quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Potencial antibiótico a partir do veneno da Jararaca

  Segundo a Organização Mundial da Saúde, infecções causadas por bactérias ainda ocupam o topo da lista de causa de morte. Elas podem ser combatidas com antibióticos. Porém, as bactérias possuem uma grande capacidade de se adaptar aos medicamentos disponíveis, tornando-se resistentes a eles.


 Como surgem as chamadas "superbactérias". Ilustração: https://eco4u.wordpress.com/2011/02/24/uso-indiscriminado-de-medicamentos-oms-alerta-sobre-o-perigo-das-superbacterias/arte_superbacteria-2/

 Existem vários pesquisadores dedicados a descoberta de novos antibióticos, mas estes estudos levam tempo. Recentemente, tivemos a boa notícia da descoberta de um novo composto antibiótico, a teixobactina, que funcionou contra as "superbactérias" em modelos animais e in vitro. Se este potencial for confirmado em humanos, estaremos diante de uma nova classe de medicamentos, com compostos isolados a partir de bactérias presentes no solo.  A notícia foi recebida com muito entusiasmo pois há muitos anos uma nova classe de antibióticos não era descoberta. Mais detalhes sobre a teixobactina, aqui:


  Bom, mas por aqui também temos boas notícias! Durante o último ano, o agora farmacêutico Lucas Henrique Cendron, no âmbito do seu Trabalho de Conclusão do Curso de Farmácia, testou a atividade antibacteriana do veneno da jararaca (Bothrops jararaca). 

Esta é a serpente peçonhenta Bothrops jararaca. Ela pode ser reconhecida pela coloração marrom esverdeada, com desenhos na forma de “V” invertido em cor preta ou castanha escuro, cauda lisa. Em caso de dúvida, não se aproxime!

 Já haviam outros estudos que nos indicavam que este veneno era promissor contra bactérias, mas a grande novidade do Lucas é que no seu trabalho nós testamos o veneno contra 16 bactérias resistentes isoladas de pacientes internados em um hospital local, obtendo inibição no crescimento de todas elas quando incubadas com o veneno.

Como é feito este teste?
 Através de um antibiograma, como o da foto abaixo (foto do material suplementar do artigo do Lucas, link disponível abaixo).




 Aqui temos duas placas com um "tapete bacteriano".  Cada disco assinalado com letras ou números correspondem a um tipo de tratamento. C+ significa que o disco está impregnado com o antibiótico padrão, o tratamento atualmente considerado efetivo para esta bactéria. É o nosso controle positivo, que deverá funcionar, ou seja, deveremos ter inibição do crescimento da bactéria conforme pode ser observado nas duas placas pelo halo transparente ao redor do C+, que significa que nas proximidades do antibiótico as bactérias não cresceram). O C- é o controle negativo, para garantir que nosso teste está correto. Não deverá ocorrer inibição do crescimento da bactéria. SM é a nossa solução mais concentrada de veneno, e 1,2,3,4 e 5 representam diluições do veneno. Repare que na primeira placa, é possível observar inibição mesmo com a diluição 3. E na segunda placa, a solução mais concentrada do veneno (SM) e a solução diluída 1 apresentam um halo de inibição com maior diâmetro do que o tratamento padrão disponível. Isto significa que o veneno da jararaca apresenta potencial antibacteriano contra estas bactérias.

 Mais detalhes sobre este estudo bem como a discussão das suas limitações e perspectivas encontram-se disponíveis em:

http://www.scirp.org/journal/PaperInformation.aspx?paperID=52046#.VL8R7ivF9UU


 Também falamos um pouquinho sobre este trabalho no programa Universidade Aberta, da TV UPF: 



 Apesar dos resultados promissores do Lucas e de vários outros trabalhos, vale lembrar que uma bactéria pode tornar-se resistente em poucas horas. Já o desenvolvimento de um novo medicamento para combatê-la demora cerca de mais de 20 anos para ficar pronto. E muitas vezes, os compostos que eram promissores inicialmente se revelam inadequados em fases posteriores. Ou seja, as bactérias ainda estão em vantagem e a situação é preocupante!

 Então, o que você pode fazer para ajudar?

 Se você for estudante de farmácia e se interessou pelo assunto, pode me procurar para fazer iniciação científica neste projeto e assim, continuarmos com estas pesquisas.

 Mas, se você não é da área, mesmo assim, pode ajudar e muito!

Como? 

 Fazendo um uso racional dos antibióticos, que inclui:
- Não utilizar antibióticos quando não for necessário.
-Seguir a risca o horário e o regime de administração dos antibióticos, para não dar chance de selecionar bactérias resistentes. Ou seja, você deve tomar a sua medicação no horário combinado e deverá seguir tomando a medicação até o fim do tratamento. Mesmo que já se sinta melhor antes disso! E qualquer dúvida, recorra ao seu farmacêutico.

 Por que?

 Porque é o mau uso dos antibióticos que muitas vezes selecionam bactérias resistentes! Conscientize-se e ajude a conscientizar seus amigos e vizinhos. Pois você não está garantido se fizer certo e os outros não...

5 comentários:

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    1. Exatamente, Charise! Temos dois longos trabalhos pela frente: a busca por novos fármacos e a conscientização da população. O veneno tem composição complexa e é uma fonte de muitos compostos para serem explorados. O Brasil deve assumir e manter a liderança destes estudos pois tem uma biodiversidade muito rica! Beijo e obrigada pelo comentário, parceria científica e amizade! :)

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  2. Apaguei sem querer o comentário anterior cuja resposta encontra-se acima. Copio aqui o comentário da Charise:

    As bactérias resistentes representam um grande problema se saúde pública! ! A busca por novos antibióticos não deve cessar. A jararaca pode representar uma fonte de novos antibióticos. As pesquisas devem continuar. Além disso, como discutido acima.... Uso racional de antibióticos evita casos de resistência. Faça a sua parte!!!

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  3. O desenvolvimento de super bactérias é um problema mais do que meramente farmacêutico. Lojas de medicamentos, digo, Farmácias pipocam em todo o Brasil com suas promoções e apelos mercantilistas coloridos, vendendo saúde indiscriminadamente a quem quiser ou puder comprar. Isso quando há farmacêutico presente.
    A crítica é estendida aos profissionais farmacêutico, nomeadamente, àqueles acadêmicos, pois a situação da classe é resultado e responsabilidade vossa.
    Enfim, o país precisa de mais exemplos como este.
    Ouvi alguém dizer e repetirei, sempre: uma grande nação é feita de grandes engenheiros e grandes cientistas.

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  4. Estamos cientes da nossa responsabilidade e como docente procuro formar profissionais éticos e críticos. Nos últimos anos tivemos grandes avanços como a lei que reafirma a farmácia como um estabelecimento de saúde e a própria exigência de receita para liberação de antibióticos. Teoricamente era para ter sido sempre assim, mas na prática não acontecia. Atualmente existe um controle maior desta liberação e isto ajuda muito no uso racional. Também sabemos que existem maus profissionais e estabelecimentos que contornam a legislação, como acontece em todas as profissões. Mas quando olho para onde estamos e para onde iremos e sobretudo quando entro em sala de aula, acredito que as coisas estão melhorando. Para a profissão e para a sociedade. Sou uma otimista. Obrigada pela reflexão!

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