado mundialmente, tanto no âmbito da saúde quanto no social. Nesse sentindo, o surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e drogas (CAPS ad), foram um progresso para o cuidado em saúde mental dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Este é um serviço que funciona 24 h  e é voltado para o cuidado de pessoas que enfrentam esta problemática. Caracterizam-se como articuladores estratégicos para a formação de uma rede integral de saúde mental no país. Segundo informações do próprio link disponibilizado acima, oferecem atendimento à população, realizam o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os CAPS também atendem aos usuários em seus momentos de crise, podendo oferecer acolhimento noturno por um período curto de dias.

  A dependência de drogas lícitas e ilícitas é influenciada por uma variedade de fatores, sendo assim, compreende-se que essa condição não tem um tratamento único e adequado para todos os tipos de drogas, havendo necessidade de uma combinação coerente entre ambiente, intervenções e serviços que sejam específicos para cada necessidade. Dessa forma, a terapia farmacológica é uma das vertentes de tratamento adotadas nestes centros. 

  Considerando as dificuldades inerentes a este contexto, a acadêmica do curso de Farmácia, Nicole Fernandes de Lima, orientada pela Prof. Carla Gonçalves, avaliou o nível de conhecimento dos usuários atendidos no CAPS ad de Passo Fundo, RS, sobre sua terapia medicamentosa. Foram entrevistados 40 usuários atendidos nesse serviço, 100% deles em tratamento com medicamentos. Destes, 67,5% relataram manter uso regular de substancias psicoativas, evidenciando uma situação de risco. As substâncias psicoativas mais utilizada foram o álcool (82,5%) e o tabaco (45%). Em terceiro lugar aparece o crack (22,5%), seguido pela cocaína (10%) e o por último a maconha (7,5%). O abandono do tratamento foi encontrado em cerca de metade dos entrevistados e 75% não tem adesão ao tratamento. Quanto ao conhecimento sobre sua terapia, 85% apresentaram um conhecimento classificado entre "regular" e "bom".

   Sendo assim, foi possível perceber a dificuldade de o tratamento ser realmente efetivo e eficaz, pois apesar de os usuários terem um serviço especializado disponível, o acesso ao medicamento ser facilitado e haver orientação sobre a terapia medicamentosa associada às outras vertentes de terapia, percebe-se que o uso da substância continua, o tratamento não é realizado da maneira correta e o abandono do tratamento é frequente.
   
  Por isso, finalizo este post com a seguinte questão: de que forma poderíamos melhorar a efetividade e a eficácia do tratamento para dependência?

Colaboraram para este post: farmacêutica Marina Pelicioli e acadêmica de Farmácia Nicole Fernandes de Lima. 
  

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Onde estávamos nos últimos anos? Impressões sobre o evento de exibição do documentário "Ilegal"

   Ontem tive a oportunidade de prestigiar na audiência o evento de exibição do documentário "Ilegal", em Tapejara. O evento foi idealizado pelo João Cláudio Moro e contou com as explanações técnicas do advogado Luiz Paulo Bristott e da farmacêutica (e minha ex-aluna!!) Elizane Lângaro.  Primeiramente, gostaria de cumprimentar o João pela iniciativa. Em vários momentos durante a exibição do documentário me peguei pensando no quanto é importante este tipo de ação de aproximação com a comunidade, de discussão. Foi com grande alegria que testemunhei o interesse da população de Tapejara, pois o evento conseguiu reunir cerca de 70 pessoas, o que na minha opinião é um grande sucesso! Também me chamou a atenção a heterogeneidade do público, que em sua maioria era composto por jovens, mas não restrito a esta faixa etária. Por ser uma cidade pequena, este fato me surpreendeu positivamente. É muito bom saber que as pessoas estão interessadas em desmistificar seus conceitos e preconceitos! Parabéns Tapejara, e que possamos repetir estes momentos!  A estudante de arquitetura Joana Vidal,  afirmou ter considerado o evento de extrema importância: “Não é um assunto recente mas é uma pena que esteja sendo tratado como tal. Não há maneira mais sutil e fácil de falar às pessoas do que um evento igual a este. Já que as pessoas são convidadas a participar, vão procurar e se sentem a vontade de discutir e ouvir sobre o tema. Embora muitos tenham opinião formada e, negativa, sem nem querer ouvir o assunto pois só o fato de mencionar que o canabidiol é um remédio da maconha faz com que as pessoas fiquem com o pé atrás, eventos como o de ontem ajudam essas pessoas a entender o assunto de maneira clara, verdadeira, mostrando o dia dia de pessoas que precisam e até onde chegam por causa da ignorância de um país. Chega ser repugnante toda a burocracia e o descaso por meio de autoridades, estados, governo, a maneira que essa gente se cega e atrasa uma nação. Imagina o impacto que isso causaria sendo mostrado e levado a tona nas escolas brasileiras! Deve-se preparar profissionais para passar conhecimento sobre isso. Até porque muitos pais ficariam abismados de ver seus filhos aprendendo, dentro da escola, sobre o uso medicinal da maconha, isso porque não tiveram alguém que explicasse e os preparasse para o assunto. A mentalidade antiga e o "não aceito " mesmo sem conhecer, faz com que exista tanto preconceito. O assunto deve ser abordado com pequenos eventos, que integram as pessoas, que se sintam a vontade de conhecer e formar uma opinião pelo conhecimento, e não só pela fama que a maconha leva. Agora que há documentários, encontros, discussões mostrando a realidade das famílias, o Brasil só tem a ganhar, precisam falar, divulgar, explicar, sem medo e se unir. A questão do uso da maconha medicinal vai além do que a gente imagina, não só saúde, mas o estudo que é prejudicado, as pesquisas que não podem ser feitas por motivo de burocracia, falta de informação, e descaso. Opiniões são mudadas com argumentos, estudos e força de vontade. Nós temos muito mais poder do que o governo pensa, a gente só tem que querer.”

