Mostrando postagens com marcador emagrecimento. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador emagrecimento. Mostrar todas as postagens

sábado, 11 de abril de 2015

A roubada do suplemento alimentar para emagrecer

   Todos os anos, surge uma nova moda em termos de "produtos naturais emagrecedores". Desde sempre, tenho lembranças de reportagens e comentários informais recomendando determinados produtos, sempre com o apelo de que, por serem naturais, são seguros e também milagrosos, pois a tia da vizinha emagreceu muito após usar a poção mágica. Pensando friamente no discurso, parece mesmo a bobagem que de fato é, mas ainda assim, não passa um verão sem alguém me perguntar se o produto da moda funciona mesmo. Não surpreende que estas modas não durem mais do que um verão e o milagre do ano passado seja substituído na próxima estação.

   Durante o meu mestrado, trabalhei com um destes compostos, a sinefrina. A sinefrina é um composto presente em frutos do gênero Citrus sp (sim, as laranjas!) e comercializado com vários nomes, como por exemplo extratos de Bitter orange. Como sempre, o apelo de marketing destes produtos é que são "produtos naturais, e por isso seguros." No caso da sinefrina, existem diferentes isômeros estruturais, que são compostos com estrutura química muito semelhante, mas que diferem entre si em apenas uma posição da ligação com um grupamento OH (no caso da sinefrina). Sabe-se que a p-sinefrina é a que tem ocorrência natural e a m-sinefrina é sintética e utilizada como medicamento sob o nome de fenilefrina. Trabalhos do nosso grupo de pesquisa na UFRGS, orientados pela professora Renata Limberger e também realizados na Universidade do Porto, em Portugal, mostraram que de fato a p-sinefrina não tem um potencial tóxico relevante, mas também não funciona para emagrecer (do contrário, emagreceríamos muito tomando suco de laranja). Então, para que funcione, os produtores adicionam outros compostos a estes suplementos, como a fenilefrina, efedrina, anfetaminas, etc... ainda que estes compostos não venham descritos nos rótulos destes produtos. Continuam apelando com o "produto natural" quando na verdade o produto é uma farsa. E aí, o perfil de segurança muda completamente. Então, a conclusão desta história é que, em concentrações seguras, não tem efeito. Para ter efeito, as concentrações usadas são muito elevadas, com associações das mais diversas e isso geralmente compromete a segurança e causa toxicidade. 

   O exemplo da sinefrina ilustra a realidade dos suplementos alimentares usados com fins de emagrecimento. Estes produtos apresentam uma constituição bastante variada quer em seu conteúdo como nas doses dos princípios ativos. Um argumento bastante levantado por pessoas leigas é que os produtos naturais são seguros, "diferentes destes produtos químicos, como os medicamentos". Esse discurso é muito incoerente, pois no fim é sempre a química que governa o que vai acontecer no nosso corpo. Independente da sua fonte, se obtida de forma natural ou sintética, o que interessa é a molécula química e o seu comportamento in vivo. Logo, não existe vantagem nenhuma em ser natural ou não, muito embora se eu puder escolher, prefiro sempre um medicamento do que um produto natural. Por que? Porque a legislação que regula esses produtos naturais obriga os fabricantes a declarar a sua composição, mas não existe uma fiscalização rigorosa quanto a concordância dos teores reais
com o descrito nos rótulos. Dessa forma, muitos produtores aproveitam-se dessa lacuna legal e introduzem no mercado produtos de composição real que diferem dos teores declarados, quer por má índole ou mesmo por um controle de qualidade deficiente. Há relatos de suplementos que nem sequer continham o princípio ativo declarado, outros tinham 80% menos da quantidade que dizia ter e outros contendo 120% mais do que o declarado. Ou seja, não tem padrão e a única certeza parece ser de que você inevitavelmente comprará gato por lebre. Além disso, você estará adquirindo um produto que carece de estudos de segurança sérios, enquanto que para um medicamento estar no mercado, ele precisa passar por um rígido controle de qualidade e estudos pré-clínicos e clínicos que atestem a sua segurança e eficácia. Além da variação nos teores das substâncias, várias vezes encontra-se adulterações nestes produtos, como a presença de metais pesados como arsênio e mercúrio, hormônios (corticosteroides, testosterona e dietilstilbestrol), antiinflamatórios e até mesmo fármacos como sildenafil (o viagra!)  e anfetaminas

