quarta-feira, 27 de maio de 2015

Monitorização terapêutica de medicamentos

   No dia 28 de maio, o Grupo de Pesquisa em Infecções Hospitalares da Faculdade de Medicina da UPF, com o apoio da Liga de Infectologia da UPF promoverá a palestra: Monitorização sérica de antimicrobianos: como garantir o sucesso terapêutico no tratamento das infecções graves no ambiente hospitalar (maiores informações no folder abaixo). 


    Esta palestra será ministrada pela farmacêutica Siomara Hahn, que é também professora da UPF e neste momento realiza projetos de pesquisa nesta temática na Universidade do Porto, Portugal. 
      
     Este é um assunto muito relevante nas ciências farmacêuticas, e por isso, pedi para a aluna do Curso de Farmácia, Ana Paula Anzolin Sordi, que participa da liga de infectologia e desenvolve trabalhos com a orientação da Prof. Cristiane Barelli, para falar um pouco sobre o assunto.

   Inicialmente, a Ana Paula trouxe dados muito importantes e preocupantes: O Instituto Americano de Medicina publicou um estudo em 2000 onde mostrou que os erros de medicamentos causaram 7391 mortes por ano de americanos nos hospitais e mais de 10.000 mortes em institutos ambulatoriais. Destes inúmeros erros, aproximadamente 50% tem relação com à falta de informação sobre a dose correta. Todos esses erros aumentam muito o custo de cada paciente para os hospitais. Em 1997 os EUA tiveram um custo de 76,6 bilhões de dólares referente a morbidade e mortalidade em unidades de ambulatório relacionadas aos medicamentos sendo que 60% destes custos poderiam ter sido evitados, pois cada evento adverso a medicação, aumenta a internação de pacientes em 3,23 dias e o custo em $ 4,655 dólares.

    E é aí que entra a monitorização terapêutica, que seria a dosagem das concentrações que o medicamento atingiu no sangue de cada pessoa para ajuste da dosagem. A Ana Paula explica:

   Ao prescrever uma droga terapêutica a um paciente, o médico leva em conta as doses e os intervalos que os medicamentos devem ser administrados para que possam ter o resultado desejado. Entretanto, diversos fatores (do paciente e do fármaco) podem interferir na resposta terapêutica, por isso é necessário e tão importante a sua monitorização, pois a mesma avalia a posologia do fármaco no organismo, para ter melhores efeitos terapêuticos e evitar a ocorrência de efeitos adversos ou, no caso dos antibióticos, resistência bacteriana por ter uma sub-dose. É a monitorização que vai dizer se a dose esta alta, baixa ou ideal. Se estiver ideal o tratamento continua com a dose que iniciou, se estiver alta ou baixa será feito um ajuste de dose para atingir a janela terapêutica, ou seja, uma faixa de concentração onde o medicamento é eficaz, que tem efeito clínico e que não seja tóxico. 

Portanto a monitorização terapêutica é imprescindível para o sucesso do tratamento, para promover a segurança do paciente e para uma economia financeira dos hospitais.

Obrigada Ana Paula por atender prontamente a minha solicitação e participar deste post! :)


segunda-feira, 25 de maio de 2015

A contaminação ambiental por resíduos de medicamentos: isso é problema seu!

   No último sábado, eu, o professor Luciano e a professora Charise estivemos no programa Uirapuru Ecologia, na rádio Uirapuru para falar sobre a problemática da contaminação ambiental por resíduos de medicamentos.


   O descarte incorreto de medicamentos (vencidos ou aqueles em desuso) contamina os efluentes e o ecossistema e já há estudos associando esta contaminação com efeitos deletérios nos animais e até mesmo ao homem. Esses resíduos de medicamentos e até mesmo protetores solares são definidos como "contaminantes emergentes", pois o seu potencial de causar dano já é conhecido. Além do descarte incorreto, a contaminação por medicamentos acontece porque uma parte dos medicamentos que tomamos é eliminada na forma inalterada ou como metabólitos (muitas vezes ativos) pela urina. Apesar destes resíduos estarem presentes em quantidades muito baixas, vale lembrar que esta contaminação acontece de maneira contínua. São 7 bilhões de pessoas excretando resíduos de medicamentos que contaminam o ambiente, além daquelas que descartam os medicamentos de forma incorreta.
  
   Sabe-se que 1kg de medicamentos descartados de forma incorreta podem contaminar até 450 mil L de água. E o nosso padrão de potabilidade de água ignora esta contaminação de medicamentos, ou seja, não são considerados testes para verificar esta situação e nem existe na legislação algum limite ou tratamento da água visando minimizar esta contaminação. Por isso, não é novidade que a água que você toma contém resíduos de medicamentos. Portanto, isso também é problema seu! 

    Aos cientistas, cabe fornecer uma alternativa para tratar nossos efluentes e minimizar esta contaminação (aqui tem um exemplo de alternativa que vem dando certo). E você, o que pode fazer?

