segunda-feira, 27 de julho de 2015

O que esperar do blog no segundo semestre de 2015

   Depois do curto recesso de julho, marcado pelas férias dos alunos, voltamos com força total. Recentemente, me deparei com uma reportagem que a manchete era "Atenção: este alimento contém DNA!". Tratava-se da constatação da dificuldade de comunicação entre o mundo acadêmico e o mundo real, pois uma pesquisa promovida pelo Departamento de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Oklahoma, nos Estados Unidos constatou que 80% dos entrevistados eram a favor da rotulagem obrigatória de "alimentos contendo DNA". Porém esta rotulagem é completamente irrelevante uma vez que praticamente tudo que ingerimos contém DNA pois os animais e os vegetais, como são seres vivos, possuem DNA. Logo, todo alimento derivado destes compostos também terá DNA e as organelas presentes nas células. Este dado mostra que embora estes conceitos sejam muito claros para a comunidade científica, existe um desconhecimento por parte da população em geral, o que muitas vezes gera um pânico desnecessário. Ainda sobre "conter DNA", lembro de uma propagando de uns anos atrás de uma marca de shampoo que continha "DNA vegetal". Mas que belo apelo de marketing para dizer que o tal produto tem componente vegetal, não é?
 Tá aqui ó: um shampoo com DNA vegetal...

    Então, o blog nasceu da necessidade de abordar assuntos que "extrapolam a sala de aula" e trazer os debates e assuntos que comento com os alunos em aula para o ambiente virtual, onde eles podem participar ativamente se quiserem e dividir este conteúdo com os amigos, familiares... Pois nunca é demais falar em ciência. Assim, a proposta do blog também vem de encontro com esta demanda e visa falar em linguagem muito simples e para leigos sobre assuntos que tratamos no mundo acadêmico, tentando diminuir a distância entre a Academia e o mundo real.

   Na mesma reportagem anteriormente citada, abordou-se o resultado de uma consulta realizada pelo Pew Research Center em parceria com a Associação Americana para o Avanço da Ciência, com a intenção de comparar a percepção dos leigos versus da comunidade científica sobre alguns temas polêmicos. Os resultados foram discrepantes:

 - Enquanto 88% dos cientistas acreditam que os transgênicos são seguros, apenas 37% dos leigos tem a mesma opinião;
- 98% dos cientistas acreditam que os seres humanos evoluíram ao longo do tempo, mas só 65% dos leigos tem esta ideia;
- 87% dos cientistas acreditam que as mudanças globais são relacionadas com a atividade humana, mas só 50% dos leigos reconhece a culpa da nossa espécie;
- 86% dos cientistas são a favor das vacinas obrigatórias na infância, mas só 68% da população concorda (tendência preocupantemente em crescimento!)

  Mesmo na comunidade científica não há consenso em muitos temas. Uma ressalva importante de ser feita é que existem "cientistas e pseudocientistas", mas enfim, ainda assim a percepção leiga e acadêmica é bastante discrepante. Estes resultados se aplicam à sociedade americana, mas acredito que no Brasil, resultados semelhantes ou ainda mais díspares seriam encontrados, razão pela qual acredito que todos os indivíduos que tem a chance de cursar o Ensino Superior devem ter o compromisso de aproveitar esta oportunidade e realmente crescer, além de instruir e contribuir positivamente para a sua realidade.

  Neste semestre, vários temas interessantes passarão por aqui. 

  Uma das disciplinas que vou ministrar é a disciplina de Imunologia, para três cursos diferentes (enfermagem, nutrição e farmácia). Neste campo, há muito para ser discutido! Em um mundo onde as correntes anti-vacinação estão em crescimento, cabe esclarecer alguns aspectos deste contexto. Nesta realidade, os futuros enfermeiros tem um grande compromisso de esclarecer e mobilizar os pacientes, participando ativamente das campanhas nacionais de vacinação. Outro aspecto importante dentro do domínio da Imunologia é o crescimento das alergias, cada vez mais frequentes. Quais as teorias  que tentam explicar este aumento? Por que nosso organismo rejeita alguns alimentos que antigamente tolerava? Aqui cabe discutir desde as reações a alérgenos clássicos como amendoim e camarão até a lactose e o composto da moda, o glúten! Para os nutricionistas, também cabe discutir a possibilidade que alguns alimentos tem de afetar o nosso sistema imunológico e as particularidades de pacientes imunodeprimidos, por exemplo. E para a farmácia, esta é uma disciplina muito rica, pois fundamenta várias metodologias que serão utilizadas em laboratório futuramente e também aborda a atenção ao paciente com hipersensibilidade, imunodeficiência e medicamentos que afetam o sistema imunológico (desde um antiinflamatório até o anticorpos monoclonais). 

   Outro assunto que vai rolar por aqui é Toxicologia e Higiene dos Alimentos, uma disciplina que eu adoro ministrar para a Engenharia de Alimentos. Nesta área temos muito a esclarecer pois volta e meia surge uma onda de pânico relacionado a algum alimento. Algumas vezes, até existe razão para tal (lembram do escândalo da adulteração do leite com formol?), já outras não passam de boatos infundados e por isso temos um rico conteúdo.

   Na disciplina de Bioquímica, será discutido toda a base da bioquímica, que é uma disciplina muito importante para o Curso de Nutrição, uma vez que são estas reações que estão envolvidas na geração de energia, no catabolismo ou anabolismo desejado, na termogênese, mobilização de carboidratos e proteínas, etc... Muito metabolismo nos espera!

   Na disciplina de Hematologia Clínica para a Farmácia falaremos sobre as anemias (tipos, tratamentos, técnicas de diagnóstico, orientações para os pacientes), leucemias e distúrbios de coagulação. Esta é uma disciplina muito interessante para este curso pois além do interesse para as Análises Clínicas, considerando que o hemograma é o exame mais solicitado é fundamental para um farmacêutico saber interpretá-lo com propriedade. Teremos visitas técnicas e discutiremos os aspectos clínicos e também laboratoriais.