   E se você defende a teoria da conspiração que a indústria de medicamentos quer dominar o mundo, saiba que a indústria dos suplementos alimentares também move milhões e, conforme os exemplos levantados logo acima, generalizando não é uma indústria idônea, pois engana o consumidor. Logo após a publicação dos resultados dos meus estudos de mestrado (um estudo em células cardíacas isoladas de rato evidenciando as diferenças no perfil de toxicidade dos diferentes isômeros de sinefrinao desenvolvimento de um método para quantificar simultaneamente os diferentes isômeros posicionais de sinefrina e uma revisão bibliográfica sobre os produtos a base de sinefrina), um pesquisador escreveu para a revista que publiquei contestando todo o meu trabalho (o link para este comentário, aqui e a minha resposta aqui). Ele trabalhava para uma indústria que comercializava produtos contendo sinefrina e tem muitas publicações comprovando a segurança e eficácia destes produtos, contrariamente aos meus resultados e do resto das pessoas que trabalharam com este composto... Ou seja, resultados conflitantes sempre existirão, de forma que você sempre encontrará argumentos para apoiar o que quer que seja, sempre falo isso. Além disso, conflitos de interesse existem em qualquer área e temos que ter senso crítico para interpretar o que lemos, coisa que muitas vezes só é possível quando temos um conhecimento técnico para avaliar as metodologias envolvidas nos trabalhos que suportam tais conclusões.

   Mas, não vou terminar este post sem revelar que existe sim uma receita milagrosa para emagrecer, e bem natural: mudança de hábitos envolvendo exercícios físicos regulares e alimentação saudável. É matemático! Funciona mesmo!! 

P.S: Caso tenha interesse não consiga acesso a algum dos links citados no texto, posso enviar o conteúdo mediante solicitação.


 


terça-feira, 17 de março de 2015

A vacina contra o "efeito sanfona"

    Quem nunca fez uma dieta rigorosa, conseguiu emagrecer, mas passado algum tempo, recuperou o peso perdido? A culpa do "efeito sanfona" pode ser da ghrelina! A ghrelina é um hormônio envolvido na regulação do apetite, conforme explicado na figura abaixo:


Em azul, a regulação do estado de saciedade: no tecido adiposo, há a produção da leptina, secretada na corrente circulatória. A leptina suprime a atividade do neuropeptídeo Y, que provoca o apetite e melhora a atividade de compostos envolvidos na saciedade.
Em vermelho: O estômago produz ghrelina, que estimula o neuropeptídeo Y, fazendo o indivíduo sentir fome, ao mesmo tempo que suprime outros compostos que produziriam saciedade.
Fonte: http://bioquimican4med.wikispaces.com/Hormonas+que+intervienen+en+el+control+del+Apetito

   Para os "iniciados na bioquímica", uma figura mais complexa, que mostra pormenores da regulação do apetite. O que chama atenção é que temos muitas substâncias que diminuem o nosso apetite e apenas uma que aumenta... Sim, a ghrelina.




   E se houvesse uma maneira de impedir que a ghrelina atuasse no nosso organismo? É exatamente isso que um grupo de cientistas portugueses está tentando fazer. Hoje, convidei a Sara e o Tiago a falar um pouco sobre este projeto encantador por dois motivos:

   1) Este assunto é muito interessante e vem bem a calhar no pós férias, quando é hora de retomar as metas do ano novo e tentar efetivá-las. Posso apostar que uma das metas de 9 entre 10 leitores do blog relaciona-se com o emagrecimento/manutenção do peso.



