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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A farra dos bancos privados de células tronco de cordão umbilical

   O sangue do cordão umbilical, outrora descartado sem qualquer questionamento, passou a ter um valor precioso nos últimos anos. Isto porque este sangue é uma fonte importante de células tronco hematopoiéticas. O conceito de "células tronco", muitas vezes não é bem compreendido, mas é inegável que a este termo associa-se toda uma esperança no tratamento de diversas doenças.
   
  Sendo assim, primeiramente, cabe esclarecer o que são as células tronco. São células ainda imaturas e portanto indiferenciadas, que possuem habilidade de autorrenovação e de diferenciarem em diferentes tecidos. Esta capacidade de diferenciação (ou seja, tornarem-se células de diferentes tecidos) depende da sua origem. Existem as chamadas células tronco embrionárias, que são capazes de originar os diferentes tecidos de um organismo humano. Tais células são obtidas do interior do blastocisto, de um embrião em fase anterior à nidação (processo de fixação do óvulo fecundado no útero). A grande vantagem destas células é que possuem uma maior plasticidade e são menos imunogênicas (ou seja, no caso de um transplante, teoricamente a chance de rejeição seria muito menor). Porém, por causa desta plasticidade, os estudos demonstram a necessidade de diferenciá-las no tipo celular pretendido em laboratório, antes de implantar no paciente que receberá estas células. Embora pareça simples, este processo é bastante complexo e por isso é muito importante que possamos estudar e compreender o verdadeiro potencial destas células. No Brasil, atualmente, a Lei de Biossegurança permite os estudos e terapia com células tronco embrionárias apenas provenientes de embriões humanos fecundados e produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, portanto, descartados por serem inviáveis, congelados há mais de 3 anos e com o consentimento dos doadores. 

   Há também as chamadas células tronco adultas. Nos mais diversos tecidos do nosso organismo, temos os chamados "compartimentos tronco", com células tronco adultas que são capazes de repor as células perdidas daquele órgão. Por exemplo, imagine que você bebeu demais no final de semana. Por causa deste excesso, o seu fígado sofreu lesões, que podem estar associadas a morte de hepatócitos que precisam ser repostos. A nossa pele é outro bom exemplo da renovação: quando nos cortamos, células epiteliais são perdidas e precisam ser repostas. Mesmo quando não nos machucamos, o processo natural da passagem do tempo é haver uma renovação celular. Caso não fosse assim, ao usarmos um esfoliante perderíamos uma grande quantidade de células que jamais seriam repostas. Apesar de termos vários tipos de células tronco adultas espalhadas pelos nossos órgãos, cada tecido tem um padrão de renovação. Por isso, a reposição de uma célula epitelial é incomparavelmente mais fácil do que uma perda neuronal. As células adultas apresentam um potencial bem menor de plasticidade. O sangue de cordão umbilical é uma fonte de células tronco adultas hematopoieticas, assim como as encontradas na medula óssea. A sua coleta é muito fácil e indolor para mãe e bebê, conforme demonstrado na figura abaixo:


    Atualmente, estas células podem ser consideradas promissoras para o tratamento de doenças hematológicas, quando há necessidade de transplante. Para isso, é preciso armazenar estas células e existem duas modalidades de bancos de armazenamento: os bancos públicos e os bancos privados.
   
  Se você fizer uma busca no google, verá que existe um apelo comercial muito forte para o armazenamento das células tronco do cordão umbilical e placenta. Alguns bancos privados alegam que armazenar este material é o melhor seguro de vida para o seu filho e que é uma atitude de quem deseja maior segurança para a sua família. Este tipo de apelo explora um período de vulnerabilidade dos futuros pais que se sentem praticamente "obrigados" a contratar estes serviços, ainda que cobrem um preço bastante alto. Lembro que quando morava em Portugal conheci um banco que enviava o kit para coleta de células pelo correio e após o procedimento recebia novamente o material via correio. Embora a coleta seja fácil, é essencial esclarecer que precisa ser feita por pessoa treinada e especializada e para se manterem viáveis, é importantíssimo que todos os cuidados de armazenamento sejam observados. Outro problema da abordagem de alguns prestadores destes serviços são as falsas promessas de que estas células serão boas alternativas para qualquer doença que seu filho tiver. Isto não é verdade!

- O sangue de cordão umbilical possui células tronco adultas hematopoiéticas, mas não as mesenquimais, e por isso, grande parte da indicação terapêutica são as doenças hematológicas e não as demais doenças. 