   Se você não conhece o documentário Ilegal, segue o trailer oficial de divulgação. O filme é uma produção da revista Super Interessante juntamente com o jornalista Tarso Araujo. Recomendo que assista!!



   O documentário fala sobre a saga da importação ilegal do canabidiol, um composto extraído da maconha, pelas famílias de pacientes com doenças refratárias aos medicamentos existentes no Brasil. Em meio a muita burocracia e muita luta para serem ouvidos, as famílias passaram a traficar o composto após verificarem que o seu efeito melhorou muito as manifestações clínicas dos seus familiares. Em 2015, o canabidiol deixou de ser proibido no Brasil. No blog, a reclassificação do canabidiol pela ANVISA já foi abordado aqui
   Um dos temas debatidos foi a questão judicial envolvida na importação do Canabidiol e suas implicações legais. Segundo o advogado Luiz Paulo “Até pouco tempo atrás, as pessoas que desejavam utilizar este medicamento a base de CBD ou importavam clandestinamente e assim corriam risco de serem processadas criminalmente ou recorriam a longas e demoradas ações judiciais. Havia também a possibilidade de se conseguir a autorização administrativa diretamente com a ANVISA e sem passar pelo poder judiciário. Entretanto, a burocracia era tanta que muitas vezes o tempo de espera fazia com que as pessoas optassem pela importação direta, sem qualquer autorização, e assumiam o risco de uma ação criminal. Felizmente, o país avançou em seus regulamentos. No mês de dezembro, o conselho federal de medicina se adiantou e editou uma resolução, autorizando os médicos a receitarem o CBD, mesmo ele sendo considerado proscrito pela ANVISA. De acordo com a resolução, os médicos que podem receitar o remédio são os neurocirurgiões, neurologistas e psiquiatras.”

   Na minha opinião, este documentário é sobre burocracia, ignorância e omissão. Como este composto é extraído da Cannabis, que é uma droga no Brasil, ninguém quis comprar esta briga. Mesmo com todos os benefícios clínicos testemunhados em outros pacientes estrangeiros, nenhum profissional da saúde quis fornecer um parecer que fundamentasse o interesse em trazer este composto. Todo o trabalho técnico foi realizado pelas famílias, que realizaram um verdadeiro ensaio clínico informal, documentando frequência das crises convulsivas antes e depois do uso de canabidiol. Para importar qualquer medicamento (ainda mais um proibido!), é preciso de uma prescrição médica. Mas nenhum médico quis prescrever e arriscar o seu CRM, inviabilizando os pedidos judiciais. Me questionei várias vezes se um parecer dizendo que "baseado nas evidências clínicas verificadas em outros países para casos semelhantes (referenciando estes casos), há interesse na importação do canabidiol para o paciente X, portador de Y" seria motivo para tanto, mas os médicos entrevistados no documentário disseram que existe sim uma ameaça velada neste sentido...
    Outro aspecto importante é: de que forma são realizadas as prescrições?? Pois quando é um "medicamento novo" da indústria, basta ele surgir que parece que há uma febre em prescrevê-lo. Quem trabalha em farmácia sabe que se em determinada semana tem algum evento promocional de determinado medicamento, naqueles dias esse medicamento "vende como água". Fato. É difícil não associar esse aumento súbito nas prescrições com estas promoções do mercado... No caso do canabidiol, a única coisa que tínhamos eram evidências científicas fora do Brasil. Não havia nenhuma pessoa encarregada de promover este medicamento nos consultórios, quem tinha que buscar as "provas científicas" sobre este novo tratamento era o médico, ativamente. Se as famílias leigas conseguiram, acredito que a informação era acessível e até mais fácil para quem está acostumado com as bases de dados da área. Então por que esta omissão? "É, está funcionando lá fora e aqui não temos nenhuma outra alternativa... mas como é ilegal, o máximo que podemos fazer é torcer para que a ANVISA flexibilize isso aí...". E sublinho o "torcer", pois mais que isso (que seria documentar o interesse no uso do composto), não foi feito...
   Aqui eu critico os prescritores, mas não para por aí. A crítica é estendida a todos os profissionais de saúde e cientistas, e aqui também faço um mea culpa. Vem daí o título do post. Por várias vezes me peguei pensando: "onde estavam os cientistas durante esse processo todo, essa luta tão solitária destas famílias?". Horrível pensar que foi preciso que a ousadia partisse dos interessados e não de uma bancada técnica. Onde estavam todos? O médico tem um papel importante pois ele precisava prescrever o uso. Mas na ausência dele, por que nenhum farmacologista ou toxicologista de peso forneceu esclarecimentos? Era um começo...
   E como faltou informação e sobrou omissão, resultou em burocracia. O documentário é revoltante... O juiz não quer ser aquele que assina essa liberação, os políticos muitas vezes não querem comprar essa briga, o funcionário da ANVISA não quer essa responsabilidade, o funcionário do correio despista... E solicita-se papeis e mais papeis pedindo atenção a todos os requisitos, sem dizer que requisitos são esses... Enfim, uma trapalhada triste para quem espera por um medicamento.
   