   2) Um novo ano letivo inicia-se e gostaria de pedir especial atenção aos meus alunos para este post. Motivem-se a realizar bons trabalhos durante a faculdade e, se houver interesse, em realizar iniciação científica. Na minha opinião, nada pode ser mais motivante do que estar na frente das descobertas que as outras pessoas utilizarão anos mais tarde... Fui colega do Tiago no Mestrado e há muito tempo ouvi falar da Sara e de como este projeto surgiu: em um trabalho de uma disciplina. Nestas situações, às vezes os alunos fazem trabalhos "sem graça", com o único objetivo de não zerar a nota... Mas a Sara propôs algo que até hoje lhe rende bons frutos, como ela faz questão de dizer logo abaixo. Por favor, alunos, prestem atenção nas duas últimas perguntas e deixem-se contaminar pelo brilho nos olhos que a ciência pode nos dar. Sejam ousados, dediquem-se e aproveitem as oportunidades!

   Bem, mas voltando ao nosso assunto de hoje, apresento os convidados portugueses, que posteriormente explicam o seu projeto e os resultados que já obtiveram:
  A Sara Andrade é formada em Bioquímica  pela Universidade do Porto, possui Mestrado em genética Molecular pela Universidade do Minho e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientada por Felipe Casanueva, Marcos Carreira e Mariana Pereira Monteiro). 
  O Tiago Morais também é formado em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi meu colega no Mestrado em Toxicologia Analítica Clínica e Forense (Universidade do Porto) e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientado por Mariana Pereira Monteiro, Felipe Casanueva, e Marcos Carreira).

Então,  o que exatamente eles estão tentando fazer?

Sara - Resumindo, estamos a tentar criar uma vacina para tratamento da obesidade. A ghrelina é um hormônio produzido pelo estômago e que atua no cérebro. Ela é o único hormônio conhecido que aumenta o apetite e consequentemente a ingestão alimentar. Em pessoas obesas, os seus níveis estão muito baixos, mas, com a perda de peso, os níveis sobem para níveis mais elevados do que uma pessoa de peso normal, dificultando uma perda de peso sustentada. E aí entra a nossa vacina: nós queremos neutralizar a subida dos níveis de ghrelina em resposta a perda de peso, o que permitiria, com a ajuda de modificações na dieta e nos hábitos de exercício físico uma perda de peso mais constante sem picos no apetite.

Tiago - Uma das estatísticas mais assustadoras é que mesmo depois de terem perdido peso a maior parte das pessoas ao fim de 5 anos recupera o peso perdido conforme pode ser verificado neste trabalho). Portanto, o que nós basicamente nos propomos não é tanto ajudar as pessoas obesas a perder peso de uma forma puramente farmacológica, mas a tentar ajudar as pessoas que estão em processo de perda de peso a acelerar este processo e posteriormente a manter um peso "normal" a longo prazo.

E isso não pode ser perigoso?

Tiago - A ghrelina esta associada a mais que uma função no organismo, produzindo exclusivamente efeitos sobre o apetite. Regula por exemplo a secreção do hormônio do crescimento e existem pelo o menos um estudo onde se mostra que bloqueando os receptores de ghrelina com um antagonista leva a um aumento de pressão arterial em ratos. Para além do mais, a ghrelina tem o efeito de aumentar o prazer no ato de comer, e bloquear esta ação pode levar a disfunções na regulação da química cerebral provocando depressão e aumento da ansiedade por exemplo. Daí a nossa tentativa de reduzir o nível de ghrelina circulante sem no entanto a neutralizar a 100%



E o que vocês já conseguiram fazer?


Sara - Foi desenvolvido um imunoconjugado de ghrelina com proteína NS1 do vírus da língua azul (BTV) como substância imunogênica que foi inoculado em camundongos normoponderais e com obesidade induzida pela dieta. Com este imunoconjugado foi conseguida a indução da produção de anticorpos específicos anti-ghrelina com capacidade de neutralização dos efeitos biológicos deste hormônio. Ou seja, houve uma diminuição da ingestão alimentar diária e da ingestão alimentar aguda nas 24h após a imunização, um aumento do gasto energético e uma diminuição de sinais de aumento de apetite no hipotálamo basal.
Tiago -  São resultados encorajadores, mostram que o conceito de realizar uma vacina por estes meio é seguro, já que também não vimos sinais de dano, e que o conceito resulta. Não estamos propriamente na reta final mas é um ótimo ponto de partida!

