sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Qual é a droga mais perigosa do mundo?

   Frequentemente me questionam qual é a droga mais perigosa ou a que causa mais danos. Esta pergunta não tem resposta, ou admite múltiplas respostas, pois qualquer comparação direta entre as drogas é de uma certa forma injusta.  Às vezes penso que qualquer droga pode vencer a disputa, basta escolher o critério certo para isso. Qual critério vamos usar? A mais destrutiva em doses menores? A que causa o maior dano social? A mais viciante? A que causa a síndrome de abstinência mais forte?

   Mas, mesmo com estas abstrações, muitos já tentaram responder a esta pergunta.

  Recentemente, uma pesquisa comparou várias drogas utilizando como critérios o potencial de lesar o próprio usuário e os outros indivíduos que convivem com ele. Os resultados foram organizados na figura abaixo:



   Em cinza claro, encontra-se uma pontuação para o potencial que cada droga tem de causar danos para o próprio indivíduo. Em roxo, encontra-se o score atribuído para o potencial dano aos outros e em cinza escuro, a pontuação total que cada droga atingiu. Analisando esta figura, conclui-se que o álcool foi considerado a droga mais nociva, seguido pela heroína quase empatada com o crack,  seguido pelo tabaco e a maconha em último lugar.
   Ainda considerando este trabalho, observa-se que considerando apenas os resultados do potencial dano ao usuário, o álcool (pontuação de 26) e a heroína (pontuação de 21) não ficam tão distantes, e no entanto a tolerância social para estas duas drogas difere substancialmente. Estudos mostram que o consumo problemático de álcool é o maior fator de risco para morte de indivíduos do sexo masculino abaixo de 60 anos.  Já os danos causados ao usuário de tabaco e maconha apresentaram uma pontuação bastante próxima. O critério definitivo para posicionar o álcool em primeiro lugar é o potencial de causar danos aos outros indivíduos, onde este composto apresenta um valor (46) muito mais elevado do que a pontuação das demais drogas. É fácil entender o porquê. O álcool é uma droga socialmente aceita (e às vezes incentivada), logo o seu consumo é maior do que as demais e consequentemente também são mais frequentes as ocorrências associadas a agressões, violência e acidentes de trânsito envolvendo o álcool. Esta situação é bastante grave e infelizmente recorrente com pessoas que tem problemas relacionadas ao consumo do álcool. Esta problemática já foi abordado no blog aqui, onde você encontra dois testes para verificar o seu perfil de consumo de álcool. Neste estudo, drogas consideradas pesadas como o crack e a heroína apresentam um potencial de lesar aos outros muito similar. Das drogas estudadas representadas no gráfico acima, o tabaco e a maconha são as menos lesivas a terceiros, como seria de se esperar.

  Analisando ainda outras drogas pelos mesmos critérios, tem-se esta figura, que é um pouco mais complexa:



Da mesma forma, nesta figura, em laranja representa-se o dano aos outros e em azul, o dano ao usuário. O score total é o número em cima das barras. Um score de 100 significa totalmente lesivo e um score de 0, ausência de danos.

   Recentemente, houve um curso sobre Psicofármacos na UPF. Nesta oportunidade, foi mostrado alguns gráficos que agora divido com vocês. Como não sei qual é a fonte deste estudo e os mesmos chegaram até mim através do material do curso, ainda assim:

   Qual é a droga com maior risco de causar overdose?



   O gráfico acima apresenta o risco de causar uma overdose versus dose. Podemos verificar que a maconha (linha verde) e o tabaco (linha azul) apresentam o menor risco de causar uma overdose, ainda que em quantidades altas. O álcool (linha amarela), apresenta um potencial um pouco maior de causar overdose quando comparado aos anteriores. As drogas com maior risco de overdose são a cocaína (vermelho) e as drogas sintéticas como as anfetaminas e o ecstasy (branco), onde observa-se que mesmo em doses relativamente baixas, existe um maior risco. 
   É claro que este gráfico simplifica um pouco toda a farmacologia por trás da drogadição, pois em um indivíduo consumidor crônico de cocaína que já está tolerante aos seus efeitos, a dose necessária para causar uma overdose pode ser muito mais elevada do que em um indivíduo que está consumindo pela primeira vez. Mas vale pelo exercício de pensar sobre o assunto!

   Consequências orgânicas pelo uso crônico:



   Neste gráfico podemos ver as consequências orgânicas para o usuário após um consumo crônico em meses e anos. Observa-se que neste critério, o consumo de álcool (linha amarela) é o que atinge as maiores consequências negativas ao longo dos meses e anos de consumo. O consumo crônico de tabaco (em azul) também apresenta um alto índice de consequências orgânicas negativas e atinge este patamar provavelmente devido aos casos de câncer associados a este hábito. As drogas sintéticas (em branco) são as que desencadeiam danos no organismo mais rapidamente (não é preciso consumir por muito tempo para ter consequências negativas). Por este gráfico, as consequências orgânicas do consumo crônico da maconha tornam-se mais significativas com o tempo de consumo, provavelmente relacionadas à problemas de memória. Surpreendentemente este gráfico coloca que se você consumir cocaína por 10 anos, as consequências orgânicas serão menores do que o mesmo tempo consumindo maconha. ??? Confesso que este gráfico foi o que eu achei mais controverso! Não concordo muito com ele, mas trouxe mesmo assim para colocar em discussão. Como eu não estava presente no momento em que este gráfico foi abordado, peço ajuda aos universitários se puderem explicar estes dados! :)