    Ouça aqui o áudio do programa Uirapuru Ecologia onde discutimos estas questões, as suas consequências, possíveis alternativas e o que você pode fazer para garantir a estabilidade do seu medicamento e o seu descarte correto.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Purificadores de ar a base de ozônio: eficácia e segurança

   O ozônio é um composto que apresenta a ambiguidade de ser considerado vilão ou mocinho em determinadas condições. Ao mesmo tempo que são feitas campanhas para preservar a camada de ozônio, este composto também pode ser considerado um poluente (é tratado como tal pela nossa legislação do CONAMA, Resolução 003/90). E apesar de ser um poluente, alguns "purificadores de ar" realizam a sua função através de geração de ozônio. 
   Soou estranho purificar o ar com um poluente? Para muita gente também! Então hoje vamos falar sobre um projeto que tive o prazer de participar, que foi coordenado pela Prof. Charise Bertol, onde se testou a eficácia e a segurança destes purificadores de ar.

  Primeiramente, algumas definições:
 O ozônio é um gás  colorido, em tons de azul, composto por 3 moléculas de oxigênio. Ele se forma quando as moléculas do oxigênio (O2) se rompem pela ação da radiação ultravioleta do sol. Os átomos separados podem se combinar novamente com outras moléculas, gerando o ozônio (O3).
   A atmosfera tem várias camadas, conforme demonstrado na figura abaixo. A camada de ozônio fica localizada na estratosfera, em uma altitude de 16 a 30km. Esta camada serve para absorver as radiações ultravioletas que vem do sol.


Camadas da atmosfera. Fonte: http://www.mundoeducacao.com/quimica/equilibrio-quimico-na-camada-ozonio.htm


Camada de ozônio na estratosfera, que atua como um escudo para as radiações ultravioletas do sol. Fonte: http://www.ibflorestas.org.br/noticias/584-16-de-setembro-dia-internacional-de-protecao-da-camada-de-ozonio.html

   Já na troposfera, que é a camada mais próxima da superfície da Terra, o ozônio é considerado um poluente secundário. Ou seja, é formado a partir de outros poluentes atmosféricos, como o dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis na presença de radiação solar. O ozônio da troposfera contribui para o agravamento de crises de asma, bronquites e doenças respiratórias no geral. 
   Existem no mercado "purificadores de ar geradores de ozônio". São equipamentos pequenos, portáteis (como o da figura abaixo) e que prometem melhorar a qualidade do ar.


Exemplo de purificador de ar gerador de ozônio.

   O fundamento da utilização do ozônio como purificador de ar se deve ao seu efeito oxidante. Os fabricantes informam que estes purificadores produzem íons que removeriam micro-organismos do ar. O mecanismo desta ação se fundamenta no ataque do ozônio às membranas e paredes celulares, sendo capaz de causar uma situação de stress oxidativo e consequentemente, o rompimento das células dos patógenos. Porém, alguns autores questionam esta atividade. Esta corrente defende que, em concentrações seguras para os seres humanos o ozônio seria ineficaz como descontaminante ou purificador de ar. Em concentrações acima das permitidas, a eventual purificação atingida não se justificaria porque os efeitos negativos do ozônio para a saúde seriam mais prejudiciais do que o benefício conseguido.
  
  Então, primeiramente, vamos aos nossos resultados relativos à eficácia destes purificadores de ar. Posteriormente, voltaremos à questão da segurança:

   Nós testamos o efeito de um purificador de ar (marca Brizzamar) comparando os micro-organismos cultivados em presença do purificador e na ausência do mesmo. Os resultados mostraram que após 1 h de uso do purificador de ar gerador de ozônio, houve uma redução significativa dos fungos presentes no ambiente (72.22%). Após 2 e 3 h de funcionamento do purificador, a redução atingiu 83.43%  e 89.71%, respectivamente. Com relação às bactérias presentes no ar, observou-se uma redução de 34.75% após a primeira hora de funcionamento do equipamento, 74.82% após 2 h e 78.02% após 3 h. O modelo experimental utilizando dois diferentes vírus (BoHV-1 - vírus da herpes bovina e HSV-1 Herpes simplex virus) evidenciou que após 3 h de exposição ao ozônio houve uma redução acima de 90% nos dois vírus utilizados. E nestas condições, a eliminação dos vírus aconteceu sem efeitos citotóxicos para a célula hospedeira. 

Conclusão: Houve uma melhora na qualidade microbiológica do ar após a exposição ao purificador de ar gerador de ozônio. Os melhores resultados foram obtidos após 3 h de funcionamento, conforme recomendado pelos fabricantes.

 E a segurança do uso?

  Como o ozônio é um poluente oxidante, existem níveis considerados seguros de exposição. No ambiente de trabalho, por exemplo, a OSHA (Occupational Safety and Health Administration)  recomenda um limite de 0.1 ppm de ozônio para uma jornada de trabalho de 8 h. No Brasil, o Ministério do Trabalho, através da NR 15, fixou em 0.08 ppm de ozônio como o limite máximo de exposição em regime de até 48 h semanais.
    Nos nossos estudos, a concentração do ozônio no ambiente foi medida e sempre ficou abaixo de 0.05 ppm, o que sugere a segurança do purificador. Este dado é importante porque depõe contra o possível efeito cumulativo do ozônio. Então, para confirmar este achado, colocamos o purificador gerador de ozônio em uma caixa até que ela se encontrasse saturada de ozônio (concentração de ozônio após saturação da caixa = 3.7 ppm). Cinco minutos após desligar o equipamento, os níveis de ozônio reduziram drasticamente (50%) e após 30 min, a concentração de ozônio na caixa era inferior a 5%. 

