terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Designer Drugs: a toxicidade dos derivados piperazínicos

   A lógica das designer drugs é produzir pequenas diferenças na estrutura química de uma droga conhecida, fazendo com que ela tenha efeitos semelhantes mas que ainda não seja proibida, burlando a legislação. No Brasil, a legislação que define as substâncias proibidas e sujeitas a controle especial é a Portaria 344 da ANVISA. Um pouco sobre esta problemática é abordado nesta reportagem com as drogas metilona e 25i: 





    Então a legislação é mal feita?
  Não exatamente. O problema é que a legislação é atualizada periodicamente, mas até a invenção da droga, as primeiras apreensões (descoberta que ela existe) e a atualização da lista existe um "gap" que é frustrante para qualquer perito.

   Um grupo de designer drugs são as piperazinas. Nos últimos anos, o Marcelo Dutra Arbo se dedicou ao estudo dos mecanismos de toxicidade destas drogas nos diferentes possíveis alvos (fígado, coração e neurônios). Para isso, ele utilizou modelos celulares, realizando estudos in vitro. Através destas técnicas, o Marcelo verificou que o mecanismo de toxicidade de 4 representantes do grupo das piperazinas envolve desequilíbrios energéticos por ação nas mitocôndrias das células. Nos hepatócitos, esses efeitos resultam em stress oxidativo. Hoje é o dia da defesa da tese de doutorado do Marcelo na Universidade do Porto.  Então, convidei o Marcelo para uma entrevista exclusiva para o nosso blog falando um pouco sobre as piperazinas.

   O Marcelo é farmacêutico com habilitação em Análises Clínicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a partir de hoje, doutor em Ciências Farmacêuticas - Especialidade Toxicologia pela Universidade do Porto (Portugal). Tem experiência em toxicidade de produtos naturais usados como emagrecedores, trabalhou por 2 anos no Núcleo de Análise Laboratorial do Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul e atualmente trabalha com novas drogas de abuso sintéticas. Desenvolveu tese de doutorado com o tema avaliação da toxicidade de drogas de abuso derivadas da piperazina sob orientação da Prof. Dra. Helena Carmo, que foi desenvolvido no Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (Porto, Portugal), Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Porto, Portugal) e Leibniz Research Centre for Working Environment and Human Factors (Ifado, Dortmund, Alemanha). 


Paracelsus para Todos: O que são designer drugs e por que é tão difícil a sua fiscalização?
Marcelo - Designer drugs são drogas sintéticas e a fiscalização é difícil porque elas são produzidas a partir de uma outra droga, sintética ou não, porém proibida pela legislação. A partir dessa substância proibida, são feitas, por síntese química, algumas pequenas modificações na molécula, como adição ou substituição de algum grupamento molecular na estrutura química básica, onde se consegue criar um novo composto, porém com os mesmos efeitos, ou efeitos muito semelhantes, a droga anterior proibida. Esse novo composto, por ser novo e apesar de manter as características de droga de abuso, não esta previsto na legislação e dessa forma se consegue driblar a lei.

Paracelsus para Todos: O que são e como surgiram as piperazinas? Elas são drogas no Brasil? 
Marcelo - As piperazinas são derivadas de um vermífugo, que já foi muito utilizado em medicina humana e veterinária mas atualmente é mais utilizado em veterinária. O vermífugo não possui nenhum efeito sobre o sistema nervoso humano, porém os derivados utilizados como droga de abuso conseguem atingir o cérebro e causar efeitos estimulantes e alucinógenos. Elas foram descobertas a partir de novas substâncias que foram testadas como antidepressivos nos anos 70 e 80, mas devido à toxicidade e potencial para causar dependência as pesquisas foram interrompidas. No fim dos anos 90 as substâncias foram redescobertas e começaram a ser utilizadas como drogas de abuso. No Brasil, algumas destas substâncias são drogas proibidas (BZP, mCPP e TFMPP). Desde 2006 há relatos de apreensão de comprimidos pela Polícia Federal, vendidos supostamente como ecstasy, mas que na realidade contém derivados da piperazina. Isso acontece porque os efeitos relatados pelos usuários são muito semelhantes ao do ecstasy que, apesar de também ser uma droga de abuso, quimicamente é um composto muito diferente. Apesar de as piperazinas serem consideradas drogas de abuso e proibidas em muitos países, elas são muito utilizadas na em países da Europa como Grã-Bretanha e Holanda, e Nova Zelândia, onde até 2008 elas eram vendidas livremente.

Paracelsus para Todos: Quais os efeitos que as piperazinas provocam em seres humanos?
Marcelo - Os efeitos são muito semelhantes aos do ecstasy e incluem euforia, agitação, aumento do vigor, sensação de bem-estar. Entre os efeitos adversos náuseas e vômitos, taquicardia e aumento da pressão e convulsões.

Paracelsus para Todos: Quais os mecanismos pelos quais elas provocam estes efeitos?
Marcelo - De modo geral os derivados atuam no cérebro de 3 formas: aumentam a liberação de neurotransmissores (dopamina, noradrenalina e serotonina), inibem a recaptação desses neutransmissores e ligam-se a receptores dopaminérgicos e serotoninérgicos. O que é diferente é a afinidade de cada derivado, alguns, como a benzilpiperazina (BZP) atuam mais em receptores dopaminérgicos enquanto outros, como a trifluorometilfenilpiperazina (TFMPP) tem maior afinidade por receptores serotoninérgicos.

Paracelsus para Todos: Quais os futuros desafios para os estudos com piperazinas?
Marcelo - Ao meu ver, o futuro não só dos estudos com piperazinas, mas das drogas em geral, é avaliar os efeitos desses compostos em misturas, porque os usuários consomem normalmente essas substâncias associadas ao álcool e tabaco, quando não consomem mais de uma droga na mesma noite. Mesmo dentro das piperazinas, os comprimidos muitas vezes contém mais de um derivado, uma mistura muito comum é a BZP e TFMPP no mesmo comprimido ou cápsula. Isso é importante porque nesses casos a toxicidade das substâncias pode ser maior e efeitos não previstos quando se estudaram essas substâncias isoladamente podem ser observados.

O Marcelo e eu, no Salão da Stadshuset, onde é realizada a cerimônia do Prêmio Nobel, em Estocolmo. Como hoje ele defende o doutorado, escolhi uma foto inspiradora, mesmo não sendo a nossa melhor foto! :)


   Quem se interessar mais pelo tema, pode consultar os trabalhos científicos do Marcelo com as piperazinas nos seguintes links: 


Revisão bibliográfica sobre as piperazinas como drogas de abuso


Aspectos analíticos e biológicos das designer drugs


Mecanismos de toxicidade cardíaca mediada pelas piperazinas

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