   Como um ponto negativo do documentário, eu acho que faltou um pouco mais dos aspectos técnicos e farmacológicos. Como existe um apelo emocional bem forte, eu acho que ele sensibiliza as pessoas. Mas minha dúvida é se ele sensibiliza apenas os que estão abertos para isso ou se tem capacidade de mudar um preconceito mais arraigado... Ele mostra a melhora nas crianças, mas como o que poderia ter ajudado esta luta eram os argumentos técnicos, talvez se houvesse mais clareza nos aspectos farmacológicos o poder de convencimento do prescritor fosse melhor. Não sei. No evento de Tapejara, essa pequena falha foi muito bem suprida pela fala da farmacêutica Elizane. Segundo ela, “os estudos sobre o uso do canabidiol como anticonvulsivante surgiram no Brasil na década de 70 e 80. Hoje, os cientistas especulam sobre alguns efeitos positivos do canabidiol que incluem antiepilético, ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, em distúrbios do sono, entre outros. Alguns estudos também sugerem que o canabidiol possa auxiliar na diminuição das náuseas causadas pela quimioterapia em pacientes com câncer. Fora do Brasil, já existem medicamentos com substâncias análogas à Cannabis   padronizados e aprovados, como o Sativex, Cesamet e Marinol. Isso nos mostra o quanto o Brasil precisa evoluir no sentido da legalização do uso medicinal da Cannabis e seus derivados. Não é um medicamento milagroso, possui também efeitos adversos como qualquer um outro, mas ainda o principal desafio é vencer o preconceito.”
    A nutricionista Joana Brunetto, também presente no evento, ressaltou: “Uma das dificuldades que encontramos no tratamento do câncer é a debilitação do estado nutricional dos pacientes, que pode ser agravado pelos episódios de náuseas e mal estar que os acomete geralmente após o tratamento de quimioterapia. O uso do canabidiol tem se mostrado eficaz na diminuição desses sintomas, podendo ser um grande aliado na manutenção do estado nutricional e assim maior eficácia do tratamento, e maior qualidade de vida para os pacientes. Devemos nos sentir extremamente prejudicados por toda burocracia que nos impede de estudar os reais benefícios da droga, e principalmente, como sociedade precisamos nos unir para acabar com o preconceito que gira em torno do assunto, para que isso deixe de ser um entrave na busca de novos tratamentos para diversas doenças.” 

  Talvez a esta altura você esteja pensando "sim, mas não há dúvidas de que isso precisa ser estudado/utilizado!" Mas houve/há dúvidas sim, por incrível que pareça. E só por isso foi feito este documentário. Apenas muito recentemente o canabidiol foi reclassificado, então até muito pouco tempo atrás eram vozes solitárias traficando um composto ilegal! Para mim, o ponto mais desesperador do documentário foi a sessão da ANVISA onde, mais uma vez, a alteração foi barrada... 


   Existe sim um preconceito com a maconha. Hoje foi enfatizado o uso de um composto "que não dá o barato", embora no documentário também se fale do uso medicinal do THC (que dá o barato). Se eu sou a favor do uso medicinal da maconha? Sim. E não só da maconha, eu sou a favor de todos os usos medicinais de todas as drogas. Se existe algum benefício, temos que estudar, compreender, padronizar e utilizar. O que é muito diferente de sair utilizando sem nenhum critério, obviamente. 
  No geral, eu sou bastante restritiva e cautelosa nos meus posts sobre drogas, mas depois de ver o documentário resolvi me posicionar aqui enfatizando que não importa a fonte, os potenciais benefícios devem ser explorados com cautela, sempre! Mesmo no caso do THC, que tem efeitos psicoativos, o benefício que ele causou à paciente do documentário foi muito maior que os possíveis danos... Qualquer uso de medicamento é sempre uma balança onde se pesam os benefícios e malefícios. Não existe nenhum composto, que eu tenha conhecimento, que tenha apenas benefícios, sem nenhum efeito adverso. Então, a maconha não é uma erva sagrada, mas também não é maldita. 
   