- O armazenamento de sangue de cordão umbilical tem um potencial muito maior se pensarmos coletivamente do que individualmente. Isso porque grande parte das doenças que podem ser tratadas com estas células precisam de células de outro doador e não das células da própria criança. Portanto, provavelmente se o seu filho precisar de um transplante, as células que serão utilizadas não serão as do cordão desta gestação. Nem sequer existe um número razoável de casos de transplante  destas células para o próprio doador documentado...

- Pensar nestas células como um seguro familiar também não é boa ideia. Isso porque a compatibilidade ideal é de 100%. Em raros casos, aceita-se cerca de 70% de compatibilidade, e não 50% de compatibilidade (que acontece entre pais e filhos). 

   E por isso é muito importante que sejamos doador de medula óssea, onde também se encontram estas células tronco hematopoiéticas. 

  A principal diferença entre os bancos públicos e privados de armazenamento de células tronco de cordão umbilical e placenta é que os privados armazenam para o uso próprio, enquanto que nos públicos, o armazenamento é feito em prol do uso de qualquer um que precisar (sendo da família ou não). A chance de você ou do seu filho precisar de um transplante é pequena, ainda bem. Mas caso ele precise, as chances de ele se beneficiar com um transplante destas células aumentam quanto mais pessoas forem doadoras de medula óssea ou de sangue de cordão na modalidade pública. No Brasil, os nossos bancos públicos são de responsabilidade da Rede BrasilCord e os custos destes tratamentos são cobertos pelo SUS.
    Particularmente eu sou a favor do armazenamento apenas nos bancos públicos. Mas lembre-se: armazenar as células do cordão do seu filho não garante acesso a tratamento nenhum quando necessário e caso você opte por não armazenar essas células, você também não estará "excluído" dos benefícios de um transplante ou tratamento baseado nesta tecnologia.

   Se você quiser saber mais sobre este assunto, compartilho aqui o link de uma matéria muto interessante com a Professora Patrícia Pranke, referência no estudo das células tronco que esclarece várias questões do público leigo. Ainda, vale a pena conferir este artigo da mesma autora, especialmente os futuros pais que são bombardeados com falsas promessas dos bancos privados de armazenamento de sangue do cordão umbilical. Por fim, também vale a pena conferir este material produzido pela ANVISA com o objetivo de orientar os futuros pais.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O que esperar do blog no segundo semestre de 2015

   Depois do curto recesso de julho, marcado pelas férias dos alunos, voltamos com força total. Recentemente, me deparei com uma reportagem que a manchete era "Atenção: este alimento contém DNA!". Tratava-se da constatação da dificuldade de comunicação entre o mundo acadêmico e o mundo real, pois uma pesquisa promovida pelo Departamento de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Oklahoma, nos Estados Unidos constatou que 80% dos entrevistados eram a favor da rotulagem obrigatória de "alimentos contendo DNA". Porém esta rotulagem é completamente irrelevante uma vez que praticamente tudo que ingerimos contém DNA pois os animais e os vegetais, como são seres vivos, possuem DNA. Logo, todo alimento derivado destes compostos também terá DNA e as organelas presentes nas células. Este dado mostra que embora estes conceitos sejam muito claros para a comunidade científica, existe um desconhecimento por parte da população em geral, o que muitas vezes gera um pânico desnecessário. Ainda sobre "conter DNA", lembro de uma propagando de uns anos atrás de uma marca de shampoo que continha "DNA vegetal". Mas que belo apelo de marketing para dizer que o tal produto tem componente vegetal, não é?
 Tá aqui ó: um shampoo com DNA vegetal...

    Então, o blog nasceu da necessidade de abordar assuntos que "extrapolam a sala de aula" e trazer os debates e assuntos que comento com os alunos em aula para o ambiente virtual, onde eles podem participar ativamente se quiserem e dividir este conteúdo com os amigos, familiares... Pois nunca é demais falar em ciência. Assim, a proposta do blog também vem de encontro com esta demanda e visa falar em linguagem muito simples e para leigos sobre assuntos que tratamos no mundo acadêmico, tentando diminuir a distância entre a Academia e o mundo real.

   Na mesma reportagem anteriormente citada, abordou-se o resultado de uma consulta realizada pelo Pew Research Center em parceria com a Associação Americana para o Avanço da Ciência, com a intenção de comparar a percepção dos leigos versus da comunidade científica sobre alguns temas polêmicos. Os resultados foram discrepantes:

 - Enquanto 88% dos cientistas acreditam que os transgênicos são seguros, apenas 37% dos leigos tem a mesma opinião;
- 98% dos cientistas acreditam que os seres humanos evoluíram ao longo do tempo, mas só 65% dos leigos tem esta ideia;
- 87% dos cientistas acreditam que as mudanças globais são relacionadas com a atividade humana, mas só 50% dos leigos reconhece a culpa da nossa espécie;
- 86% dos cientistas são a favor das vacinas obrigatórias na infância, mas só 68% da população concorda (tendência preocupantemente em crescimento!)