  Portanto, será um semestre que promete ser rico em possibilidades. Desejo a todos os alunos um excelente semestre, que participem deste espaço e que possamos construir juntos uma aprendizagem crítica e útil!




quinta-feira, 11 de junho de 2015

Amor, uma questão de química

Em homenagem ao dia dos namorados, o assunto de hoje no blog é o amor!



O que faz com que o seu coração acelere na presença de alguém especial? O frio na barriga, mãos suando, respiração alterada, bochechas coradas, olhar perdido e aquele contentamento com uma simples mensagem são manifestações biológicas da paixão. E por trás deste quadro, há a química governando tudo. É a química que faz com que você sinta isso tudo por algumas pessoas e por outras não. Afinal, quando "não rola", muitas vezes assumimos que "não houve química", certo?

Logo, o amor é o resultado das reações químicas que ocorrem no nosso cérebro e o amor tem uma função biológica importantíssima: garantir a propagação da espécie. Sabe-se que, embora seja muito melhor quando andem juntos, o sexo e o amor nem sempre coexistem. E por isso você pode questionar a minha afirmação pois o que de fato garante a propagação da espécie é o sexo. Porém, evolutivamente, existe uma teoria de que em uma relação estável, as chances de criarmos com sucesso os nossos descendentes são muito maiores. Embora a estratégia monogâmica seja menos empregada pela maioria dos animais, os animais que optam por esta estratégia o fazem pois gastam muita energia fornecendo um ambiente para a criação da prole (construção do ninho, prover alimentos, etc... e é uma economia de energia investir tudo isso em uma única família do que em várias). Também há vários evolucionistas que defendem que a poligamia é a mais natural e inteligente das estratégias porque tem a vantagem de permitir um maior acesso a genes diferentes, produzindo indivíduos com maior variabilidade. Porém, como há redução da energia gasta nos cuidados com a prole, na natureza está associada a uma maior mortalidade infantil e os indivíduos que tem mais sucesso com esta estratégia são pertencentes de espécies menos dependentes de cuidados paternos. Mas enfim, como o assunto de hoje é mais químico do que evolucionista, apesar do assunto ser muito interessante, fiquemos cada um com a sua estratégia e voltemos a este tópico no futuro.

Voltando à química:

Ao se apaixonar, observa-se muitas manifestações associadas ao sistema nervoso simpático, que didaticamente é apelidado do sistema "fuga ou luta". Embora na situação da paixão, a única batalha que queremos travar é a luta pelo coração amado, esse sistema provoca alterações que nos capacitam para fugir ou lutar. As pupilas dilatam para poder ver ao longe, a frequência cardíaca aumenta para que todo o organismo esteja com um bom suprimento de oxigênio, há também um aumento da frequência respiratória, e aumento da glicogenólise para fornecer substratos para uma importante batalha.
 Todas estas reações são governadas pela liberação de adrenalina e noradrenalina, e este circuito mobiliza recursos para lidar com situações ameaçadoras. E se 'amar é dar ao outro a capacidade de te destruir, esperando que ele não o faça", não há nada mais ameaçador que a paixão.  



Além da adrenalina e da noradrenalina, a dopamina tem um papel muito importante na química do amor. É o neurotransmissor envolvido no sistema de recompensa, que é o sistema que é ativado quando há um reforço positivo (um bem estar) após um estímulo prazeroso como um alimento que você gosta, o sexo, um divertimento. Quando o primeiro beijo é bom, há uma descarga de dopamina no circuito de recompensa e o seu organismo aprende que este estímulo lhe causa prazer. Assim, buscará este estímulo mais vezes, sendo considerado um mecanismo de autopreservação. O sistema de recompensa é constituído pelo sistema mesolímbico-mesocortical, onde existem projeções de neurônios dopaminérgicos que produzem uma descarga de dopamina quando há um estímulo positivo. Este sistema foi descoberto em uma experiência com roedores onde provocou-se estímulos elétricos em diferentes regiões cerebrais. Quando esta região era intensamente estimulada, observou-se que os animais se sentiam atraídos por buscar o dispositivo que lhes causava este estímulo elétrico, chegando a se desinteressar por outras atividades que também eram prazerosas, como se alimentar e dormir. Alguma semelhança com as primeiras fases da paixão, quando só conseguimos pensar no ser amado o tempo todo e a única opção que nos contenta é estar na sua presença??



No auge da paixão, as endorfinas são responsáveis pela euforia e a sensação de incontrolável felicidade de se descobrir apaixonado e pensar em um futuro a dois. Porém esta fase inspira alguns cuidados pois este coquetel químico "embaralha" o cérebro e embaça a nossa percepção.  É uma fase em que as áreas do prazer e relaxamento encontram-se ativadas em detrimento das áreas da capacidade de julgamento. Assim, foca-se apenas nas qualidades do ser amado, com pensamentos obsessivos e consequente aumento das expectativas.

Mas esta fase passa. Ocorre uma dessensibilização e o nosso organismo se acostuma. Por isso o primeiro beijo nos provoca esse coquetel de reações e o 434394 beijo, embora possa continuar sendo tudo de ótimo, não causa uma reação assim tão intensa. Se no início da relação qualquer "Oi" no whats app era suficiente para uma descarga simpática, com o passar do tempo é preciso caprichar nos estímulos. Nesta fase, podem ocorrer alguns desencantamentos, quando de fato os defeitos que estavam camuflados começam a ser percebidos.

Mas não acaba por aí. Nos casais que conseguem consolidar o amor, outros hormônios assumem o protagonismo: a ocitocina é responsável pela criação de vínculos, amor romântico e durabilidade da relação. Nas fêmeas, também está associada ao comportamento materno e à lactação. Se  não rolar produção de ocitocina, não se desenvolve o vínculo duradouro.

E você, como vai passar o seu dia dos namorados? Desejo que todos encontrem sempre uma forma saudável de estimular o seu sistema mesolímbico-mesocortical, e aos que desejarem uma relação duradoura, que ela seja repleta de ocitocina, com rompantes de adrenalina, endorfinas e muita dopamina!

Este assunto também foi abordado aqui, neste livro e neste, que recomendo a leitura para quem se apaixonou pelo assunto.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Monitorização terapêutica de medicamentos

   No dia 28 de maio, o Grupo de Pesquisa em Infecções Hospitalares da Faculdade de Medicina da UPF, com o apoio da Liga de Infectologia da UPF promoverá a palestra: Monitorização sérica de antimicrobianos: como garantir o sucesso terapêutico no tratamento das infecções graves no ambiente hospitalar (maiores informações no folder abaixo). 