   Atualmente, a  Anvisa  recebeu 374 pedidos de importação do Canabidiol para uso pessoal, por meio do pedido excepcional de importação de medicamentos de controle especial e sem registro no Brasil. Dos 374 pedidos encaminhados à Agência, 336 foram autorizados, 20 aguardam o cumprimento de exigência pelos interessados e 11 estão em análise pela área técnica. Há, ainda, sete arquivamentos realizados por solicitação dos interessados.                Também, em 2015, a Anvisa recebeu o primeiro pedido de registro de um medicamento no país com CBD. O pedido, apresentado por um laboratório estrangeiro, ainda será analisado.


   O que podemos levar desse evento? Muito conhecimento e possibilidade de debate. Ficamos à espera de maiores evoluções na questão do uso medicinal da Cannabis. Alguns tabus precisam ainda ser quebrados, muitos estudos realizados e também os profissionais da saúde devem ampliar seus horizontes e investigar ainda mais sobre esse tema. 
  Se eu sou a favor da legalização da maconha, como uso recreacional? Isso eu respondo em março, quando haverá uma série de posts avaliando o aspecto jurídico, toxicológico e social desta questão... Prometo que será bem (i)legal! (Foi uma ironia).

Colaborou e muito com este post: Farmacêutica Elizane Lângaro, residente do Programa de Atenção ao Câncer do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde HSVP/UPF.


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Designer Drugs: a toxicidade dos derivados piperazínicos

   A lógica das designer drugs é produzir pequenas diferenças na estrutura química de uma droga conhecida, fazendo com que ela tenha efeitos semelhantes mas que ainda não seja proibida, burlando a legislação. No Brasil, a legislação que define as substâncias proibidas e sujeitas a controle especial é a Portaria 344 da ANVISA. Um pouco sobre esta problemática é abordado nesta reportagem com as drogas metilona e 25i: 





    Então a legislação é mal feita?
  Não exatamente. O problema é que a legislação é atualizada periodicamente, mas até a invenção da droga, as primeiras apreensões (descoberta que ela existe) e a atualização da lista existe um "gap" que é frustrante para qualquer perito.

   Um grupo de designer drugs são as piperazinas. Nos últimos anos, o Marcelo Dutra Arbo se dedicou ao estudo dos mecanismos de toxicidade destas drogas nos diferentes possíveis alvos (fígado, coração e neurônios). Para isso, ele utilizou modelos celulares, realizando estudos in vitro. Através destas técnicas, o Marcelo verificou que o mecanismo de toxicidade de 4 representantes do grupo das piperazinas envolve desequilíbrios energéticos por ação nas mitocôndrias das células. Nos hepatócitos, esses efeitos resultam em stress oxidativo. Hoje é o dia da defesa da tese de doutorado do Marcelo na Universidade do Porto.  Então, convidei o Marcelo para uma entrevista exclusiva para o nosso blog falando um pouco sobre as piperazinas.

   O Marcelo é farmacêutico com habilitação em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a partir de hoje, doutor em Ciências Farmacêuticas - Especialidade Toxicologia pela Universidade do Porto (Portugal). Tem experiência em toxicidade de produtos naturais usados como emagrecedores, trabalhou por 2 anos no Núcleo de Análise Laboratorial do Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul e atualmente trabalha com novas drogas de abuso sintéticas. Desenvolveu tese de doutorado com o tema avaliação da toxicidade de drogas de abuso derivadas da piperazina sob orientação da Prof. Dra. Helena Carmo, que foi desenvolvido no Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (Porto, Portugal), Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Porto, Portugal) e Leibniz Research Centre for Working Environment and Human Factors (Ifado, Dortmund, Alemanha). 


Paracelsus para Todos: O que são designer drugs e por que é tão difícil a sua fiscalização?
Marcelo - Designer drugs são drogas sintéticas e a fiscalização é difícil porque elas são produzidas a partir de uma outra droga, sintética ou não, porém proibida pela legislação. A partir dessa substância proibida, são feitas, por síntese química, algumas pequenas modificações na molécula, como adição ou substituição de algum grupamento molecular na estrutura química básica, onde se consegue criar um novo composto, porém com os mesmos efeitos, ou efeitos muito semelhantes, a droga anterior proibida. Esse novo composto, por ser novo e apesar de manter as características de droga de abuso, não esta previsto na legislação e dessa forma se consegue driblar a lei.