  Mesmo na comunidade científica não há consenso em muitos temas. Uma ressalva importante de ser feita é que existem "cientistas e pseudocientistas", mas enfim, ainda assim a percepção leiga e acadêmica é bastante discrepante. Estes resultados se aplicam à sociedade americana, mas acredito que no Brasil, resultados semelhantes ou ainda mais díspares seriam encontrados, razão pela qual acredito que todos os indivíduos que tem a chance de cursar o Ensino Superior devem ter o compromisso de aproveitar esta oportunidade e realmente crescer, além de instruir e contribuir positivamente para a sua realidade.

  Neste semestre, vários temas interessantes passarão por aqui. 

  Uma das disciplinas que vou ministrar é a disciplina de Imunologia, para três cursos diferentes (enfermagem, nutrição e farmácia). Neste campo, há muito para ser discutido! Em um mundo onde as correntes anti-vacinação estão em crescimento, cabe esclarecer alguns aspectos deste contexto. Nesta realidade, os futuros enfermeiros tem um grande compromisso de esclarecer e mobilizar os pacientes, participando ativamente das campanhas nacionais de vacinação. Outro aspecto importante dentro do domínio da Imunologia é o crescimento das alergias, cada vez mais frequentes. Quais as teorias  que tentam explicar este aumento? Por que nosso organismo rejeita alguns alimentos que antigamente tolerava? Aqui cabe discutir desde as reações a alérgenos clássicos como amendoim e camarão até a lactose e o composto da moda, o glúten! Para os nutricionistas, também cabe discutir a possibilidade que alguns alimentos tem de afetar o nosso sistema imunológico e as particularidades de pacientes imunodeprimidos, por exemplo. E para a farmácia, esta é uma disciplina muito rica, pois fundamenta várias metodologias que serão utilizadas em laboratório futuramente e também aborda a atenção ao paciente com hipersensibilidade, imunodeficiência e medicamentos que afetam o sistema imunológico (desde um antiinflamatório até o anticorpos monoclonais). 

   Outro assunto que vai rolar por aqui é Toxicologia e Higiene dos Alimentos, uma disciplina que eu adoro ministrar para a Engenharia de Alimentos. Nesta área temos muito a esclarecer pois volta e meia surge uma onda de pânico relacionado a algum alimento. Algumas vezes, até existe razão para tal (lembram do escândalo da adulteração do leite com formol?), já outras não passam de boatos infundados e por isso temos um rico conteúdo.

   Na disciplina de Bioquímica, será discutido toda a base da bioquímica, que é uma disciplina muito importante para o Curso de Nutrição, uma vez que são estas reações que estão envolvidas na geração de energia, no catabolismo ou anabolismo desejado, na termogênese, mobilização de carboidratos e proteínas, etc... Muito metabolismo nos espera!

   Na disciplina de Hematologia Clínica para a Farmácia falaremos sobre as anemias (tipos, tratamentos, técnicas de diagnóstico, orientações para os pacientes), leucemias e distúrbios de coagulação. Esta é uma disciplina muito interessante para este curso pois além do interesse para as Análises Clínicas, considerando que o hemograma é o exame mais solicitado é fundamental para um farmacêutico saber interpretá-lo com propriedade. Teremos visitas técnicas e discutiremos os aspectos clínicos e também laboratoriais.

  Portanto, será um semestre que promete ser rico em possibilidades. Desejo a todos os alunos um excelente semestre, que participem deste espaço e que possamos construir juntos uma aprendizagem crítica e útil!




terça-feira, 17 de março de 2015

A vacina contra o "efeito sanfona"

    Quem nunca fez uma dieta rigorosa, conseguiu emagrecer, mas passado algum tempo, recuperou o peso perdido? A culpa do "efeito sanfona" pode ser da ghrelina! A ghrelina é um hormônio envolvido na regulação do apetite, conforme explicado na figura abaixo:


Em azul, a regulação do estado de saciedade: no tecido adiposo, há a produção da leptina, secretada na corrente circulatória. A leptina suprime a atividade do neuropeptídeo Y, que provoca o apetite e melhora a atividade de compostos envolvidos na saciedade.
Em vermelho: O estômago produz ghrelina, que estimula o neuropeptídeo Y, fazendo o indivíduo sentir fome, ao mesmo tempo que suprime outros compostos que produziriam saciedade.
Fonte: http://bioquimican4med.wikispaces.com/Hormonas+que+intervienen+en+el+control+del+Apetito

   Para os "iniciados na bioquímica", uma figura mais complexa, que mostra pormenores da regulação do apetite. O que chama atenção é que temos muitas substâncias que diminuem o nosso apetite e apenas uma que aumenta... Sim, a ghrelina.