    Esta palestra será ministrada pela farmacêutica Siomara Hahn, que é também professora da UPF e neste momento realiza projetos de pesquisa nesta temática na Universidade do Porto, Portugal. 
      
     Este é um assunto muito relevante nas ciências farmacêuticas, e por isso, pedi para a aluna do Curso de Farmácia, Ana Paula Anzolin Sordi, que participa da liga de infectologia e desenvolve trabalhos com a orientação da Prof. Cristiane Barelli, para falar um pouco sobre o assunto.

   Inicialmente, a Ana Paula trouxe dados muito importantes e preocupantes: O Instituto Americano de Medicina publicou um estudo em 2000 onde mostrou que os erros de medicamentos causaram 7391 mortes por ano de americanos nos hospitais e mais de 10.000 mortes em institutos ambulatoriais. Destes inúmeros erros, aproximadamente 50% tem relação com à falta de informação sobre a dose correta. Todos esses erros aumentam muito o custo de cada paciente para os hospitais. Em 1997 os EUA tiveram um custo de 76,6 bilhões de dólares referente a morbidade e mortalidade em unidades de ambulatório relacionadas aos medicamentos sendo que 60% destes custos poderiam ter sido evitados, pois cada evento adverso a medicação, aumenta a internação de pacientes em 3,23 dias e o custo em $ 4,655 dólares.

    E é aí que entra a monitorização terapêutica, que seria a dosagem das concentrações que o medicamento atingiu no sangue de cada pessoa para ajuste da dosagem. A Ana Paula explica:

   Ao prescrever uma droga terapêutica a um paciente, o médico leva em conta as doses e os intervalos que os medicamentos devem ser administrados para que possam ter o resultado desejado. Entretanto, diversos fatores (do paciente e do fármaco) podem interferir na resposta terapêutica, por isso é necessário e tão importante a sua monitorização, pois a mesma avalia a posologia do fármaco no organismo, para ter melhores efeitos terapêuticos e evitar a ocorrência de efeitos adversos ou, no caso dos antibióticos, resistência bacteriana por ter uma sub-dose. É a monitorização que vai dizer se a dose esta alta, baixa ou ideal. Se estiver ideal o tratamento continua com a dose que iniciou, se estiver alta ou baixa será feito um ajuste de dose para atingir a janela terapêutica, ou seja, uma faixa de concentração onde o medicamento é eficaz, que tem efeito clínico e que não seja tóxico. 

Portanto a monitorização terapêutica é imprescindível para o sucesso do tratamento, para promover a segurança do paciente e para uma economia financeira dos hospitais.

Obrigada Ana Paula por atender prontamente a minha solicitação e participar deste post! :)


segunda-feira, 25 de maio de 2015

A contaminação ambiental por resíduos de medicamentos: isso é problema seu!

   No último sábado, eu, o professor Luciano e a professora Charise estivemos no programa Uirapuru Ecologia, na rádio Uirapuru para falar sobre a problemática da contaminação ambiental por resíduos de medicamentos.


   O descarte incorreto de medicamentos (vencidos ou aqueles em desuso) contamina os efluentes e o ecossistema e já há estudos associando esta contaminação com efeitos deletérios nos animais e até mesmo ao homem. Esses resíduos de medicamentos e até mesmo protetores solares são definidos como "contaminantes emergentes", pois o seu potencial de causar dano já é conhecido. Além do descarte incorreto, a contaminação por medicamentos acontece porque uma parte dos medicamentos que tomamos é eliminada na forma inalterada ou como metabólitos (muitas vezes ativos) pela urina. Apesar destes resíduos estarem presentes em quantidades muito baixas, vale lembrar que esta contaminação acontece de maneira contínua. São 7 bilhões de pessoas excretando resíduos de medicamentos que contaminam o ambiente, além daquelas que descartam os medicamentos de forma incorreta.
  
   Sabe-se que 1kg de medicamentos descartados de forma incorreta podem contaminar até 450 mil L de água. E o nosso padrão de potabilidade de água ignora esta contaminação de medicamentos, ou seja, não são considerados testes para verificar esta situação e nem existe na legislação algum limite ou tratamento da água visando minimizar esta contaminação. Por isso, não é novidade que a água que você toma contém resíduos de medicamentos. Portanto, isso também é problema seu! 

    Aos cientistas, cabe fornecer uma alternativa para tratar nossos efluentes e minimizar esta contaminação (aqui tem um exemplo de alternativa que vem dando certo). E você, o que pode fazer?

    Ouça aqui o áudio do programa Uirapuru Ecologia onde discutimos estas questões, as suas consequências, possíveis alternativas e o que você pode fazer para garantir a estabilidade do seu medicamento e o seu descarte correto.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Purificadores de ar a base de ozônio: eficácia e segurança

   O ozônio é um composto que apresenta a ambiguidade de ser considerado vilão ou mocinho em determinadas condições. Ao mesmo tempo que são feitas campanhas para preservar a camada de ozônio, este composto também pode ser considerado um poluente (é tratado como tal pela nossa legislação do CONAMA, Resolução 003/90). E apesar de ser um poluente, alguns "purificadores de ar" realizam a sua função através de geração de ozônio. 
   Soou estranho purificar o ar com um poluente? Para muita gente também! Então hoje vamos falar sobre um projeto que tive o prazer de participar, que foi coordenado pela Prof. Charise Bertol, onde se testou a eficácia e a segurança destes purificadores de ar.

  Primeiramente, algumas definições:
 O ozônio é um gás  colorido, em tons de azul, composto por 3 moléculas de oxigênio. Ele se forma quando as moléculas do oxigênio (O2) se rompem pela ação da radiação ultravioleta do sol. Os átomos separados podem se combinar novamente com outras moléculas, gerando o ozônio (O3).
   A atmosfera tem várias camadas, conforme demonstrado na figura abaixo. A camada de ozônio fica localizada na estratosfera, em uma altitude de 16 a 30km. Esta camada serve para absorver as radiações ultravioletas que vem do sol.