Paracelsus para Todos: O que são e como surgiram as piperazinas? Elas são drogas no Brasil? 
Marcelo - As piperazinas são derivadas de um vermífugo, que já foi muito utilizado em medicina humana e veterinária mas atualmente é mais utilizado em veterinária. O vermífugo não possui nenhum efeito sobre o sistema nervoso humano, porém os derivados utilizados como droga de abuso conseguem atingir o cérebro e causar efeitos estimulantes e alucinógenos. Elas foram descobertas a partir de novas substâncias que foram testadas como antidepressivos nos anos 70 e 80, mas devido à toxicidade e potencial para causar dependência as pesquisas foram interrompidas. No fim dos anos 90 as substâncias foram redescobertas e começaram a ser utilizadas como drogas de abuso. No Brasil, algumas destas substâncias são drogas proibidas (BZP, mCPP e TFMPP). Desde 2006 há relatos de apreensão de comprimidos pela Polícia Federal, vendidos supostamente como ecstasy, mas que na realidade contém derivados da piperazina. Isso acontece porque os efeitos relatados pelos usuários são muito semelhantes ao do ecstasy que, apesar de também ser uma droga de abuso, quimicamente é um composto muito diferente. Apesar de as piperazinas serem consideradas drogas de abuso e proibidas em muitos países, elas são muito utilizadas na em países da Europa como Grã-Bretanha e Holanda, e Nova Zelândia, onde até 2008 elas eram vendidas livremente.

Paracelsus para Todos: Quais os efeitos que as piperazinas provocam em seres humanos?
Marcelo - Os efeitos são muito semelhantes aos do ecstasy e incluem euforia, agitação, aumento do vigor, sensação de bem-estar. Entre os efeitos adversos náuseas e vômitos, taquicardia e aumento da pressão e convulsões.

Paracelsus para Todos: Quais os mecanismos pelos quais elas provocam estes efeitos?
Marcelo - De modo geral os derivados atuam no cérebro de 3 formas: aumentam a liberação de neurotransmissores (dopamina, noradrenalina e serotonina), inibem a recaptação desses neutransmissores e ligam-se a receptores dopaminérgicos e serotoninérgicos. O que é diferente é a afinidade de cada derivado, alguns, como a benzilpiperazina (BZP) atuam mais em receptores dopaminérgicos enquanto outros, como a trifluorometilfenilpiperazina (TFMPP) tem maior afinidade por receptores serotoninérgicos.

Paracelsus para Todos: Quais os futuros desafios para os estudos com piperazinas?
Marcelo - Ao meu ver, o futuro não só dos estudos com piperazinas, mas das drogas em geral, é avaliar os efeitos desses compostos em misturas, porque os usuários consomem normalmente essas substâncias associadas ao álcool e tabaco, quando não consomem mais de uma droga na mesma noite. Mesmo dentro das piperazinas, os comprimidos muitas vezes contém mais de um derivado, uma mistura muito comum é a BZP e TFMPP no mesmo comprimido ou cápsula. Isso é importante porque nesses casos a toxicidade das substâncias pode ser maior e efeitos não previstos quando se estudaram essas substâncias isoladamente podem ser observados.

O Marcelo e eu, no Salão da Stadshuset, onde é realizada a cerimônia do Prêmio Nobel, em Estocolmo. Como hoje ele defende o doutorado, escolhi uma foto inspiradora, mesmo não sendo a nossa melhor foto! :)


   Quem se interessar mais pelo tema, pode consultar os trabalhos científicos do Marcelo com as piperazinas nos seguintes links: 


Revisão bibliográfica sobre as piperazinas como drogas de abuso


Aspectos analíticos e biológicos das designer drugs


Mecanismos de toxicidade cardíaca mediada pelas piperazinas

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O acesso aos medicamentos por via judicial: problema ou solução?


    Diz a nossa Constituição Federal:

    " A saúde é um direito de todos e um dever do Estado".

    Portanto, se você é brasileiro, você é um cara de sorte, certo? Por mais que não pareça, sim! Temos o nosso direito ao acesso universal à saúde garantido por lei, coisa que alguns "países de primeiro mundo" estão lutando para ter. Sei que você está pensando que isto está no papel mas não acontece na prática, mas por mais que a televisão só mostre o SUS que não funciona, queria te dizer que existem exemplos muito positivos. Não estou dizendo que está ótimo como está, ainda temos muito a avançar, mas já morei em outro país (Portugal) e já utilizei o sistema de saúde público deste país. Lá, a percepção da população é de que o serviço funciona. Como usuária do serviço, devo dizer que eles tem as mesmas fragilidades que nós, a mesma demora em atendimento, mas reconhecem o avanço do sistema. 
   Eu não trabalho diretamente nesta área e se você é profissional da saúde que trabalha no SUS pode estar pensando: "ela só diz isso porque não vê todos os dias o que eu vejo". Pode ser que eu realmente não tenha propriedade para falar sobre o assunto e pretendo trazer este tema novamente para o blog com o testemunho de profissionais que podem relatar as boas experiências do SUS que funciona para apoiar o que eu estou dizendo. Mas hoje, vamos falar sobre o acesso aos medicamentos por via judicial, a judicialização da saúde.
    