   E se houvesse uma maneira de impedir que a ghrelina atuasse no nosso organismo? É exatamente isso que um grupo de cientistas portugueses está tentando fazer. Hoje, convidei a Sara e o Tiago a falar um pouco sobre este projeto encantador por dois motivos:

   1) Este assunto é muito interessante e vem bem a calhar no pós férias, quando é hora de retomar as metas do ano novo e tentar efetivá-las. Posso apostar que uma das metas de 9 entre 10 leitores do blog relaciona-se com o emagrecimento/manutenção do peso.



   2) Um novo ano letivo inicia-se e gostaria de pedir especial atenção aos meus alunos para este post. Motivem-se a realizar bons trabalhos durante a faculdade e, se houver interesse, em realizar iniciação científica. Na minha opinião, nada pode ser mais motivante do que estar na frente das descobertas que as outras pessoas utilizarão anos mais tarde... Fui colega do Tiago no Mestrado e há muito tempo ouvi falar da Sara e de como este projeto surgiu: em um trabalho de uma disciplina. Nestas situações, às vezes os alunos fazem trabalhos "sem graça", com o único objetivo de não zerar a nota... Mas a Sara propôs algo que até hoje lhe rende bons frutos, como ela faz questão de dizer logo abaixo. Por favor, alunos, prestem atenção nas duas últimas perguntas e deixem-se contaminar pelo brilho nos olhos que a ciência pode nos dar. Sejam ousados, dediquem-se e aproveitem as oportunidades!

   Bem, mas voltando ao nosso assunto de hoje, apresento os convidados portugueses, que posteriormente explicam o seu projeto e os resultados que já obtiveram:
  A Sara Andrade é formada em Bioquímica  pela Universidade do Porto, possui Mestrado em genética Molecular pela Universidade do Minho e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientada por Felipe Casanueva, Marcos Carreira e Mariana Pereira Monteiro). 
  O Tiago Morais também é formado em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi meu colega no Mestrado em Toxicologia Analítica Clínica e Forense (Universidade do Porto) e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientado por Mariana Pereira Monteiro, Felipe Casanueva, e Marcos Carreira).

Então,  o que exatamente eles estão tentando fazer?

Sara - Resumindo, estamos a tentar criar uma vacina para tratamento da obesidade. A ghrelina é um hormônio produzido pelo estômago e que atua no cérebro. Ela é o único hormônio conhecido que aumenta o apetite e consequentemente a ingestão alimentar. Em pessoas obesas, os seus níveis estão muito baixos, mas, com a perda de peso, os níveis sobem para níveis mais elevados do que uma pessoa de peso normal, dificultando uma perda de peso sustentada. E aí entra a nossa vacina: nós queremos neutralizar a subida dos níveis de ghrelina em resposta a perda de peso, o que permitiria, com a ajuda de modificações na dieta e nos hábitos de exercício físico uma perda de peso mais constante sem picos no apetite.

Tiago - Uma das estatísticas mais assustadoras é que mesmo depois de terem perdido peso a maior parte das pessoas ao fim de 5 anos recupera o peso perdido conforme pode ser verificado neste trabalho). Portanto, o que nós basicamente nos propomos não é tanto ajudar as pessoas obesas a perder peso de uma forma puramente farmacológica, mas a tentar ajudar as pessoas que estão em processo de perda de peso a acelerar este processo e posteriormente a manter um peso "normal" a longo prazo.

E isso não pode ser perigoso?

Tiago - A ghrelina esta associada a mais que uma função no organismo, produzindo exclusivamente efeitos sobre o apetite. Regula por exemplo a secreção do hormônio do crescimento e existem pelo o menos um estudo onde se mostra que bloqueando os receptores de ghrelina com um antagonista leva a um aumento de pressão arterial em ratos. Para além do mais, a ghrelina tem o efeito de aumentar o prazer no ato de comer, e bloquear esta ação pode levar a disfunções na regulação da química cerebral provocando depressão e aumento da ansiedade por exemplo. Daí a nossa tentativa de reduzir o nível de ghrelina circulante sem no entanto a neutralizar a 100%



E o que vocês já conseguiram fazer?