Isto significa que em breve teremos a cura para a obesidade?

Sara - Não. A obesidade é uma doença muito complexa e em que há muitas vias a ter em conta. Mas é mais um passo no que diz respeito a tentar melhorar esta epidemia.


Tiago - É um problema multi-fatorial, e mais complexo do que muitas vezes se pensa. Aliás, apesar de termos acesso a toda a informação necessária, isto é, sabermos que é fundamental o exercício para sermos saudáveis e sabermos, não necessariamente o estilo de dieta a seguir, mas que devemos evitar comer em excesso, continuamos com uma população crescentemente obesa, com um aumento de obesidade infantil para níveis preocupantes. Pior ainda, a nível mundial os países como a Índia, a medida que começam a ficar mais ricos, começam a "imitar" os hábitos alimentares dos ditos "países ocidentais" com consequências significativas para os níveis da obesidade e da diabetes. Assim, um comprimido ou uma vacina que fosse milagrosa (e já começam a surgir ideias para combater a obesidade e a diabetes ao mesmo tempo com um só comprimido) não ia combater o nosso desequilibro alimentar, que provoca outro tipo de problemas metabólico.


 Como surgiu a ideia deste projeto científico?


Sara - Surgiu como um projeto teórico de uma cadeira de microbiologia durante a graduação. Na altura, eu e a minha colega, a Filipa Pinho, tivemos a ideia de criar uma vacina anti-obesidade baseando-nos numas vacinas terapêuticas para doenças não infecciosas que usavam capsídeos virais para conseguir uma resposta imune contra moléculas que de outra forma não o fariam. Afinal, terminamos a pedir ajuda  do ponto de vista mais médico à Dra. Mariana Monteiro, que viu potencial no projeto, nos propôs trabalhar com ela e nos ajudou a dar forma ao trabalho. E desde então temos vindo a trabalhar no projeto, com a mais recente adição do Tiago.


Comentem que tipo de experiência pessoal este trabalho e a experiência na investigação científica já trouxe a vocês:

Sara - Este trabalho, acima de tudo, levou-me a trabalhar em grandes equipes, com pessoas extremamente competentes e que
diariamente me ensinam coisas. A investigação científica baseia-se na partilha de conhecimentos e na procura de sempre saber um pouco mais. E quando a isto se associa conseguir aproximar-nos de algo que pode realmente ter um impacto na vida das pessoas é realmente motivante.

Tiago - Concordo a 100%. Não só trabalhamos em bons ambientes com gente que sabe o que faz, como durante este tipo de trabalho temos também acesso a trocar ideias com gente de nível muito elevado que nos motiva sempre para sermos melhores e sabermos um pouco mais hoje do que sabíamos ontem. E trabalhar com algo onde conseguimos fazer ciência básica mas que tem uma ponte muito óbvia para uma aplicação clínica da sempre outro tipo de motivação extra.

   Muito obrigada Tiago e Sara!
  Aqui no blog, continuaremos acompanhando o desenvolvimento deste projeto, mas enquanto não temos uma vacina anti-ghrelina disponível, aposte nos métodos tradicionais... Ou seja, de momento, se você quer evitar o efeito sanfona, o método com maior chances de sucesso é uma mudança no estilo de vida, que passe por uma reeducação alimentar consistente acompanhada de exercícios físicos.
  E se você se interessou ainda mais pelos trabalhos da Sara e do Tiago, você pode buscar os artigos científicos do grupo a respeito destes estudos:

Imunização contra ghrelina para tratamento da obesidade

A vacina anti-ghrelina: uma nova abordagem no tratamento da obesidade

Vacinas para doenças metabólicas