  Vocês sabiam que existe um número absurdo de processos "atolando" a justiça para a concessão de medicamentos? Este número está em crescimento, e até 2010, o Rio Grande do Sul (que ao que me consta é o campeão da judicialização) tinha menos da metade dos processos deste tipo do que os que estão correndo no momento?

   E por que?
   Você está pensando: claro, porque é o único jeito... Nem sempre! Aparentemente, o principal motivo da judicialização é a má prescrição ou a má dispensação de medicamentos. Ou seja, muitos medicamentos que são pedidos via justiça se encontram disponíveis na rede pública. Neste caso, o paciente se engana ao pensar que esta é a maneira mais fácil de conseguir o medicamento pois o processo nem sequer era necessário. 
   O outro caso, é quando existe um medicamento na rede (e a lista é constantemente atualizada) e a prescrição solicita uma outra medicação indisponível. Mas por que esta solicitação? Eu fico incomodada quando escuto "porque este é mais novo, de última geração...". Particularmente, quando sou eu a paciente, eu prefiro sempre os "velhos" e conhecidos, mas voltarei a falar sobre isso outro dia... E me intriga quando ouço que determinada marca não funciona. Neste caso, temos que reportar para somar evidências e fazer alguma coisa, pois é para funcionar, não é? E existem também os casos isolados e quando não há uma alternativa disponível para aquele paciente, mas os números e relatórios mostram que são exceção.

  Para tratar desta problemática e explicar o fluxo envolvido nesta gestão, eu convidei a minha colega e grande amiga Etiene Carpes Zucatti. Ela é farmacêutica graduada pela UFRGS e é especialista em saúde da família e comunidade. Foi residente do programa de Residência Integrada em Saúde do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição e atualmente é apoiadora regional do QualiSUS-Rede/DAF/Ministério da Saúde e Consultora do Telessaúde RS. 

  "Sabemos que existem muitas opções terapêuticas atualmente e estas conquistam a população assim como os profissionais que prescrevem os medicamentos. No entanto, é fundamental que existam diretrizes que orientem o uso de medicamentos no país, de acordo com suas características epidemiológicas e com as características que são pertinentes ao medicamento e seu uso, como segurança, qualidade, eficácia, efetividade. Definir os medicamentos que atendem a maior parte das doenças que abrangem um território permite que o sistema de saúde vigente no país, no nosso caso o Sistema Único de Saúde - SUS – consiga se organizar e suprir esta demanda. 

   É fundamental que tanto a população, quanto os profissionais que prescrevem medicamentos no contexto do Sistema Único de saúde tenham conhecimento do que é disponibilizado, a fim de evitar que medicamentos distintos destes sejam prescritos, especialmente quando há opção terapêutica equivalente disponível. Muitas vezes o usuário tenta acessar o medicamento por via judicial e este medicamento é fornecido. No entanto, devemos nos questionar: 
- Será que há outra forma de acessar este medicamento?
- Existe alternativa terapêutica disponível para o usuário? 
- Estes questionamentos foram feitos por quem é responsável por determinar o acesso por via judicial?

  Para que possamos questionar o avanço da judicialização de medicamentos no país, e especialmente no Rio Grande do Sul, devemos conhecer o elenco de medicamentos disponíveis pelo SUS e como acessá-los.

  O Brasil possui uma Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, a RENAME, a qual é composta por medicamentos que norteiam as políticas públicas no que se refere ao acesso racional. Essa é composta por medicamentos pertencentes ao componente básico, componente estratégico e componente especializado, além de insumos farmacêuticos e medicamentos de uso hospitalar. 



Esta é a RENAME, atualizada em 2013.

   O Componente Básico apresenta medicamentos preconizados para atender a Atenção Primária à Saúde (Atenção Básica), ou seja, utilizados e distribuídos nas unidades de saúde e farmácias municipais

   O Componente Estratégico engloba os pertencentes aos programas de saúde priorizados pelo Ministério da Saúde, entre eles estão o Programa de Controle ao Tabagismo, Controle da Tuberculose, Controle da Hanseníase, DST/AIDS, entre outros. Todos os programas e responsáveis pelo acesso podem ser encontrados neste aqui.

   Já o Componente Especializado compreende os utilizados para tratar as doenças e agravos, em nível ambulatorial, pertencentes às Linhas de Cuidado definidas em Protocolos Clínicos. São os medicamentos obtidos via processo administrativo na Secretaria Estadual da Saúde, e fornecidos mensalmente ao usuário, de acordo com a necessidade e como atendimento dos parâmetros definidos nos Protocolos Clínicos. Para conhecer mais sobre estes medicamentos, acesse este link.

