quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A triste realidade da dependência ao álcool. Verifique se você está passando do ponto!


   A dependência de álcool é um grave problema de saúde pública. Apesar de ter um quadro clínico bem estabelecido, muitas vezes o diagnóstico é difícil. Sabe-se que, frequentemente, os primeiros contatos com o álcool acontecem no início da adolescência, em contextos onde o uso abusivo é glamoroso, encorajado pelos amigos e algumas vezes pela própria família. A detecção de casos iniciais é um desafio pois medidas educativas podem evitar repercussões individuais e desfechos sociais graves.

   No contexto universitário, o ambiente de integração com a turma e a pressão dos exames e provas também favorecem o consumo abusivo do álcool. Neste sentido, a farmacêutica Marina Pelicioli, no âmbito do seu trabalho de conclusão do Curso de Farmácia, orientada pela professora Cristiane Barelli, avaliou o padrão de consumo de bebidas alcoólicas entre universitários de cursos da área de saúde. A pesquisa contou com a participação de 619 alunos que responderam  entrevistas em questionário eletrônico enviado por e-mail a cada um dos estudantes sorteados. 
  O consumo de álcool foi avaliado pelo Teste de Identificação de Distúrbio de uso do Álcool (AUDIT), um questionário validado e reconhecido internacionalmente que você também pode responder pois ele está disponível no fim do post. Os resultados desta pesquisa demonstraram que 85% destes estudantes consomem álcool. A frequência de consumo variou de 2 a 4 vezes no mês (46,9%) a 1 vez por mês (40%). O padrão de consumo do álcool avaliado como de baixo risco foi 77,1%; mas 2,7% dos estudantes apresentaram um padrão de consumo considerado nocivo e de provável dependência, predominando a ingestão de fermentados (41,1%) e destilados (23,2%).

    O dado mais alarmante foi a prática do Beber Pesado Episódico (BPE), que foi constatado em mais da metade dos estudantes (51,6%). Este dado é bastante elevado comparado a outros estudos neste tipo de população, cuja média de ocorrência gira em torno dos 20% (maiores informações sobre estes outros estudos você encontra aqui, aqui,  aqui e aqui).


  Mas afinal, o que é BPE?

  O Beber Pesado Episódico (BPE) ocorre quando há o consumo de 5 doses ou mais de bebidas alcoólicas em uma única ocasião independente da frequência de consumo. Ou seja, o estudo demonstrou que 51,6% destes universitários não consomem álcool com grande frequência, mas, quando consomem, ocorre de forma exagerada. Ainda, foi verificado que as características que mais se associaram ao consumo de álcool foram ser solteiro, do sexo masculino e frequentar festas semanalmente.


Fonte: http://comidanarede.com.br/bebidas/consequencias-abuso-alcool/


   O trabalho da Marina foi premiado duas vezes, evidenciando a relevância desta discussão. Mas e você? Como está o seu consumo de álcool? Verifique se você pode ser considerado dependente de álcool segundo os critérios da 5º Versão do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria:

Marque as alternativas vivenciadas em um período de 12 meses:

1. O álcool é consumido em maiores quantidades ou por um período maior do que o pretendido.
2. Desejo de diminuir ou interromper o uso da substância sem sucesso.
3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção da substância, na utilização ou na recuperação dos seus efeitos.
4. Fissura ou craving: um forte desejo ou urgência para usar o álcool.
5. Prejuízos importantes nas atividades ocupacionais, domésticas ou acadêmicas em virtude do uso da substância.
6. Permanência do uso apesar de ele provocar problemas nas relações pessoais.
7. Abandono de atividades sociais, ocupacionais ou recreativas para o uso de álcool.
8. Manter o uso apesar do risco associado.
9. Manter o uso apesar de ter um problema físico ou psicológico, sabidamente causado ou exacerbado pelo álcool.
10. Tolerância: necessidade de quantidades progressivamente maiores de álcool para adquirir os efeitos desejados ou acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade.
11. Abstinência: síndrome de abstinência característica ou consumo de álcool ou outra substância relacionada (como medicamento calmante) com a finalidade de aliviar ou evitar os efeitos da abstinência.