Camadas da atmosfera. Fonte: http://www.mundoeducacao.com/quimica/equilibrio-quimico-na-camada-ozonio.htm


Camada de ozônio na estratosfera, que atua como um escudo para as radiações ultravioletas do sol. Fonte: http://www.ibflorestas.org.br/noticias/584-16-de-setembro-dia-internacional-de-protecao-da-camada-de-ozonio.html

   Já na troposfera, que é a camada mais próxima da superfície da Terra, o ozônio é considerado um poluente secundário. Ou seja, é formado a partir de outros poluentes atmosféricos, como o dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis na presença de radiação solar. O ozônio da troposfera contribui para o agravamento de crises de asma, bronquites e doenças respiratórias no geral. 
   Existem no mercado "purificadores de ar geradores de ozônio". São equipamentos pequenos, portáteis (como o da figura abaixo) e que prometem melhorar a qualidade do ar.


Exemplo de purificador de ar gerador de ozônio.

   O fundamento da utilização do ozônio como purificador de ar se deve ao seu efeito oxidante. Os fabricantes informam que estes purificadores produzem íons que removeriam micro-organismos do ar. O mecanismo desta ação se fundamenta no ataque do ozônio às membranas e paredes celulares, sendo capaz de causar uma situação de stress oxidativo e consequentemente, o rompimento das células dos patógenos. Porém, alguns autores questionam esta atividade. Esta corrente defende que, em concentrações seguras para os seres humanos o ozônio seria ineficaz como descontaminante ou purificador de ar. Em concentrações acima das permitidas, a eventual purificação atingida não se justificaria porque os efeitos negativos do ozônio para a saúde seriam mais prejudiciais do que o benefício conseguido.
  
  Então, primeiramente, vamos aos nossos resultados relativos à eficácia destes purificadores de ar. Posteriormente, voltaremos à questão da segurança:

   Nós testamos o efeito de um purificador de ar (marca Brizzamar) comparando os micro-organismos cultivados em presença do purificador e na ausência do mesmo. Os resultados mostraram que após 1 h de uso do purificador de ar gerador de ozônio, houve uma redução significativa dos fungos presentes no ambiente (72.22%). Após 2 e 3 h de funcionamento do purificador, a redução atingiu 83.43%  e 89.71%, respectivamente. Com relação às bactérias presentes no ar, observou-se uma redução de 34.75% após a primeira hora de funcionamento do equipamento, 74.82% após 2 h e 78.02% após 3 h. O modelo experimental utilizando dois diferentes vírus (BoHV-1 - vírus da herpes bovina e HSV-1 Herpes simplex virus) evidenciou que após 3 h de exposição ao ozônio houve uma redução acima de 90% nos dois vírus utilizados. E nestas condições, a eliminação dos vírus aconteceu sem efeitos citotóxicos para a célula hospedeira. 

Conclusão: Houve uma melhora na qualidade microbiológica do ar após a exposição ao purificador de ar gerador de ozônio. Os melhores resultados foram obtidos após 3 h de funcionamento, conforme recomendado pelos fabricantes.

 E a segurança do uso?

  Como o ozônio é um poluente oxidante, existem níveis considerados seguros de exposição. No ambiente de trabalho, por exemplo, a OSHA (Occupational Safety and Health Administration)  recomenda um limite de 0.1 ppm de ozônio para uma jornada de trabalho de 8 h. No Brasil, o Ministério do Trabalho, através da NR 15, fixou em 0.08 ppm de ozônio como o limite máximo de exposição em regime de até 48 h semanais.
    Nos nossos estudos, a concentração do ozônio no ambiente foi medida e sempre ficou abaixo de 0.05 ppm, o que sugere a segurança do purificador. Este dado é importante porque depõe contra o possível efeito cumulativo do ozônio. Então, para confirmar este achado, colocamos o purificador gerador de ozônio em uma caixa até que ela se encontrasse saturada de ozônio (concentração de ozônio após saturação da caixa = 3.7 ppm). Cinco minutos após desligar o equipamento, os níveis de ozônio reduziram drasticamente (50%) e após 30 min, a concentração de ozônio na caixa era inferior a 5%. 

   Ainda assim, realizamos ensaios in vivo para verificar os possíveis efeitos agudos e crônicos do ozônio, especialmente no trato respiratório. Para isso, ratos foram expostos por 15 dias a uma exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia (conforme recomenda o fabricante) ou 24 h/dia (uma situação extrema). Outro grupo foi exposto por 28 dias à exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia ou 24 h/dia. Os resultados foram comparados com animais mantidos sem qualquer exposição ao gerador de ozônio (controles). Os parâmetros avaliados foram a massa relativa dos órgãos, alterações macro e microscópicas dos órgãos, parâmetros hematológicos e marcadores de stress oxidativo sistêmico, além de ensaios de mutagenicidade. 
      Não houve alterações significativas nos animais expostos ao ozônio em nenhuma condição quando comparado aos animais controles.

Conclusão: Neste modelo de exposição, o purificador de ar gerador de ozônio pode ser considerado seguro.

    Se você quiser saber mais sobre estes estudos, aqui você encontra o artigo do trabalho com fungos e bactérias e aqui você encontra o trabalho com os vírus. Os ensaios de avaliação da qualidade microbiológica do ar foram realizados como Trabalho de Conclusão de Curso das alunas Greicy Petry, Karoline Vieira e Angelica Vilani, orientadas pela Prof. Charise Bertol. A avaliação da toxicidade foi realizada pela aluna Larissa Cestonaro e encontram-se submetidos para a publicação. Estes trabalhos foram desenvolvidos no âmbito do projeto Sentinela - UPF Tec.



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Quando a farmácia é vista como estabelecimento de saúde, há serviços farmacêuticos

  Esta semana, recebemos no nosso curso o farmacêutico Luciano Adib (CRF-RS) para a conferência de abertura do ano letivo do Curso de Farmácia, com o tema "Serviços Farmacêuticos e Lei 13021/2014".