   Ainda esta semana foi divulgado outro trabalho em que várias drogas foram comparadas segundo a probabilidade de causar a morte em humanos, levando em conta a relação entre dose frequentemente consumida e a dose possível de causar uma overdose (você pode ter visto um link referente a este estudo no facebook). A conclusão é que a maconha apresenta um baixo risco de mortalidade. Isto pode ser comprovado empiricamente, pois muitas pessoas fazem uso desta droga, e no entanto, nunca conheci alguém que soubesse de algum caso de morte por overdose. Já o álcool foi a única droga classificada como substância que possui um alto risco de overdose, enquanto a cocaína, heroína e nicotina são substâncias que apresentam algum risco de overdose (mas não tão alto como o álcool). Como assim? Esse resultado não soa estranho para você? Para mim também. Mas desta vez eu sei explicar o porquê deste resultado:
    Imagine um indivíduo que apresenta um alto consumo de heroína e outro que consome o álcool de maneira igualmente abusiva. O risco de morrer de uma overdose de heroína ou de cirrose alcoólica é bastante elevado nos dois casos, individualmente. Mas este estudo utiliza uma base epidemiológica. Ou seja, considera a distribuição de um determinado fenômeno em uma população. Então, por esta lógica, se analisarmos a nossa sociedade como um todo, o risco de um indivíduo morrer por problemas relacionados ao abuso de álcool é muito maior do que overdose de heroína. Ou seja, embora a heroína seja uma droga com consequências orgânicas muito pesadas, existem muito mais pessoas que abusam do álcool e com uma frequência muito maior do que pessoas que utilizam heroína. Para entender melhor, pense na sua realidade: arrisco dizer que você conhece pelo menos uma pessoa (que espero que não seja você mesma) que já entrou em coma alcoólico ou precisou receber glicose após uma bebedeira. No entanto, aposto que a maioria das pessoas que conhecem alguém que se enquadra nessa categoria não conhece ninguém que passou por uma situação de overdose ou quase-overdose de heroína (e substitua heroína por cocaína, que é mais comum na nossa região).

   E por fim, um gráfico correlacionando dano físico e o potencial de causar dependência.


   
  Por este gráfico, quanto mais próximo de 3, maior o dano físico ou o potencial de causar dependência. 

   Então, como hoje inicia a disciplina de Análises Toxicológicas para o Curso de Farmácia, convido a todos e em especial os alunos desta turma para compartilhar comigo:
   -Qual é, na sua opinião, a droga mais perigosa? Por que?
 -Como você acha que devem ser as políticas públicas de tratamento para drogas lícitas e ilícitas?

3 comentários:

  1. A única conclusão que consigo retirar eé quea complexidade da questão posta impede de se analisar qual a droga mais perigosa do mundo sob um ângulo generalista. Acredito que as questões sociais como legalidade, permissividade, cultura e índices de consumo são os fstores mais determinantes à periculosidade da droga. É como determinar qual modelo político é o melhor: existem os fatores sociais, estruturais e conjunturais.

    ResponderExcluir
  2. Exatamente! A discussão é valida mas admite muitas respostas devido aos vieses da pergunta!

    ResponderExcluir
  3. Existe risco potencial em tudo. E o risco cresce conforme a intensidade de consumo e a realidade pessoal. Seja consumindo maconha ou sorvete.

    Algumas pessoas são especialmente suscetíveis aos riscos. Seja para pessoas com tendência a transtornos psicóticos graves que consomem maconha ou para diabéticos que consomem sorvete.

    Pensando na lista de efeitos negativos que o consumo de álcool pode induzir, seja para o usuário ou para os que estão próximos, penso que ele é o pior. As demais drogas ilícitas parecem causar mais danos, mas se parar para pensar, boa parte desses danos vem do fato de as drogas ilícitas (como também seu comércio) não possuírem regulamentação. Nós vemos como normal o sujeito sair a cada 30 minutos fumar um cigarro. Sem problemas, ele vai em uma área livre e fuma. Agora pense em um dependente de uma droga ilícita que cause dependência como o cigarro: ele vai ter que buscar sua droga que deve estar escondida ou ir comprar direto com um traficante (até por que portar é crime e vc pode ser confundido com um traficante), além de ter de se esconder muito para consumir.


    O tratamento para drogas, sejam lícitas e ilícitas, deveriam seguir um mesmo princípio, regulamentação e conscientização. A princípio devemos adotar o que foi feito com o cigarro para o álcool. Fim de propagandas e alerta de riscos nas embalagens.
    Na sequência o mesmo deve ser feito com a cannabis: ter controle da produção e definir limites para os princípios ativos (como exemplo que o Uruguai fez de ter teto de 15% para o THC), proibir qualquer tipo de propaganda e informar nos pontos de venda os males associados ao consumo de forma um pouco gritante. Até pq se vc for parar pra pensar, o traficante não diz que o que ele vende pode fazer mal né...

    Quanto a cocaína... a princípio liberar o consumo da folha mascada, que até onde sei é tão perigoso quanto tomar café.. incentivar esse consumo que é mais saudável... em detrimento da cocaína refinada (cocaína/crack).. incentivar usos que tenham menos riscos associados.. (da mesma forma que um chopp possuí menos risco que a cachaça..)

    Talvez exista uma solução melhor, em um mercado regulamentado, para cada substância em si. A verdade que agora, com a proibição ultra-radical, não existe regulamentação nenhuma. Não se sabe o que se consome, e é tudo feito no escuro, sem segurança..

    ResponderExcluir

Comente, repercuta, critique ou sugira! Enfim, contribua para a discussão!