  A presença de 2 ou mais destes critérios em um período de 12 meses é suficiente para diagnosticar dependência do álcool. A classificação da gravidade é realizada da seguinte forma:
Dependência de álcool leve: 2 a 3 sintomas em um período de 12 meses
Dependência moderada: presença de 4 a 5 sintomas em um período de 12 meses
Dependência grave: presença de 6 ou mais sintomas em um período de 12 meses

  Agora o AUDIT - TESTE PARA IDENTIFICAÇÃO DE PROBLEMAS RELACIONADOS AO USO DE ÁLCOOL


Assinale o número corresponde a sua resposta e ao final, some todos os números assinalados.

1. Com que frequência você consome bebidas alcoólicas?
(0) Nunca [vá para as questões 9-10]
(1) Mensalmente ou menos
(2) De 2 a 4 vezes por mês
(3) De 2 a 3 vezes por semana
(4) 4 ou mais vezes por semana

2. Quantas doses alcoólicas você consome tipicamente ao beber?
(0) 0 ou 1
(1) 2 ou 3
(2) 4 ou 5
(3) 6 ou 7
(4) 8 ou mais

3. Com que frequência você consome cinco ou mais doses de uma vez?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todas os dias


*Se a soma das questões 2 e 3 for 0, avance para as questões 9 e 10


4. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você achou que não conseguiria parar de beber uma vez tendo começado?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

5. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você, por causa do álcool, não conseguiu fazer o que era esperado de você?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

6. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você precisou beber pela manhã para poder se sentir bem ao longo do dia após ter bebido bastante no dia anterior?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

7. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você se sentiu culpado ou com remorso depois de ter bebido?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

8. Quantas vezes ao longo dos últimos 12 meses você foi incapaz de lembrar o que aconteceu devido à bebida?
(0) Nunca
(1) Menos do que uma vez ao mês
(2) Mensalmente
(3) Semanalmente
(4) Todos ou quase todos os dias

9. Você já causou ferimentos ou prejuízos a você mesmo ou a outra pessoa após ter bebido?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses

10. Algum parente, amigo ou médico já se preocupou com o fato de você beber ou sugeriu que você parasse?
(0) Não
(2) Sim, mas não nos últimos 12 meses
(4) Sim, nos últimos 12 meses


  Some todos os números assinalados e interprete segundo o quadro abaixo:

Pontuação
Padrão de consumo de álcool/
Zona de risco
0 a 7 pontos
Uso de baixo risco ou zona de risco I
8 a 15 pontos
Uso de risco ou zona de risco II
16 a 19 pontos
Uso nocivo ou zona de risco III
20 ou mais pontos
Provável dependência ou zona de risco IV


   Caso estes testes tenham revelado que você tem problemas com álcool, procure ajuda! O primeiro passo (que não é simples) é reconhecer esse fato. Existem serviços públicos especializados nesta problemática, mas conforme demonstrado logo abaixo, o comprometimento individual e o apoio familiar são cruciais para o sucesso do tratamento.

Desafios no tratamento da dependência 



  As questões do abuso de álcool e outras drogas vêm sendo um grande desafio enfrentado mundialmente, tanto no âmbito da saúde quanto no social. Nesse sentindo, o surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e drogas (CAPS ad), foram um progresso para o cuidado em saúde mental dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. Este é um serviço que funciona 24 h  e é voltado para o cuidado de pessoas que enfrentam esta problemática. Caracterizam-se como articuladores estratégicos para a formação de uma rede integral de saúde mental no país. Segundo informações do próprio link disponibilizado acima, oferecem atendimento à população, realizam o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os CAPS também atendem aos usuários em seus momentos de crise, podendo oferecer acolhimento noturno por um período curto de dias.