    A Lei 13021 de 2014 é a Lei que define a Farmácia como um estabelecimento de saúde. Esta lei é muito importante, pois reitera a obrigatoriedade da presença do farmacêutico enquanto a farmácia estiver aberta. Isto significa que se a farmácia estiver aberta, deverá ter um farmacêutico presente: mesmo se for à noite, sábado, domingo ou feriado. O proprietário da farmácia assume que a condição para manter aberto o seu estabelecimento é proporcionar um atendimento profissional para os seus clientes. Caso isto não seja cumprido, configura-se um verdadeiro descaso com o paciente, além de ser uma conduta contrária à norma legal, devendo portanto ser reportado aos órgãos fiscalizadores. 

    O farmacêutico é capacitado para avaliar a sua prescrição e verificar se não há nenhuma incompatibilidade com o medicamento prescrito e os demais medicamentos usados, esclarecer dúvidas quanto ao melhor horário para tomar a medicação, possíveis efeitos adversos e colaterais, contraindicações e interferências medicamentosas e com os alimentos. É um profissional que estuda a química por trás do seu medicamento, seus efeitos no seu sistema biológico e também a tecnologia envolvida na fabricação deste medicamento. Por isso, acredito muito na atenção farmacêutica como meio de otimizar as terapias e recomendo sempre que você seja atendido por um farmacêutico na farmácia. É seu direito! Caso este direito lhe seja negado, denuncie! Você pode reportar essa irregularidade para o Conselho Regional de Farmácia aqui!

   A mesma lei também garante que as farmácias serão tratadas como verdadeiros estabelecimentos de saúde e não como um mero comércio, onde se passa a imagem de que se vende saúde e se empurra uma enorme quantidade de medicamentos, explorando a vulnerabilidade do paciente. E se é um estabelecimento de saúde, significa que de todas as possibilidades que você tem de contato com um profissional da saúde, a farmácia passa a ser o local mais acessível, uma vez que estão espalhadas por todos os lugares. 



   Neste contexto, consolidam-se os Serviços Farmacêuticos, que são definidos como: 
- Atenção farmacêutica domiciliar
-Aferição de parâmetros fisiológicos: temperatura e pressão arterial
- Verificação da glicemia
- Administração de medicamentos injetáveis e inalantes
- Perfuração de lóbulo para colocação de brinco
-Curativos simples

  Para falar sobre a prestação destes serviços, convidei duas farmacêuticas: 

  A Alessandra Rauber é responsável pela Vida Farmácias, localizada na Rua Uruguai, esquina com a Rua Tiradentes, em Passo Fundo. A Ale foi minha aluna e é uma das proprietárias desta farmácia. Admiro muito o empreendedorismo da Ale em se "aventurar" (se é que se pode dizer isso, pois não se trata de uma mera aventura, e sim de um sonho implementado com muita capacitação) na esfera privada e gosto muito do serviço dessa farmácia. Na Vida Farmácia os serviços farmacêuticos disponíveis são  aplicação de injetáveis, perfuração do lóbulo auricular, aferição de parâmetros: pressão arterial, Glicose capilar e temperatura corporal.

   A Éllen Manica é farmacêutica da Farmácia Santa Helena, de propriedade dos pais dela, em Soledade. Também sempre foi uma aluna dedicada e tenho certeza de que faz a diferença na farmácia. A farmácia Santa Helena oferece os serviços de aferição de pressão arterial, curativos simples, aplicação de injetáveis, perfuração de lóbulo auricular, verificação  de glicemia capilar e atenção farmacêutica.

  Segundo a Alessandra e a Éllen, os serviços farmacêuticos são um diferencial, pois poucas farmácias oferecem esse tipo de serviço. Por enquanto, Alessandra afirma que ainda não conseguiu ver um impacto na procura da população pela farmácia devido a estes serviços pois estão em fase de implantação, mas acredita que com o passar do tempo a procura aumentará. "Como profissional farmacêutico, é importante se diferenciar prestando assistência farmacêutica, tendo o cuidado de explicar para quê e como deverá ser utilizado o medicamento, tirando dúvidas que o cliente possa apresentar e também pelos serviços farmacêuticos oferecidos.", defende Alessandra.

  Na farmácia Santa Helena, onde estes serviços já foram implementados há mais tempo, a Éllen já consegue ver o impacto de oferecer um serviço mais completo aos usuários: "A nossa farmácia é uma farmácia pequena, localizada em um bairro distante do centro e possuímos algumas vantagens por isso. Os nossos pacientes são pessoas mais simples, que muitas vezes não sabem como utilizar o mais básico medicamento. Com certeza essas práticas fazem com que fidelizemos os nossos pacientes, que não necessitam recorrer à uma farmácia do centro para medir sua pressão, ou fazer um teste de glicose, por exemplo. Isso faz com que concentremos nossos pacientes perto de nós, consequentemente, nos permitindo acompanhar a evolução do quadro de cada paciente, o andamento dos seus tratamentos e que seja possível tentar implementar um atendimento farmacêutico mais eficiente.", comentou a Éllen, que acredita no diferencial do farmacêutico no bom atendimento ao paciente: "Logo que me formei levei um choque de realidade, pois tudo é diferente quando se está atrás do balcão sendo o responsável por um estabelecimento de saúde. O primeiro desafio é fazer os pacientes sentirem a diferença entre nós, farmacêuticos, e um balconista com experiência dentro da farmácia. Podemos achar que com a experiência desse balconista ele sabe mais até que nós sobre a prática da farmácia, porém não podemos nos deixar influenciar por esses pensamentos, pois logo fica evidente a diferença entre ambos. Nós podemos oferecer um parecer mais técnico, não somente o que está escrito na bula, nas quais os balconistas se guiam. Sempre há oportunidades de mostrarmos o nosso diferencial ao paciente. Sendo analisando um exame que o mesmo tenha, seja alertando sobre o uso incorreto de um medicamento, a prescrição errada de um medicamento, sempre temos como mostrar nossos serviços. Não podemos pensar e agir do contrário pois estudamos bastante para isso!"