  Sobre as questões que envolvem a judicialização, podemos levantar alguns questionamentos para refletirmos:

- Os profissionais de saúde conhecem os medicamentos presentes na RENAME e, consequentemente, disponíveis para a população?

- A rede pública de saúde segue a orientação de uso da RENAME, enquanto a rede privada (especialmente a rede conveniada) não a utiliza. No entanto, grande parte dos usuários que utilizam o SUS, recorrem à rede privada em vários momentos, por vários motivos, entre eles, a dificuldade de acesso ao sistema único de saúde. Os medicamentos prescritos para este usuário são acessados na rede pública... Os medicamentos preconizados na RENAME são avaliados periodicamente com base em evidências pela CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. São mantidos ou incorporados aqueles comprovadamente seguros e eficazes. No entanto, muitos prescritores optam por opções terapêuticas novas para os usuários às quais não há acesso pelo Sistema Único de Saúde.

- A presença de profissionais da área da saúde atuando junto ao poder judiciário pode reduzir o número de processos judiciais para o fornecimento de medicamentos?

  Ao meu ver, as questões que envolvem o constante aumento na judicialização de medicamentos originam-se tanto no papel do profissional de saúde quanto no do usuário que acessa o sistema. O profissional de saúde deve conhecer as diretrizes que norteiam os seus serviços e especialmente olhar para o usuário integralmente e isso implica conhecimento dos fluxos de acesso que são disponibilizados para o usuário dentro do sistema de saúde no país. De nada adianta atender o usuário de forma qualificada se este não terá acesso ao medicamento, fundamental para o tratamento. Já o usuário, deve conhecer os serviços que estão disponíveis no sistema de saúde para poder acessá-los de forma integral. Cada um de nós tem papel importante na desconstrução da cultura da judicialização."

  E então meus colegas farmacêuticos, futuros farmacêuticos e prescritores. Deixo as perguntas: 
 - o que leva à judicialização? 
 - Na opinião de vocês, o SUS está defasado ou há um exagero nesta prática? 
 - Você, prescritor, como orienta o seu paciente? Quais os desafios você encontra? 
  Me ajudem a refletir sobre quais são as causas deste fenômeno e como solucionar!
 E você, profissional do SUS ou usuário: Qual é a sua experiência com o SUS?

 Um pouco antigo e midiático, mas ainda está valendo como sugestão:




  

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O que Nick Diaz, Anderson Silva e Jon Jones tem em comum? Um teste positivo de doping em 2015

  Esta madrugada, foi revelado o suposto caso de doping (aguardamos o resultado da contraprova) do atleta  Anderson Silva. Os resultados se referem ao teste realizado em 9 de janeiro de 2015. No último sábado, Anderson Silva retornou ao UFC vencendo por unanimidade após 5 rounds contra Nick Diaz (que aliás também testou positivo para maconha). Esta luta marcaria a volta por cima de Anderson Silva após a derrota para Chris Weidman em Dezembro de 2013, onde o Spider tentava recuperar o seu cinturão e de onde saiu diretamente para a sala de cirurgia. 
     Anderson Silva sempre foi visto como um exemplo de atleta. Possui um legado impressionante. Em fevereiro de 2011, ele se consagrou contra Vitor Belfort. O chute no primeiro round colocou fim a uma luta muito esperada e para mim (que não sou especialista no esporte mas uma grande entusiasta) a mais marcante. O estilo de luta agressivo, com bastante movimentação, criativo e surpreendente lhe garantiram o maior tempo de invencibilidade da história do UFC (até o momento). Fora do octógono, Anderson sempre foi um atleta boa praça, moço família, o clássico esterótipo do brasileiro vencedor, exemplo para uma geração. A alcunha escolhida por Anderson, "The Spider" faz alusão ao "super-herói com contas para pagar", como o próprio atleta gostava de dizer. Tudo isso o tornou uma celebridade.


Um grande momento de Anderson Silva, não tão feliz para Vitor Belfort.

   Anderson foi o atleta que mais vezes defendeu o cinturão de campeão. Mas, como tudo na vida tem um fim, em julho de 2013, nosso campeão perdeu o seu cinturão para Weidman. Na revanche, fraturou a perna. Muito se especulou se este seria o fim da carreira de Anderson no UFC. Quando anunciaram que Anderson voltaria a lutar, achei digno de um campeão. Na minha opinião, acho que seria uma luta de retorno apenas para marcar a "volta por cima". Para calar o senso comum que diz que atleta depois que se fratura, nunca mais é o mesmo... Acredito que depois disso, Anderson pararia de lutar pois esta é uma solicitação da sua família e ele completa 40 anos este ano... (apenas especulando).
 