Sara - Foi desenvolvido um imunoconjugado de ghrelina com proteína NS1 do vírus da língua azul (BTV) como substância imunogênica que foi inoculado em camundongos normoponderais e com obesidade induzida pela dieta. Com este imunoconjugado foi conseguida a indução da produção de anticorpos específicos anti-ghrelina com capacidade de neutralização dos efeitos biológicos deste hormônio. Ou seja, houve uma diminuição da ingestão alimentar diária e da ingestão alimentar aguda nas 24h após a imunização, um aumento do gasto energético e uma diminuição de sinais de aumento de apetite no hipotálamo basal.
Tiago -  São resultados encorajadores, mostram que o conceito de realizar uma vacina por estes meio é seguro, já que também não vimos sinais de dano, e que o conceito resulta. Não estamos propriamente na reta final mas é um ótimo ponto de partida!

Isto significa que em breve teremos a cura para a obesidade?

Sara - Não. A obesidade é uma doença muito complexa e em que há muitas vias a ter em conta. Mas é mais um passo no que diz respeito a tentar melhorar esta epidemia.


Tiago - É um problema multi-fatorial, e mais complexo do que muitas vezes se pensa. Aliás, apesar de termos acesso a toda a informação necessária, isto é, sabermos que é fundamental o exercício para sermos saudáveis e sabermos, não necessariamente o estilo de dieta a seguir, mas que devemos evitar comer em excesso, continuamos com uma população crescentemente obesa, com um aumento de obesidade infantil para níveis preocupantes. Pior ainda, a nível mundial os países como a Índia, a medida que começam a ficar mais ricos, começam a "imitar" os hábitos alimentares dos ditos "países ocidentais" com consequências significativas para os níveis da obesidade e da diabetes. Assim, um comprimido ou uma vacina que fosse milagrosa (e já começam a surgir ideias para combater a obesidade e a diabetes ao mesmo tempo com um só comprimido) não ia combater o nosso desequilibro alimentar, que provoca outro tipo de problemas metabólico.


 Como surgiu a ideia deste projeto científico?


Sara - Surgiu como um projeto teórico de uma cadeira de microbiologia durante a graduação. Na altura, eu e a minha colega, a Filipa Pinho, tivemos a ideia de criar uma vacina anti-obesidade baseando-nos numas vacinas terapêuticas para doenças não infecciosas que usavam capsídeos virais para conseguir uma resposta imune contra moléculas que de outra forma não o fariam. Afinal, terminamos a pedir ajuda  do ponto de vista mais médico à Dra. Mariana Monteiro, que viu potencial no projeto, nos propôs trabalhar com ela e nos ajudou a dar forma ao trabalho. E desde então temos vindo a trabalhar no projeto, com a mais recente adição do Tiago.


Comentem que tipo de experiência pessoal este trabalho e a experiência na investigação científica já trouxe a vocês:

Sara - Este trabalho, acima de tudo, levou-me a trabalhar em grandes equipes, com pessoas extremamente competentes e que
diariamente me ensinam coisas. A investigação científica baseia-se na partilha de conhecimentos e na procura de sempre saber um pouco mais. E quando a isto se associa conseguir aproximar-nos de algo que pode realmente ter um impacto na vida das pessoas é realmente motivante.

Tiago - Concordo a 100%. Não só trabalhamos em bons ambientes com gente que sabe o que faz, como durante este tipo de trabalho temos também acesso a trocar ideias com gente de nível muito elevado que nos motiva sempre para sermos melhores e sabermos um pouco mais hoje do que sabíamos ontem. E trabalhar com algo onde conseguimos fazer ciência básica mas que tem uma ponte muito óbvia para uma aplicação clínica da sempre outro tipo de motivação extra.

   Muito obrigada Tiago e Sara!
  Aqui no blog, continuaremos acompanhando o desenvolvimento deste projeto, mas enquanto não temos uma vacina anti-ghrelina disponível, aposte nos métodos tradicionais... Ou seja, de momento, se você quer evitar o efeito sanfona, o método com maior chances de sucesso é uma mudança no estilo de vida, que passe por uma reeducação alimentar consistente acompanhada de exercícios físicos.
  E se você se interessou ainda mais pelos trabalhos da Sara e do Tiago, você pode buscar os artigos científicos do grupo a respeito destes estudos:

Imunização contra ghrelina para tratamento da obesidade

A vacina anti-ghrelina: uma nova abordagem no tratamento da obesidade

Vacinas para doenças metabólicas