  E com relação à capacitação para realizar os serviços farmacêuticos, Alessandra destaca: "Durante a faculdade já tinha planos de ter minha própria farmácia, então fui me preparando para isso, fiz vários cursos de injetáveis, participei de feiras de saúde, fiz estágios... Enfim, participei de todas as oportunidades que surgiram para aprender mais, pois apenas as aulas não são suficientes, para aprender mesmo só na prática. Pretendo continuar me capacitando, mas no momento, dedico meu tempo integralmente para a farmácia." Na mesma linha, Éllen complementa: "Me sinto apta para realizar os serviços que oferecemos, porém sinto que há muito o que estudar ainda. Os pacientes vem sempre com muitas dúvidas, e muitas vezes tenho que pesquisar e me informar para poder responder as suas dúvidas. Não sabemos tudo, mas temos que ter a noção da nossa limitação para que possamos trabalhar nela. Pretendo sim fazer alguma especialização, provavelmente na área de Farmacologia e Toxicologia para acrescentar valor aos meus serviços, podendo estar mais segura no meu trabalho e para obter maior conhecimento. Devemos estar sempre atualizados, pois no mundo farmacêutico há constantes mudanças, sempre novas coisas para se saber para podermos prestar o melhor serviço possível."


  

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Da obrigatoriedade de exames toxicológicos em cabelo e unha para renovação de carteira de motorista profissional

   Segundo as Resoluções 425 e 517 do CONTRAN, a partir de abril, será obrigatório realizar exame toxicológico para renovação da carteira nacional de habilitação, categorias C (condutor de veículo motorizado usado para transporte de carga, com peso bruto superior a 3.500 quilos), D (condutor de veículo motorizado usado no transporte de passageiros, com lotação superior a oito lugares além do motorista), e E (condutor de combinação de veículos em que a unidade conduzida se enquadre nas categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada ou rebocada tenha peso bruto de 6 mil quilos ou mais; ou cuja lotação seja superior a oito lugares; ou, ainda, que seja enquadrado na categoria trailer.). Estes exames são definidos na legislação como "exames toxicológicos de larga janela de detecção", utilizando como matriz de análise cabelos, pelos e unhas. Essa medida visa evitar os riscos associados à direção perigosa por parte dos motoristas profissionais, que muitas vezes são submetidos a péssimas condições de trabalho e fazem uso de "rebites" para aumentar o estado de vigília. Normalmente, o rebite é realizado com abuso de derivados anfetamínicos e até mesmo cocaína, conforme já foi abordado aqui no blog. 

   No entanto, essa alteração legal parece estar descompassada com a realidade e a ciência atual, razão pela qual a Sociedade Brasileira de Toxicologia se manifestou e encontra-se em processo de consulta pública para definição de uma Guideline oficial da Sociedade Brasileira de Toxicologia para análise de drogas em pelos e cabelos.

   Por que a legislação preconiza análise de cabelos, pelos e unhas? 
As substâncias químicas que ingerimos se depositam nos nossos cabelos através da corrente sanguínea, transpiração e da própria oleosidade da nossa pele. O cabelo cresce a uma taxa razoavelmente constante: cerca de 1cm por mês. Por esta lógica,  a análise de 1cm do cabelo fornece o histórico de consumo de drogas da pessoa naquele mês. Ou seja, uma pessoa que tem um cabelo de 15cm, teoricamente possibilitaria uma análise retrospectiva do seu consumo de drogas nos 15 meses anteriores.  Na resolução do CONTRAN, preconiza-se que os testes devem ser negativos no período de 90 dias anteriores. No entanto, é preciso ficar claro que essa taxa de crescimento não é igual para todas as pessoas, podendo variar de 0.7-1.5cm e que demora cerca de 5-6 dias para que o cabelo cresça da raiz à parte de cima do couro cabeludo, comprometendo essa precisão.
Considerando que um teste positivo de consumo de drogas pode implicar em suspensão do direito de exercer a profissão de motorista, o primeiro pensamento lógico seria raspar os cabelos. Em 2012, durante uma internação em uma clínica para tratar a dependência de drogas, Britney Spears chocou o mundo ao raspar os cabelos, possivelmente para escapar do exame toxicológico. 
   Nestas situações, na impossibilidade de coleta de cabelo, a legislação padroniza o uso de pelos e unhas. Neste caso, a correlação do crescimento é um pouco diferente, mas ainda permite uma análise retrospectiva. Logo, a razão para a adoção destas matrizes é que elas funcionam como uma "caixa-preta", mantendo um registro retrospectivo do consumo de drogas, ao contrário do sangue, ar exalado e mesmo da saliva, onde a presença de drogas revela um consumo recente apenas.
*Mais informações sobre análise nestas matrizes: http://chromatox.com.br/

E aí reside o primeiro descompasso legislativo: 
Diz a Lei 9.503/1997, artigo 165: Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: infração-gravíssima.

Um resultado positivo em um teste toxicológico em cabelo e unha não significa que o indivíduo dirigiu sob o efeito de drogas. Significa que ele utilizou, em algum momento (que pode ter sido durante a sua folga e nas mais diversas situações), tais drogas. Claro que o uso de drogas ilícitas é proibido em qualquer situação, mas neste caso, os motoristas profissionais estariam sujeitos a uma fiscalização muito maior que o cidadão comum (que também dirige), uma patrulha sem precedentes. Há os que defendem que estas profissões apresentam um risco para as vidas que estão sob sua responsabilidade e portanto esta medida é um grande avanço. Porém, é preciso lembrar que vários outros profissionais (profissionais da saúde, por exemplo) também encontram-se diretamente responsáveis pela vida de terceiros e os prejuízos cognitivos de um consumo crônico de drogas também pode impactar suas competências.
   E atenção, advogados, a própria resolução 425 diz que os resultados destes exames retrospectivos poderão ser disponibilizados via judicial para instrução de processo de acidentes de trânsito. Mas novamente, qual é o valor deste resultado se não significa que o indivíduo dirigiu sob o efeito de drogas? Só se estaremos admitindo como prova algo que (des)abone a conduta do cidadão, o que, novamente, é bastante controverso. Imagine você, cidadão comum que não é motorista profissional, que essa situação seria a seguinte: você se vê envolvido em um acidente de trânsito, mas no momento que isto aconteceu, não estava sob influência de nenhuma droga, lícita ou ilícita. No entanto, verificam no seu exame toxicológico que nos últimos meses você bebeu e consumiu drogas. Isso tem alguma relação com o fato pelo qual você estará sendo processado? Prevejo confusão!