   Mas este não é um blog sobre esporte e infelizmente Anderson aparece aqui não pelos seus feitos impressionantes, mas pelo seu positivo no doping. As substâncias acusadas foram Drostanolona e Androstana, esteroides anabolizantes proibidos para atletas de competição pela World Antidoping Agency (WADA) e no UFC. 
    Os esteroides anabolizantes apresentam efeitos androgênicos. A principal motivação para o seu uso é o aumento da massa muscular e diminuição da gordura no corpo. Por isso, são bastante procurados por fisioculturistas, pois o resultado pode ser um músculo mais marcado. Como estes compostos também aumentam o número de fibras musculares, teoricamente aumentam a força. Mas em atletas de alta competição este aumento provavelmente não é definitivo para a performance, até porque este efeito está sujeito a vários outros condicionantes, como alimentação, treinamento, etc... Apresentam efeito anticatabólico, inibindo a atrofia de músculos esqueléticos, reduzindo o tempo de recuperação das fibras fatigadas pelos treinamentos. Também aumentam a síntese de colágeno, formação de trifosfato de inositol e diacilglicerol pelos osteoblastos, aumentando a densidade mineral óssea. Estes efeitos podem significar uma vantagem para um atleta que precisa de um ritmo pesado de treinamentos. Os efeitos no metabolismo ósseo também são explorados em doenças ósseas como a osteoporose, por exemplo. 

  A inclusão dos canabinoides derivados da maconha na lista da WADA é bastante controversa porque o seu consumo não melhora diretamente o desempenho do atleta. Os argumentos que fazem com que eles continuem na lista é que o seu uso poderia favorecer o controle da ansiedade, produzindo um relaxamento. Alguns estudos demonstraram que o uso contínuo da maconha pode diminuir o tempo de reação prejudicando o desempenho e a motivação no esporte. De qualquer forma, na minha opinião, como a maconha é proibida na maioria dos países e os atletas são vistos como modelo, é esta justificativa social o maior motivo para ela se manter como doping.
  
  Enfim, o ano de 2015 recém começou e já é o segundo caso de um grande campeão envolvido em doping. Jon Jones também testou positivo, no caso dele a substância utilizada foi cocaína. A utilização da cocaína no esporte pode ser utilizada com fins estimulantes ou mesmo recreacional.
  
  Hoje, o lutador Luis Besouro, ao saber do doping de Anderson Silva, declarou que "quase ninguém está limpo.Em um estudo realizado por Bamberger e Yeager em 1997, quando questionados se consumiriam uma droga ilegal que lhe garantissem uma medalha olímpica, mais de 90% dos atletas entrevistados responderam que sim, se tivessem a certeza de que não seriam descobertos. E 52% disseram que consumiriam mesmo que os efeitos do doping fossem letais em um período de 5 anos. 
     Outro estudo que sempre comento quando falo de doping é um estudo em que foi comparada a performance de atletas de levantamento de peso. Mediu-se a performance ao longo do período de treinamento de 7 semanas. E depois, foi fornecido um placebo (composto sem efeito nenhum) para atletas desta modalidade e foi informado aos mesmos que a medicação melhoraria a sua performance. Olhem os resultados:



   Mesmo sem ter qualquer efeito, os efeitos subjetivos do placebo determinaram uma melhor performance. A psicologia explica...

   Isto tudo significa que esta discussão precisa ganhar mais espaço. Para mim, esporte é saúde. É superação. É brigar de igual para igual com o seu oponente. Os atletas estão submetidos a um código de ética e todos conhecem a lista da WADA. Atestar desconhecimento não cola. Portanto, ao infringir este código, estão sendo desonestos. Mas além da desonestidade e da deslealdade, se for permitido sacrificar a saúde em busca dos melhores resultados, na minha opinião, perde todo o sentido.
   Vários atletas fantásticos colocaram em cheque suas carreiras brilhantes por causa do doping. Depois de um resultado como este, o que fica marcado é a falha. A falha humana de ser derrotado em combate não é tão amarga como a falha de jogar sujo. O jogo sujo nos faz questionar todos os bons resultados anteriores...


  Termino este post com as palavras do próprio Anderson Silva, que ironicamente sintetiza o que eu penso sobre o doping no esporte: 


“Quando um atleta testa positivo para esteroides, ele não deve mais lutar. Quando você usa esteroides, você usa por um longo período. Quando você usa por um longo período, você tem um problema. É droga e isso não é bom para o esporte.“
                                      Anderson Silva, outubro de 2014


Blog Paracelsus para todos adverte: o uso de esteroides anabolizantes pode ter consequências como:

- Hepatotoxicidade (de hepatite a neoplasias)

- Disfunções sexuais: em homens, o abuso destas substâncias leva à diminuição da síntese de testosterona e, consequentemente, queda na libido, impotência, secreção insuficiente de esperma e atrofia testicular. Em mulheres, ocorre masculinização (engrossamento da voz, supressão da menstruação, diminuição do tamanho dos seios [mas elas revertem com silicone], crescimento nos pelos do corpo e calvície típica do sexo masculino).

- Hipertensão e alterações cardíacas

- Maior deposição de cálcio nas articulações

- Cálculos renais

- Irritabilidade e agressividade