terça-feira, 11 de agosto de 2015

Sobre sistema tampão e influência da dieta

  Esse post é especial para os alunos da Nutrição, disciplina de Bioquímica, que estão um pouco apavorados com o conteúdo da disciplina. Ao fim da leitura, certamente chegarão a conclusão que um bom nutricionista deve dominar os conteúdos que estamos trabalhando para compreender e intervir de maneira satisfatória.

  Procurando assuntos atrativos para esta turma, me deparei com vários sites defendendo a "dieta alcalina" como uma boa forma de prevenir doenças como câncer e osteoporose. É o gancho que eu precisava para falar sobre os tampões do organismo e analisar, até o momento, se existem ou não evidências científicas que apoiem tal teoria.
  
 Um parênteses: evidências "científicas" sempre existem, para toda afirmação que quisermos. Cabe ao profissional julgar a qualidade da evidência. E em ciência, o conhecimento pode ser transitório à medida que surgem novas evidências, que é o que realmente dá graça a isso tudo.

   Vamos lá:

  O pH do nosso sangue é cerca de 7.4. Este equilíbrio ácido básico deve ser mantido para o bom funcionamento do organismo através de um equilíbrio entre a produção e a eliminação de H+. Conforme podemos ver na figura abaixo, contribuem para o conteúdo de H+ do organismo a degradação de aminoácidos provenientes das proteínas da dieta, a respiração e os rins.

Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732008000100010

  Quando há perturbações neste equilíbrio, temos uma situação de acidose metabólica (quando o pH dos fluidos corporais fica abaixo do normal, portanto ácido). Nestas situações, ocorre um aumento da taxa de respiração, em uma tentativa de excretar o H+ e pode ocorrer uma sobrecarga renal, também tentando excretar o H+ excedente. O paciente pode sentir o coração acelerado, dor de cabeça, cansaço, náusea, vômito e até confusão mental, dependendo da gravidade e duração desta situação.
   Por outro lado, quando os fluidos corporais ficam alcalinos, temos um quadro de alcalose metabólica. Esta situação pode acontecer, por exemplo, durante uma crise de ansiedade quando ocorre hiperventilação respiratória (e consequentemente, eliminação do CO2 que contribui para baixar o pH. Isto pode ser atenuado ou corrigido quando se respira dentro de um saco de papel. Esta prática se fundamenta no aumento do CO2 que é obtido com este tipo de abordagem pois você inspira novamente o gás carbônico que acabou de expirar).

  Para auxiliar na manutenção do pH dos fluidos corporais, temos os sistemas tampão.  Estes sistemas conseguem manter o pH sem grandes flutuações em uma determinada faixa de pH. Um importante sistema tampão do sangue é o sistema gás carbônico/bicarbonato, que promove a compensação respiratória aumentando/diminuindo o gás carbônico.

A teoria que suporta a dieta alcalinizante 


   Segundo os defensores da teoria, a hidrólise de proteínas gera ácido fosfórico e a oxidação de aminoácidos contendo enxofre (metionina e cisteína) gera ácido sulfúrico, contribuindo para a acidose. Porém, quando este ácido entra no sangue, ele é tamponado pelo bicarbonato em uma reação que resulta em um sal neutro (NaSO4), gás carbônico e água. O CO2 é eliminado pelos pulmões e o sal é transportado para os rins.


Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732008000100010


  Pela teoria da Dieta Alcalina, a excreção ácida renal é bastante influenciada pelos alimentos. Por isso, existem modelos matemáticos para estimar a carga ácida potencial em alimentos. Os alimentos ácidos seriam os alimentos como carne e alimentos industrializados e embutidos, enquanto que os alcalinos seriam frutas e minerais. Logo, defende-se que a ingestão dos alimentos alcalinizantes poderiam contrabalancear os efeitos negativos de uma dieta rica em alimentos ácidos.

  Mas isso faz sentido?

  Bem, ingerir algo ácido ou básico não irá impactar diretamente no pH do nosso sangue. Do contrário, ao ingerir algum refrigerante a base de Cola (ácidos), teríamos problemas oriundos dessa flutuação de pH sanguíneo. Há várias experiências que mostram que expor um osso de galinha à coca-cola por algum tempo faz com que o osso se dissolva e no entanto, sabemos que as pessoas ingerem tais bebidas com grande frequência e no entanto não apresentam sintomas de acidose, logo, o organismo tem os mecanismos para se manter estável. Acontece que o que ingerimos terminará sempre com o mesmo pH no intestino, independente do seu pH inicial, e só depois de passar pelo intestino é que atingirá o sangue.

  De fato há estudos que mostram que o pH em volta de células tumorais tende a ser mais ácido devido às diferenças metabólicas entre as células normais e tumorais. Mas, até o momento, não existem evidências científicas fortes para apoiar a teoria de que os tais alimentos alcalinizantes teriam um efeito protetor ao câncer devido a estas alterações de pH.

   Então não há associação entre uma alimentação rica em frutas e minerais e a prevenção do câncer?

   Lógico que há! Pois os ditos alimentos alcalinos são saudáveis e todos sabem que uma dieta rica em frutas e minerais melhoram o metabolismo, a função intestinal e o funcionamento de todo o organismo. Porém, segundo o Instituto Americano de Pesquisas sobre o Câncer (American Institute for Cancer Research), provavelmente, os benefícios estão relacionados à dieta balanceada e rica em nutrientes e minerais, e não com o tal potencial alcalino.

  Para finalizar este post, gostaria de esclarecer que o conteúdo de hoje é uma discussão sobre um conteúdo básico da disciplina de Bioquímica e que pretende demonstrar que a química aplicada a sistemas biológicos é muito interessante. Como farmacêutica, não estou apta a sugerir dietas. Isso é com os nutricionistas, profissionais pelos quais tenho o maior respeito e tenho o orgulho de atualmente ministrar aulas de disciplinas básicas. 

2 comentários:

  1. Excelente post! Deu até mais um motivo para minha curiosidade aumentar para as próximas aulas. Adorei.

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    1. Que ótimo Roberta! A bioquímica é muito interessante e importante para os nutricionistas e há muitas coisas legais para discutirmos! Beijo

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