O sangue do cordão umbilical, outrora descartado sem qualquer questionamento, passou a ter um valor precioso nos últimos anos. Isto porque este sangue é uma fonte importante de células tronco hematopoiéticas. O conceito de "células tronco", muitas vezes não é bem compreendido, mas é inegável que a este termo associa-se toda uma esperança no tratamento de diversas doenças.
Sendo assim, primeiramente, cabe esclarecer o que são as células tronco. São células ainda imaturas e portanto indiferenciadas, que possuem habilidade de autorrenovação e de diferenciarem em diferentes tecidos. Esta capacidade de diferenciação (ou seja, tornarem-se células de diferentes tecidos) depende da sua origem. Existem as chamadas células tronco embrionárias, que são capazes de originar os diferentes tecidos de um organismo humano. Tais células são obtidas do interior do blastocisto, de um embrião em fase anterior à nidação (processo de fixação do óvulo fecundado no útero). A grande vantagem destas células é que possuem uma maior plasticidade e são menos imunogênicas (ou seja, no caso de um transplante, teoricamente a chance de rejeição seria muito menor). Porém, por causa desta plasticidade, os estudos demonstram a necessidade de diferenciá-las no tipo celular pretendido em laboratório, antes de implantar no paciente que receberá estas células. Embora pareça simples, este processo é bastante complexo e por isso é muito importante que possamos estudar e compreender o verdadeiro potencial destas células. No Brasil, atualmente, a Lei de Biossegurança permite os estudos e terapia com células tronco embrionárias apenas provenientes de embriões humanos fecundados e produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, portanto, descartados por serem inviáveis, congelados há mais de 3 anos e com o consentimento dos doadores.
Há também as chamadas células tronco adultas. Nos mais diversos tecidos do nosso organismo, temos os chamados "compartimentos tronco", com células tronco adultas que são capazes de repor as células perdidas daquele órgão. Por exemplo, imagine que você bebeu demais no final de semana. Por causa deste excesso, o seu fígado sofreu lesões, que podem estar associadas a morte de hepatócitos que precisam ser repostos. A nossa pele é outro bom exemplo da renovação: quando nos cortamos, células epiteliais são perdidas e precisam ser repostas. Mesmo quando não nos machucamos, o processo natural da passagem do tempo é haver uma renovação celular. Caso não fosse assim, ao usarmos um esfoliante perderíamos uma grande quantidade de células que jamais seriam repostas. Apesar de termos vários tipos de células tronco adultas espalhadas pelos nossos órgãos, cada tecido tem um padrão de renovação. Por isso, a reposição de uma célula epitelial é incomparavelmente mais fácil do que uma perda neuronal. As células adultas apresentam um potencial bem menor de plasticidade. O sangue de cordão umbilical é uma fonte de células tronco adultas hematopoieticas, assim como as encontradas na medula óssea. A sua coleta é muito fácil e indolor para mãe e bebê, conforme demonstrado na figura abaixo:
Atualmente, estas células podem ser consideradas promissoras para o tratamento de doenças hematológicas, quando há necessidade de transplante. Para isso, é preciso armazenar estas células e existem duas modalidades de bancos de armazenamento: os bancos públicos e os bancos privados.
Se você fizer uma busca no google, verá que existe um apelo comercial muito forte para o armazenamento das células tronco do cordão umbilical e placenta. Alguns bancos privados alegam que armazenar este material é o melhor seguro de vida para o seu filho e que é uma atitude de quem deseja maior segurança para a sua família. Este tipo de apelo explora um período de vulnerabilidade dos futuros pais que se sentem praticamente "obrigados" a contratar estes serviços, ainda que cobrem um preço bastante alto. Lembro que quando morava em Portugal conheci um banco que enviava o kit para coleta de células pelo correio e após o procedimento recebia novamente o material via correio. Embora a coleta seja fácil, é essencial esclarecer que precisa ser feita por pessoa treinada e especializada e para se manterem viáveis, é importantíssimo que todos os cuidados de armazenamento sejam observados. Outro problema da abordagem de alguns prestadores destes serviços são as falsas promessas de que estas células serão boas alternativas para qualquer doença que seu filho tiver. Isto não é verdade!
- O sangue de cordão umbilical possui células tronco adultas hematopoiéticas, mas não as mesenquimais, e por isso, grande parte da indicação terapêutica são as doenças hematológicas e não as demais doenças.
- O armazenamento de sangue de cordão umbilical tem um potencial muito maior se pensarmos coletivamente do que individualmente. Isso porque grande parte das doenças que podem ser tratadas com estas células precisam de células de outro doador e não das células da própria criança. Portanto, provavelmente se o seu filho precisar de um transplante, as células que serão utilizadas não serão as do cordão desta gestação. Nem sequer existe um número razoável de casos de transplante destas células para o próprio doador documentado...
- Pensar nestas células como um seguro familiar também não é boa ideia. Isso porque a compatibilidade ideal é de 100%. Em raros casos, aceita-se cerca de 70% de compatibilidade, e não 50% de compatibilidade (que acontece entre pais e filhos).
E por isso é muito importante que sejamos doador de medula óssea, onde também se encontram estas células tronco hematopoiéticas.
A principal diferença entre os bancos públicos e privados de armazenamento de células tronco de cordão umbilical e placenta é que os privados armazenam para o uso próprio, enquanto que nos públicos, o armazenamento é feito em prol do uso de qualquer um que precisar (sendo da família ou não). A chance de você ou do seu filho precisar de um transplante é pequena, ainda bem. Mas caso ele precise, as chances de ele se beneficiar com um transplante destas células aumentam quanto mais pessoas forem doadoras de medula óssea ou de sangue de cordão na modalidade pública. No Brasil, os nossos bancos públicos são de responsabilidade da Rede BrasilCord e os custos destes tratamentos são cobertos pelo SUS.
Particularmente eu sou a favor do armazenamento apenas nos bancos públicos. Mas lembre-se: armazenar as células do cordão do seu filho não garante acesso a tratamento nenhum quando necessário e caso você opte por não armazenar essas células, você também não estará "excluído" dos benefícios de um transplante ou tratamento baseado nesta tecnologia.
Se você quiser saber mais sobre este assunto, compartilho aqui o link de uma matéria muto interessante com a Professora Patrícia Pranke, referência no estudo das células tronco que esclarece várias questões do público leigo. Ainda, vale a pena conferir este artigo da mesma autora, especialmente os futuros pais que são bombardeados com falsas promessas dos bancos privados de armazenamento de sangue do cordão umbilical. Por fim, também vale a pena conferir este material produzido pela ANVISA com o objetivo de orientar os futuros pais.
Texto bem legal e explicativo pro!😊😊
ResponderExcluirQue bom que você gostou, Kielli! Os profissionais de saúde precisam ajudar a esclarecer a população que no meio de tanto marketing e em um momento tão vulnerável acabam gastando um dinheiro precioso em promessas vazias. Além disso, é muito bom ter alunos de farmácia interessados neste assunto pois no campo da pesquisa há muito espaço também. Continue acompanhando! Beijo
ExcluirExcelente. A mercantilização da saúde est3á tão arraigada na nossa sociedade brasileira que há uma verdadeira paranoia dos pais no sentido de armazenar a coleta dos seus próprios filhos. Essa paranoia foi-nos vendida e compramos sem muitos questionamentos.
ResponderExcluirE não é só na sociedade brasileira. O conhecimento liberta, e neste caso poupa dinheiro!
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