   Ainda assim, realizamos ensaios in vivo para verificar os possíveis efeitos agudos e crônicos do ozônio, especialmente no trato respiratório. Para isso, ratos foram expostos por 15 dias a uma exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia (conforme recomenda o fabricante) ou 24 h/dia (uma situação extrema). Outro grupo foi exposto por 28 dias à exposição ao purificador de ar ligado por 3 h/dia ou 24 h/dia. Os resultados foram comparados com animais mantidos sem qualquer exposição ao gerador de ozônio (controles). Os parâmetros avaliados foram a massa relativa dos órgãos, alterações macro e microscópicas dos órgãos, parâmetros hematológicos e marcadores de stress oxidativo sistêmico, além de ensaios de mutagenicidade. 
      Não houve alterações significativas nos animais expostos ao ozônio em nenhuma condição quando comparado aos animais controles.

Conclusão: Neste modelo de exposição, o purificador de ar gerador de ozônio pode ser considerado seguro.

    Se você quiser saber mais sobre estes estudos, aqui você encontra o artigo do trabalho com fungos e bactérias e aqui você encontra o trabalho com os vírus. Os ensaios de avaliação da qualidade microbiológica do ar foram realizados como Trabalho de Conclusão de Curso das alunas Greicy Petry, Karoline Vieira e Angelica Vilani, orientadas pela Prof. Charise Bertol. A avaliação da toxicidade foi realizada pela aluna Larissa Cestonaro e encontram-se submetidos para a publicação. Estes trabalhos foram desenvolvidos no âmbito do projeto Sentinela - UPF Tec.



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Quando a farmácia é vista como estabelecimento de saúde, há serviços farmacêuticos

  Esta semana, recebemos no nosso curso o farmacêutico Luciano Adib (CRF-RS) para a conferência de abertura do ano letivo do Curso de Farmácia, com o tema "Serviços Farmacêuticos e Lei 13021/2014".

    A Lei 13021 de 2014 é a Lei que define a Farmácia como um estabelecimento de saúde. Esta lei é muito importante, pois reitera a obrigatoriedade da presença do farmacêutico enquanto a farmácia estiver aberta. Isto significa que se a farmácia estiver aberta, deverá ter um farmacêutico presente: mesmo se for à noite, sábado, domingo ou feriado. O proprietário da farmácia assume que a condição para manter aberto o seu estabelecimento é proporcionar um atendimento profissional para os seus clientes. Caso isto não seja cumprido, configura-se um verdadeiro descaso com o paciente, além de ser uma conduta contrária à norma legal, devendo portanto ser reportado aos órgãos fiscalizadores. 

    O farmacêutico é capacitado para avaliar a sua prescrição e verificar se não há nenhuma incompatibilidade com o medicamento prescrito e os demais medicamentos usados, esclarecer dúvidas quanto ao melhor horário para tomar a medicação, possíveis efeitos adversos e colaterais, contraindicações e interferências medicamentosas e com os alimentos. É um profissional que estuda a química por trás do seu medicamento, seus efeitos no seu sistema biológico e também a tecnologia envolvida na fabricação deste medicamento. Por isso, acredito muito na atenção farmacêutica como meio de otimizar as terapias e recomendo sempre que você seja atendido por um farmacêutico na farmácia. É seu direito! Caso este direito lhe seja negado, denuncie! Você pode reportar essa irregularidade para o Conselho Regional de Farmácia aqui!

   A mesma lei também garante que as farmácias serão tratadas como verdadeiros estabelecimentos de saúde e não como um mero comércio, onde se passa a imagem de que se vende saúde e se empurra uma enorme quantidade de medicamentos, explorando a vulnerabilidade do paciente. E se é um estabelecimento de saúde, significa que de todas as possibilidades que você tem de contato com um profissional da saúde, a farmácia passa a ser o local mais acessível, uma vez que estão espalhadas por todos os lugares. 



   Neste contexto, consolidam-se os Serviços Farmacêuticos, que são definidos como: 
- Atenção farmacêutica domiciliar
-Aferição de parâmetros fisiológicos: temperatura e pressão arterial
- Verificação da glicemia
- Administração de medicamentos injetáveis e inalantes
- Perfuração de lóbulo para colocação de brinco
-Curativos simples

  Para falar sobre a prestação destes serviços, convidei duas farmacêuticas: 

  A Alessandra Rauber é responsável pela Vida Farmácias, localizada na Rua Uruguai, esquina com a Rua Tiradentes, em Passo Fundo. A Ale foi minha aluna e é uma das proprietárias desta farmácia. Admiro muito o empreendedorismo da Ale em se "aventurar" (se é que se pode dizer isso, pois não se trata de uma mera aventura, e sim de um sonho implementado com muita capacitação) na esfera privada e gosto muito do serviço dessa farmácia. Na Vida Farmácia os serviços farmacêuticos disponíveis são  aplicação de injetáveis, perfuração do lóbulo auricular, aferição de parâmetros: pressão arterial, Glicose capilar e temperatura corporal.