  A dependência de drogas lícitas e ilícitas é influenciada por uma variedade de fatores, sendo assim, compreende-se que essa condição não tem um tratamento único e adequado para todos os tipos de drogas, havendo necessidade de uma combinação coerente entre ambiente, intervenções e serviços que sejam específicos para cada necessidade. Dessa forma, a terapia farmacológica é uma das vertentes de tratamento adotadas nestes centros. 

  Considerando as dificuldades inerentes a este contexto, a acadêmica do curso de Farmácia, Nicole Fernandes de Lima, orientada pela Prof. Carla Gonçalves, avaliou o nível de conhecimento dos usuários atendidos no CAPS ad de Passo Fundo, RS, sobre sua terapia medicamentosa. Foram entrevistados 40 usuários atendidos nesse serviço, 100% deles em tratamento com medicamentos. Destes, 67,5% relataram manter uso regular de substancias psicoativas, evidenciando uma situação de risco. As substâncias psicoativas mais utilizada foram o álcool (82,5%) e o tabaco (45%). Em terceiro lugar aparece o crack (22,5%), seguido pela cocaína (10%) e o por último a maconha (7,5%). O abandono do tratamento foi encontrado em cerca de metade dos entrevistados e 75% não tem adesão ao tratamento. Quanto ao conhecimento sobre sua terapia, 85% apresentaram um conhecimento classificado entre "regular" e "bom".

   Sendo assim, foi possível perceber a dificuldade de o tratamento ser realmente efetivo e eficaz, pois apesar de os usuários terem um serviço especializado disponível, o acesso ao medicamento ser facilitado e haver orientação sobre a terapia medicamentosa associada às outras vertentes de terapia, percebe-se que o uso da substância continua, o tratamento não é realizado da maneira correta e o abandono do tratamento é frequente.
   
  Por isso, finalizo este post com a seguinte questão: de que forma poderíamos melhorar a efetividade e a eficácia do tratamento para dependência?

Colaboraram para este post: farmacêutica Marina Pelicioli e acadêmica de Farmácia Nicole Fernandes de Lima. 
  

2 comentários:

  1. Um assunto que abre espaço para muitas discussões!

    Em relação ao consumo de álcool entre os estudantes da área da saúde, na posição de pesquisadora a partir da revisão bibliográfica eu esperava encontrar resultados menos acentuados comparados aos estudantes que não são da área da saúde, mas, os achados foram bastante semelhantes, ou seja, ser um estudante, universitário da área da saúde que irá contribuir, explicar, conversar sobre saúde com a população, sabendo quais riscos e consequências que o álcool pode causar, de nada adianta, pois o comportamento em relação ao consumo de álcool continua elevado principalmente em relação ao Beber Pesado Episódico, ressalto que grandes tragédias podem acontecer em segundos!!!!!

    No entanto o pensamento da maioria da população é: "Só acredito vendo!" Neste sentido é difícil fazer acreditar e explicar que as consequências à saúde a longo prazo.. Diante desta realidade um trabalho multiprofissional de educação em saúde pode contribuir e muito para evitar agravos!!!!! A partir disso, fica evidente a necessidade de ações educativas para promoção da saúde do estudante e da população, inclusive prevenindo o consumo excessivo de álcool e outras substâncias, para que além de cuidar da sua saúde, tenham conhecimentos necessários para informar, educar e promover a saúde da população,contudo, cabe aos universitários educarem-se, afinal, É POSSÍVEL SIM SE DIVERTIR SEM BEBER!!!!

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  2. Muito interessante essa tua colocação, Marina! Realmente a tolerância com o álcool acaba por se revelar um grande problema. Também acredito que como é um problema complexo, exige um trabalho multiprofissional que deve começar desde cedo. Prevenir é sempre melhor do que tratar, mas o tratamento também é possível!

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