   Há ainda várias incoerências técnicas na definição das drogas que seriam triadas, a falta de definição de um valor de cut-off e as metodologias admitidas nestes testes, todas elencadas na manifestação da Sociedade Brasileira de Toxicologia.

  E outro "detalhe" importante, é que, da forma como está redigida a resolução, não há nenhum laboratório brasileiro capacitado para realizar estes testes. Isso porque consta que serão aceitas as análises de laboratórios credenciados pela norma CAP-FDT, uma certificação norte-americana. Logo,  as amostras colhidas serão enviadas para os Estados Unidos. Além de prejudicar o acesso à contraprova por parte dos profissionais testados, essa medida favorece laboratórios internacionais em detrimento dos nacionais. No Brasil, existem laboratórios toxicológicos que possuem acreditação internacional ISO/IEC 1702 (ou seja, seguem padrões de excelência reconhecidos internacionalmente e ainda assim não poderão atuar). Esta acreditação é a norma internacionalmente aceita praticada no nosso país, fornecida pelo INMETRO. Então qual o embasamento/interesse para essa restrição?

  Ao que parece, mais uma vez temos uma alteração legal envolvendo um conhecimento técnico onde especialistas não foram consultados. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos!








sábado, 11 de abril de 2015

A roubada do suplemento alimentar para emagrecer

   Todos os anos, surge uma nova moda em termos de "produtos naturais emagrecedores". Desde sempre, tenho lembranças de reportagens e comentários informais recomendando determinados produtos, sempre com o apelo de que, por serem naturais, são seguros e também milagrosos, pois a tia da vizinha emagreceu muito após usar a poção mágica. Pensando friamente no discurso, parece mesmo a bobagem que de fato é, mas ainda assim, não passa um verão sem alguém me perguntar se o produto da moda funciona mesmo. Não surpreende que estas modas não durem mais do que um verão e o milagre do ano passado seja substituído na próxima estação.

   Durante o meu mestrado, trabalhei com um destes compostos, a sinefrina. A sinefrina é um composto presente em frutos do gênero Citrus sp (sim, as laranjas!) e comercializado com vários nomes, como por exemplo extratos de Bitter orange. Como sempre, o apelo de marketing destes produtos é que são "produtos naturais, e por isso seguros." No caso da sinefrina, existem diferentes isômeros estruturais, que são compostos com estrutura química muito semelhante, mas que diferem entre si em apenas uma posição da ligação com um grupamento OH (no caso da sinefrina). Sabe-se que a p-sinefrina é a que tem ocorrência natural e a m-sinefrina é sintética e utilizada como medicamento sob o nome de fenilefrina. Trabalhos do nosso grupo de pesquisa na UFRGS, orientados pela professora Renata Limberger e também realizados na Universidade do Porto, em Portugal, mostraram que de fato a p-sinefrina não tem um potencial tóxico relevante, mas também não funciona para emagrecer (do contrário, emagreceríamos muito tomando suco de laranja). Então, para que funcione, os produtores adicionam outros compostos a estes suplementos, como a fenilefrina, efedrina, anfetaminas, etc... ainda que estes compostos não venham descritos nos rótulos destes produtos. Continuam apelando com o "produto natural" quando na verdade o produto é uma farsa. E aí, o perfil de segurança muda completamente. Então, a conclusão desta história é que, em concentrações seguras, não tem efeito. Para ter efeito, as concentrações usadas são muito elevadas, com associações das mais diversas e isso geralmente compromete a segurança e causa toxicidade. 

   O exemplo da sinefrina ilustra a realidade dos suplementos alimentares usados com fins de emagrecimento. Estes produtos apresentam uma constituição bastante variada quer em seu conteúdo como nas doses dos princípios ativos. Um argumento bastante levantado por pessoas leigas é que os produtos naturais são seguros, "diferentes destes produtos químicos, como os medicamentos". Esse discurso é muito incoerente, pois no fim é sempre a química que governa o que vai acontecer no nosso corpo. Independente da sua fonte, se obtida de forma natural ou sintética, o que interessa é a molécula química e o seu comportamento in vivo. Logo, não existe vantagem nenhuma em ser natural ou não, muito embora se eu puder escolher, prefiro sempre um medicamento do que um produto natural. Por que? Porque a legislação que regula esses produtos naturais obriga os fabricantes a declarar a sua composição, mas não existe uma fiscalização rigorosa quanto a concordância dos teores reais
com o descrito nos rótulos. Dessa forma, muitos produtores aproveitam-se dessa lacuna legal e introduzem no mercado produtos de composição real que diferem dos teores declarados, quer por má índole ou mesmo por um controle de qualidade deficiente. Há relatos de suplementos que nem sequer continham o princípio ativo declarado, outros tinham 80% menos da quantidade que dizia ter e outros contendo 120% mais do que o declarado. Ou seja, não tem padrão e a única certeza parece ser de que você inevitavelmente comprará gato por lebre. Além disso, você estará adquirindo um produto que carece de estudos de segurança sérios, enquanto que para um medicamento estar no mercado, ele precisa passar por um rígido controle de qualidade e estudos pré-clínicos e clínicos que atestem a sua segurança e eficácia. Além da variação nos teores das substâncias, várias vezes encontra-se adulterações nestes produtos, como a presença de metais pesados como arsênio e mercúrio, hormônios (corticosteroides, testosterona e dietilstilbestrol), antiinflamatórios e até mesmo fármacos como sildenafil (o viagra!)  e anfetaminas

   E se você defende a teoria da conspiração que a indústria de medicamentos quer dominar o mundo, saiba que a indústria dos suplementos alimentares também move milhões e, conforme os exemplos levantados logo acima, generalizando não é uma indústria idônea, pois engana o consumidor. Logo após a publicação dos resultados dos meus estudos de mestrado (um estudo em células cardíacas isoladas de rato evidenciando as diferenças no perfil de toxicidade dos diferentes isômeros de sinefrinao desenvolvimento de um método para quantificar simultaneamente os diferentes isômeros posicionais de sinefrina e uma revisão bibliográfica sobre os produtos a base de sinefrina), um pesquisador escreveu para a revista que publiquei contestando todo o meu trabalho (o link para este comentário, aqui e a minha resposta aqui). Ele trabalhava para uma indústria que comercializava produtos contendo sinefrina e tem muitas publicações comprovando a segurança e eficácia destes produtos, contrariamente aos meus resultados e do resto das pessoas que trabalharam com este composto... Ou seja, resultados conflitantes sempre existirão, de forma que você sempre encontrará argumentos para apoiar o que quer que seja, sempre falo isso. Além disso, conflitos de interesse existem em qualquer área e temos que ter senso crítico para interpretar o que lemos, coisa que muitas vezes só é possível quando temos um conhecimento técnico para avaliar as metodologias envolvidas nos trabalhos que suportam tais conclusões.