   A Éllen Manica é farmacêutica da Farmácia Santa Helena, de propriedade dos pais dela, em Soledade. Também sempre foi uma aluna dedicada e tenho certeza de que faz a diferença na farmácia. A farmácia Santa Helena oferece os serviços de aferição de pressão arterial, curativos simples, aplicação de injetáveis, perfuração de lóbulo auricular, verificação  de glicemia capilar e atenção farmacêutica.

  Segundo a Alessandra e a Éllen, os serviços farmacêuticos são um diferencial, pois poucas farmácias oferecem esse tipo de serviço. Por enquanto, Alessandra afirma que ainda não conseguiu ver um impacto na procura da população pela farmácia devido a estes serviços pois estão em fase de implantação, mas acredita que com o passar do tempo a procura aumentará. "Como profissional farmacêutico, é importante se diferenciar prestando assistência farmacêutica, tendo o cuidado de explicar para quê e como deverá ser utilizado o medicamento, tirando dúvidas que o cliente possa apresentar e também pelos serviços farmacêuticos oferecidos.", defende Alessandra.

  Na farmácia Santa Helena, onde estes serviços já foram implementados há mais tempo, a Éllen já consegue ver o impacto de oferecer um serviço mais completo aos usuários: "A nossa farmácia é uma farmácia pequena, localizada em um bairro distante do centro e possuímos algumas vantagens por isso. Os nossos pacientes são pessoas mais simples, que muitas vezes não sabem como utilizar o mais básico medicamento. Com certeza essas práticas fazem com que fidelizemos os nossos pacientes, que não necessitam recorrer à uma farmácia do centro para medir sua pressão, ou fazer um teste de glicose, por exemplo. Isso faz com que concentremos nossos pacientes perto de nós, consequentemente, nos permitindo acompanhar a evolução do quadro de cada paciente, o andamento dos seus tratamentos e que seja possível tentar implementar um atendimento farmacêutico mais eficiente.", comentou a Éllen, que acredita no diferencial do farmacêutico no bom atendimento ao paciente: "Logo que me formei levei um choque de realidade, pois tudo é diferente quando se está atrás do balcão sendo o responsável por um estabelecimento de saúde. O primeiro desafio é fazer os pacientes sentirem a diferença entre nós, farmacêuticos, e um balconista com experiência dentro da farmácia. Podemos achar que com a experiência desse balconista ele sabe mais até que nós sobre a prática da farmácia, porém não podemos nos deixar influenciar por esses pensamentos, pois logo fica evidente a diferença entre ambos. Nós podemos oferecer um parecer mais técnico, não somente o que está escrito na bula, nas quais os balconistas se guiam. Sempre há oportunidades de mostrarmos o nosso diferencial ao paciente. Sendo analisando um exame que o mesmo tenha, seja alertando sobre o uso incorreto de um medicamento, a prescrição errada de um medicamento, sempre temos como mostrar nossos serviços. Não podemos pensar e agir do contrário pois estudamos bastante para isso!"

  E com relação à capacitação para realizar os serviços farmacêuticos, Alessandra destaca: "Durante a faculdade já tinha planos de ter minha própria farmácia, então fui me preparando para isso, fiz vários cursos de injetáveis, participei de feiras de saúde, fiz estágios... Enfim, participei de todas as oportunidades que surgiram para aprender mais, pois apenas as aulas não são suficientes, para aprender mesmo só na prática. Pretendo continuar me capacitando, mas no momento, dedico meu tempo integralmente para a farmácia." Na mesma linha, Éllen complementa: "Me sinto apta para realizar os serviços que oferecemos, porém sinto que há muito o que estudar ainda. Os pacientes vem sempre com muitas dúvidas, e muitas vezes tenho que pesquisar e me informar para poder responder as suas dúvidas. Não sabemos tudo, mas temos que ter a noção da nossa limitação para que possamos trabalhar nela. Pretendo sim fazer alguma especialização, provavelmente na área de Farmacologia e Toxicologia para acrescentar valor aos meus serviços, podendo estar mais segura no meu trabalho e para obter maior conhecimento. Devemos estar sempre atualizados, pois no mundo farmacêutico há constantes mudanças, sempre novas coisas para se saber para podermos prestar o melhor serviço possível."


  

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Da obrigatoriedade de exames toxicológicos em cabelo e unha para renovação de carteira de motorista profissional

   Segundo as Resoluções 425 e 517 do CONTRAN, a partir de abril, será obrigatório realizar exame toxicológico para renovação da carteira nacional de habilitação, categorias C (condutor de veículo motorizado usado para transporte de carga, com peso bruto superior a 3.500 quilos), D (condutor de veículo motorizado usado no transporte de passageiros, com lotação superior a oito lugares além do motorista), e E (condutor de combinação de veículos em que a unidade conduzida se enquadre nas categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada ou rebocada tenha peso bruto de 6 mil quilos ou mais; ou cuja lotação seja superior a oito lugares; ou, ainda, que seja enquadrado na categoria trailer.). Estes exames são definidos na legislação como "exames toxicológicos de larga janela de detecção", utilizando como matriz de análise cabelos, pelos e unhas. Essa medida visa evitar os riscos associados à direção perigosa por parte dos motoristas profissionais, que muitas vezes são submetidos a péssimas condições de trabalho e fazem uso de "rebites" para aumentar o estado de vigília. Normalmente, o rebite é realizado com abuso de derivados anfetamínicos e até mesmo cocaína, conforme já foi abordado aqui no blog. 

   No entanto, essa alteração legal parece estar descompassada com a realidade e a ciência atual, razão pela qual a Sociedade Brasileira de Toxicologia se manifestou e encontra-se em processo de consulta pública para definição de uma Guideline oficial da Sociedade Brasileira de Toxicologia para análise de drogas em pelos e cabelos.

   Por que a legislação preconiza análise de cabelos, pelos e unhas? 
As substâncias químicas que ingerimos se depositam nos nossos cabelos através da corrente sanguínea, transpiração e da própria oleosidade da nossa pele. O cabelo cresce a uma taxa razoavelmente constante: cerca de 1cm por mês. Por esta lógica,  a análise de 1cm do cabelo fornece o histórico de consumo de drogas da pessoa naquele mês. Ou seja, uma pessoa que tem um cabelo de 15cm, teoricamente possibilitaria uma análise retrospectiva do seu consumo de drogas nos 15 meses anteriores.  Na resolução do CONTRAN, preconiza-se que os testes devem ser negativos no período de 90 dias anteriores. No entanto, é preciso ficar claro que essa taxa de crescimento não é igual para todas as pessoas, podendo variar de 0.7-1.5cm e que demora cerca de 5-6 dias para que o cabelo cresça da raiz à parte de cima do couro cabeludo, comprometendo essa precisão.
Considerando que um teste positivo de consumo de drogas pode implicar em suspensão do direito de exercer a profissão de motorista, o primeiro pensamento lógico seria raspar os cabelos. Em 2012, durante uma internação em uma clínica para tratar a dependência de drogas, Britney Spears chocou o mundo ao raspar os cabelos, possivelmente para escapar do exame toxicológico. 
   Nestas situações, na impossibilidade de coleta de cabelo, a legislação padroniza o uso de pelos e unhas. Neste caso, a correlação do crescimento é um pouco diferente, mas ainda permite uma análise retrospectiva. Logo, a razão para a adoção destas matrizes é que elas funcionam como uma "caixa-preta", mantendo um registro retrospectivo do consumo de drogas, ao contrário do sangue, ar exalado e mesmo da saliva, onde a presença de drogas revela um consumo recente apenas.
*Mais informações sobre análise nestas matrizes: http://chromatox.com.br/

E aí reside o primeiro descompasso legislativo: 
Diz a Lei 9.503/1997, artigo 165: Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: infração-gravíssima.

Um resultado positivo em um teste toxicológico em cabelo e unha não significa que o indivíduo dirigiu sob o efeito de drogas. Significa que ele utilizou, em algum momento (que pode ter sido durante a sua folga e nas mais diversas situações), tais drogas. Claro que o uso de drogas ilícitas é proibido em qualquer situação, mas neste caso, os motoristas profissionais estariam sujeitos a uma fiscalização muito maior que o cidadão comum (que também dirige), uma patrulha sem precedentes. Há os que defendem que estas profissões apresentam um risco para as vidas que estão sob sua responsabilidade e portanto esta medida é um grande avanço. Porém, é preciso lembrar que vários outros profissionais (profissionais da saúde, por exemplo) também encontram-se diretamente responsáveis pela vida de terceiros e os prejuízos cognitivos de um consumo crônico de drogas também pode impactar suas competências.
   E atenção, advogados, a própria resolução 425 diz que os resultados destes exames retrospectivos poderão ser disponibilizados via judicial para instrução de processo de acidentes de trânsito. Mas novamente, qual é o valor deste resultado se não significa que o indivíduo dirigiu sob o efeito de drogas? Só se estaremos admitindo como prova algo que (des)abone a conduta do cidadão, o que, novamente, é bastante controverso. Imagine você, cidadão comum que não é motorista profissional, que essa situação seria a seguinte: você se vê envolvido em um acidente de trânsito, mas no momento que isto aconteceu, não estava sob influência de nenhuma droga, lícita ou ilícita. No entanto, verificam no seu exame toxicológico que nos últimos meses você bebeu e consumiu drogas. Isso tem alguma relação com o fato pelo qual você estará sendo processado? Prevejo confusão!

   Há ainda várias incoerências técnicas na definição das drogas que seriam triadas, a falta de definição de um valor de cut-off e as metodologias admitidas nestes testes, todas elencadas na manifestação da Sociedade Brasileira de Toxicologia.