   Mas, não vou terminar este post sem revelar que existe sim uma receita milagrosa para emagrecer, e bem natural: mudança de hábitos envolvendo exercícios físicos regulares e alimentação saudável. É matemático! Funciona mesmo!! 

P.S: Caso tenha interesse não consiga acesso a algum dos links citados no texto, posso enviar o conteúdo mediante solicitação.


 


segunda-feira, 30 de março de 2015

Farmacêutico na Praça

   No dia 28 de março, aconteceu em Passo Fundo, mais uma edição do "Farmacêutico na Praça". Trata-se de um evento promovido pelo Conselho Regional de Farmácia e com o apoio do Curso de Farmácia da UPF onde são oferecidos serviços farmacêuticos como aferição da pressão arterial, teste de glicemia e recolhimento de medicamentos vencidos, tudo gratuitamente à população.
  Apesar da chuva, muitas pessoas da comunidade compareceram, demonstrando que para cuidar da saúde, não tem tempo ruim. Além de profissionais farmacêuticos, o evento é um momento para os futuros farmacêuticos do curso de Farmácia da UPF treinarem as habilidades e competências necessárias ao profissional frente ao paciente. E foi muito legal ver a participação e o entusiasmo dos alunos com o evento, conforme pode ser conferido em algumas fotos do momento em que eu estive presente.











Parabéns CRF-RS por esta iniciativa e a todos os que participaram do evento! 



  


terça-feira, 24 de março de 2015

O uso de celular e sua influência na qualidade espermática

 Recentemente, finalizamos mais uma edição da nossa Especialização em Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade de Passo Fundo. Entre os trabalhos de conclusão de especialização produzidos pelos alunos, o trabalho da Lidiana Biasi, orientado pelo professor Luciano Siqueira e que tive o prazer de ser membro da banca avaliadora me chamou  muito a atenção. A Lidiana permitiu que eu contasse um pouco dos resultados do trabalho dela aqui no blog, e por isso, lá vai:

   O objetivo do trabalho foi verificar se existia alguma correlação entre alguns hábitos e a qualidade espermática, verificada através do espermograma, um exame que avalia a vitalidade, motilidade, concentração de espermatozoides e morfologia. Participaram do estudo 32 homens com idades entre 21 e 47 anos. Aplicou-se um questionário aos voluntários que aceitaram participar da pesquisa onde se questionou sobre os seguintes hábitos: tabagismo, ingestão alcoólica, hábito de carregar o telefone celular no bolso da calça e utilizar notebooks no colo.

   Através de análise estatística de correlação de Spearman, os resultados demonstraram que o hábito de carregar o celular no bolso da calça apresenta uma correlação fraca (-0,36) mas significativa com a diminuição dos espermatozoides.  O que isso significa: que foi possível verificar que os homens que declararam carregar o celular no bolso da calça apresentaram uma contagem inferior no número de espermatozoides quando comparados com os valores dos homens que não tinham este hábito. Particularmente acredito que se aumentássemos a amostra, o valor da correlação também aumentaria.
  
  E qual seria o motivo do celular interferir com o número de espermatozoides? 
   Existem dois possíveis mecanismos: um deles, é o efeito das radiações sobre o núcleo das células de Leydig, que podem levar a danos no DNA e diminuição da síntese de testosterona. As radiações dos celulares operam entre 400 e 2000 MHz, dependendo do modelo. O outro mecanismo é o efeito térmico destes aparelhos uma vez que estas ondas eletromagnéticas produzem calor. Explico: para uma boa síntese de espermatozoides, a temperatura dos testículos deve estar por volta de 34ºC. A temperatura do corpo humano gira em torno dos 36-37ºC (você sabe disso, pois quando mede a sua temperatura para saber se está com febre, utiliza este parâmetro como o normal). Por isso que os testículos encontram-se localizados em uma estrutura externa ao organismo (ao contrário do que acontece com os ovários femininos), já que eles não são bons dissipadores de calor e trabalhar a uma temperatura corporal seria deletério para a sua função reprodutiva. Nesta mesma linha de raciocínio, o hábito de carregar o notebook no colo também foi avaliado, mas neste parâmetro não houve correlação significativa (embora existam outros estudos que conseguiram provar esta associação). 

  É claro que existem alguns vieses neste estudo, como o fato dos hábitos serem avaliados por questionários, e muitas vezes as pessoas omitem alguns fatos e também a existência de inúmeros outros fatores que poderiam influenciar na espermatogênese. Mas de qualquer maneira, é perturbador que exista essa correlação (ainda que fraca) com o uso de celular.  Pelo sim, pelo não, sugere-se que os homens que estão tentando ter filhos minimizem a exposição a estas radiações.

  Conclusões semelhantes já foram obtidas por outros pesquisadores, inclusive com amostras maiores que esta. Ainda assim, os cientistas são cautelosos ao olhar para estes resultados e concluir que o celular de fato prejudique a fertilidade (e eu peço a você que me lê, que também seja cauteloso e não surte com este post). De qualquer maneira, todos concordam que estes resultados merecem nossa atenção e que mais estudos são necessários para esclarecer estes efeitos. Se você se interessou pelo assunto, consulte também esta reportagemou esta ou ainda pode consultar esta lista de artigos recentes que avaliaram estes aspectos.

  Meus alunos, há muito trabalho a ser feito! Vamos pesquisar?