  E outro "detalhe" importante, é que, da forma como está redigida a resolução, não há nenhum laboratório brasileiro capacitado para realizar estes testes. Isso porque consta que serão aceitas as análises de laboratórios credenciados pela norma CAP-FDT, uma certificação norte-americana. Logo,  as amostras colhidas serão enviadas para os Estados Unidos. Além de prejudicar o acesso à contraprova por parte dos profissionais testados, essa medida favorece laboratórios internacionais em detrimento dos nacionais. No Brasil, existem laboratórios toxicológicos que possuem acreditação internacional ISO/IEC 1702 (ou seja, seguem padrões de excelência reconhecidos internacionalmente e ainda assim não poderão atuar). Esta acreditação é a norma internacionalmente aceita praticada no nosso país, fornecida pelo INMETRO. Então qual o embasamento/interesse para essa restrição?

  Ao que parece, mais uma vez temos uma alteração legal envolvendo um conhecimento técnico onde especialistas não foram consultados. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos!








sábado, 11 de abril de 2015

A roubada do suplemento alimentar para emagrecer

   Todos os anos, surge uma nova moda em termos de "produtos naturais emagrecedores". Desde sempre, tenho lembranças de reportagens e comentários informais recomendando determinados produtos, sempre com o apelo de que, por serem naturais, são seguros e também milagrosos, pois a tia da vizinha emagreceu muito após usar a poção mágica. Pensando friamente no discurso, parece mesmo a bobagem que de fato é, mas ainda assim, não passa um verão sem alguém me perguntar se o produto da moda funciona mesmo. Não surpreende que estas modas não durem mais do que um verão e o milagre do ano passado seja substituído na próxima estação.

   Durante o meu mestrado, trabalhei com um destes compostos, a sinefrina. A sinefrina é um composto presente em frutos do gênero Citrus sp (sim, as laranjas!) e comercializado com vários nomes, como por exemplo extratos de Bitter orange. Como sempre, o apelo de marketing destes produtos é que são "produtos naturais, e por isso seguros." No caso da sinefrina, existem diferentes isômeros estruturais, que são compostos com estrutura química muito semelhante, mas que diferem entre si em apenas uma posição da ligação com um grupamento OH (no caso da sinefrina). Sabe-se que a p-sinefrina é a que tem ocorrência natural e a m-sinefrina é sintética e utilizada como medicamento sob o nome de fenilefrina. Trabalhos do nosso grupo de pesquisa na UFRGS, orientados pela professora Renata Limberger e também realizados na Universidade do Porto, em Portugal, mostraram que de fato a p-sinefrina não tem um potencial tóxico relevante, mas também não funciona para emagrecer (do contrário, emagreceríamos muito tomando suco de laranja). Então, para que funcione, os produtores adicionam outros compostos a estes suplementos, como a fenilefrina, efedrina, anfetaminas, etc... ainda que estes compostos não venham descritos nos rótulos destes produtos. Continuam apelando com o "produto natural" quando na verdade o produto é uma farsa. E aí, o perfil de segurança muda completamente. Então, a conclusão desta história é que, em concentrações seguras, não tem efeito. Para ter efeito, as concentrações usadas são muito elevadas, com associações das mais diversas e isso geralmente compromete a segurança e causa toxicidade. 

   O exemplo da sinefrina ilustra a realidade dos suplementos alimentares usados com fins de emagrecimento. Estes produtos apresentam uma constituição bastante variada quer em seu conteúdo como nas doses dos princípios ativos. Um argumento bastante levantado por pessoas leigas é que os produtos naturais são seguros, "diferentes destes produtos químicos, como os medicamentos". Esse discurso é muito incoerente, pois no fim é sempre a química que governa o que vai acontecer no nosso corpo. Independente da sua fonte, se obtida de forma natural ou sintética, o que interessa é a molécula química e o seu comportamento in vivo. Logo, não existe vantagem nenhuma em ser natural ou não, muito embora se eu puder escolher, prefiro sempre um medicamento do que um produto natural. Por que? Porque a legislação que regula esses produtos naturais obriga os fabricantes a declarar a sua composição, mas não existe uma fiscalização rigorosa quanto a concordância dos teores reais
com o descrito nos rótulos. Dessa forma, muitos produtores aproveitam-se dessa lacuna legal e introduzem no mercado produtos de composição real que diferem dos teores declarados, quer por má índole ou mesmo por um controle de qualidade deficiente. Há relatos de suplementos que nem sequer continham o princípio ativo declarado, outros tinham 80% menos da quantidade que dizia ter e outros contendo 120% mais do que o declarado. Ou seja, não tem padrão e a única certeza parece ser de que você inevitavelmente comprará gato por lebre. Além disso, você estará adquirindo um produto que carece de estudos de segurança sérios, enquanto que para um medicamento estar no mercado, ele precisa passar por um rígido controle de qualidade e estudos pré-clínicos e clínicos que atestem a sua segurança e eficácia. Além da variação nos teores das substâncias, várias vezes encontra-se adulterações nestes produtos, como a presença de metais pesados como arsênio e mercúrio, hormônios (corticosteroides, testosterona e dietilstilbestrol), antiinflamatórios e até mesmo fármacos como sildenafil (o viagra!)  e anfetaminas

   E se você defende a teoria da conspiração que a indústria de medicamentos quer dominar o mundo, saiba que a indústria dos suplementos alimentares também move milhões e, conforme os exemplos levantados logo acima, generalizando não é uma indústria idônea, pois engana o consumidor. Logo após a publicação dos resultados dos meus estudos de mestrado (um estudo em células cardíacas isoladas de rato evidenciando as diferenças no perfil de toxicidade dos diferentes isômeros de sinefrinao desenvolvimento de um método para quantificar simultaneamente os diferentes isômeros posicionais de sinefrina e uma revisão bibliográfica sobre os produtos a base de sinefrina), um pesquisador escreveu para a revista que publiquei contestando todo o meu trabalho (o link para este comentário, aqui e a minha resposta aqui). Ele trabalhava para uma indústria que comercializava produtos contendo sinefrina e tem muitas publicações comprovando a segurança e eficácia destes produtos, contrariamente aos meus resultados e do resto das pessoas que trabalharam com este composto... Ou seja, resultados conflitantes sempre existirão, de forma que você sempre encontrará argumentos para apoiar o que quer que seja, sempre falo isso. Além disso, conflitos de interesse existem em qualquer área e temos que ter senso crítico para interpretar o que lemos, coisa que muitas vezes só é possível quando temos um conhecimento técnico para avaliar as metodologias envolvidas nos trabalhos que suportam tais conclusões.

   Mas, não vou terminar este post sem revelar que existe sim uma receita milagrosa para emagrecer, e bem natural: mudança de hábitos envolvendo exercícios físicos regulares e alimentação saudável. É matemático! Funciona mesmo!! 

P.S: Caso tenha interesse não consiga acesso a algum dos links citados no texto, posso enviar o conteúdo mediante solicitação.


 


segunda-feira, 30 de março de 2015

Farmacêutico na Praça

   No dia 28 de março, aconteceu em Passo Fundo, mais uma edição do "Farmacêutico na Praça". Trata-se de um evento promovido pelo Conselho Regional de Farmácia e com o apoio do Curso de Farmácia da UPF onde são oferecidos serviços farmacêuticos como aferição da pressão arterial, teste de glicemia e recolhimento de medicamentos vencidos, tudo gratuitamente à população.
  Apesar da chuva, muitas pessoas da comunidade compareceram, demonstrando que para cuidar da saúde, não tem tempo ruim. Além de profissionais farmacêuticos, o evento é um momento para os futuros farmacêuticos do curso de Farmácia da UPF treinarem as habilidades e competências necessárias ao profissional frente ao paciente. E foi muito legal ver a participação e o entusiasmo dos alunos com o evento, conforme pode ser conferido em algumas fotos do momento em que eu estive presente.











Parabéns CRF-RS por esta iniciativa e a todos os que participaram do evento! 



  


terça-feira, 24 de março de 2015

O uso de celular e sua influência na qualidade espermática

 Recentemente, finalizamos mais uma edição da nossa Especialização em Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade de Passo Fundo. Entre os trabalhos de conclusão de especialização produzidos pelos alunos, o trabalho da Lidiana Biasi, orientado pelo professor Luciano Siqueira e que tive o prazer de ser membro da banca avaliadora me chamou  muito a atenção. A Lidiana permitiu que eu contasse um pouco dos resultados do trabalho dela aqui no blog, e por isso, lá vai:

   O objetivo do trabalho foi verificar se existia alguma correlação entre alguns hábitos e a qualidade espermática, verificada através do espermograma, um exame que avalia a vitalidade, motilidade, concentração de espermatozoides e morfologia. Participaram do estudo 32 homens com idades entre 21 e 47 anos. Aplicou-se um questionário aos voluntários que aceitaram participar da pesquisa onde se questionou sobre os seguintes hábitos: tabagismo, ingestão alcoólica, hábito de carregar o telefone celular no bolso da calça e utilizar notebooks no colo.

   Através de análise estatística de correlação de Spearman, os resultados demonstraram que o hábito de carregar o celular no bolso da calça apresenta uma correlação fraca (-0,36) mas significativa com a diminuição dos espermatozoides.  O que isso significa: que foi possível verificar que os homens que declararam carregar o celular no bolso da calça apresentaram uma contagem inferior no número de espermatozoides quando comparados com os valores dos homens que não tinham este hábito. Particularmente acredito que se aumentássemos a amostra, o valor da correlação também aumentaria.
  
  E qual seria o motivo do celular interferir com o número de espermatozoides? 
   Existem dois possíveis mecanismos: um deles, é o efeito das radiações sobre o núcleo das células de Leydig, que podem levar a danos no DNA e diminuição da síntese de testosterona. As radiações dos celulares operam entre 400 e 2000 MHz, dependendo do modelo. O outro mecanismo é o efeito térmico destes aparelhos uma vez que estas ondas eletromagnéticas produzem calor. Explico: para uma boa síntese de espermatozoides, a temperatura dos testículos deve estar por volta de 34ºC. A temperatura do corpo humano gira em torno dos 36-37ºC (você sabe disso, pois quando mede a sua temperatura para saber se está com febre, utiliza este parâmetro como o normal). Por isso que os testículos encontram-se localizados em uma estrutura externa ao organismo (ao contrário do que acontece com os ovários femininos), já que eles não são bons dissipadores de calor e trabalhar a uma temperatura corporal seria deletério para a sua função reprodutiva. Nesta mesma linha de raciocínio, o hábito de carregar o notebook no colo também foi avaliado, mas neste parâmetro não houve correlação significativa (embora existam outros estudos que conseguiram provar esta associação). 

  É claro que existem alguns vieses neste estudo, como o fato dos hábitos serem avaliados por questionários, e muitas vezes as pessoas omitem alguns fatos e também a existência de inúmeros outros fatores que poderiam influenciar na espermatogênese. Mas de qualquer maneira, é perturbador que exista essa correlação (ainda que fraca) com o uso de celular.  Pelo sim, pelo não, sugere-se que os homens que estão tentando ter filhos minimizem a exposição a estas radiações.

  Conclusões semelhantes já foram obtidas por outros pesquisadores, inclusive com amostras maiores que esta. Ainda assim, os cientistas são cautelosos ao olhar para estes resultados e concluir que o celular de fato prejudique a fertilidade (e eu peço a você que me lê, que também seja cauteloso e não surte com este post). De qualquer maneira, todos concordam que estes resultados merecem nossa atenção e que mais estudos são necessários para esclarecer estes efeitos. Se você se interessou pelo assunto, consulte também esta reportagemou esta ou ainda pode consultar esta lista de artigos recentes que avaliaram estes aspectos.

  Meus alunos, há muito trabalho a ser feito! Vamos pesquisar?

  


terça-feira, 17 de março de 2015

A vacina contra o "efeito sanfona"

    Quem nunca fez uma dieta rigorosa, conseguiu emagrecer, mas passado algum tempo, recuperou o peso perdido? A culpa do "efeito sanfona" pode ser da ghrelina! A ghrelina é um hormônio envolvido na regulação do apetite, conforme explicado na figura abaixo:


Em azul, a regulação do estado de saciedade: no tecido adiposo, há a produção da leptina, secretada na corrente circulatória. A leptina suprime a atividade do neuropeptídeo Y, que provoca o apetite e melhora a atividade de compostos envolvidos na saciedade.
Em vermelho: O estômago produz ghrelina, que estimula o neuropeptídeo Y, fazendo o indivíduo sentir fome, ao mesmo tempo que suprime outros compostos que produziriam saciedade.
Fonte: http://bioquimican4med.wikispaces.com/Hormonas+que+intervienen+en+el+control+del+Apetito

   Para os "iniciados na bioquímica", uma figura mais complexa, que mostra pormenores da regulação do apetite. O que chama atenção é que temos muitas substâncias que diminuem o nosso apetite e apenas uma que aumenta... Sim, a ghrelina.




   E se houvesse uma maneira de impedir que a ghrelina atuasse no nosso organismo? É exatamente isso que um grupo de cientistas portugueses está tentando fazer. Hoje, convidei a Sara e o Tiago a falar um pouco sobre este projeto encantador por dois motivos:

   1) Este assunto é muito interessante e vem bem a calhar no pós férias, quando é hora de retomar as metas do ano novo e tentar efetivá-las. Posso apostar que uma das metas de 9 entre 10 leitores do blog relaciona-se com o emagrecimento/manutenção do peso.



   2) Um novo ano letivo inicia-se e gostaria de pedir especial atenção aos meus alunos para este post. Motivem-se a realizar bons trabalhos durante a faculdade e, se houver interesse, em realizar iniciação científica. Na minha opinião, nada pode ser mais motivante do que estar na frente das descobertas que as outras pessoas utilizarão anos mais tarde... Fui colega do Tiago no Mestrado e há muito tempo ouvi falar da Sara e de como este projeto surgiu: em um trabalho de uma disciplina. Nestas situações, às vezes os alunos fazem trabalhos "sem graça", com o único objetivo de não zerar a nota... Mas a Sara propôs algo que até hoje lhe rende bons frutos, como ela faz questão de dizer logo abaixo. Por favor, alunos, prestem atenção nas duas últimas perguntas e deixem-se contaminar pelo brilho nos olhos que a ciência pode nos dar. Sejam ousados, dediquem-se e aproveitem as oportunidades!

   Bem, mas voltando ao nosso assunto de hoje, apresento os convidados portugueses, que posteriormente explicam o seu projeto e os resultados que já obtiveram:
  A Sara Andrade é formada em Bioquímica  pela Universidade do Porto, possui Mestrado em genética Molecular pela Universidade do Minho e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientada por Felipe Casanueva, Marcos Carreira e Mariana Pereira Monteiro). 
  O Tiago Morais também é formado em Bioquímica pela Universidade do Porto, foi meu colega no Mestrado em Toxicologia Analítica Clínica e Forense (Universidade do Porto) e atualmente é estudante de doutoramento em Endocrinologia na Universidade de Santiago de Compostela (orientado por Mariana Pereira Monteiro, Felipe Casanueva, e Marcos Carreira).

Então,  o que exatamente eles estão tentando fazer?

Sara - Resumindo, estamos a tentar criar uma vacina para tratamento da obesidade. A ghrelina é um hormônio produzido pelo estômago e que atua no cérebro. Ela é o único hormônio conhecido que aumenta o apetite e consequentemente a ingestão alimentar. Em pessoas obesas, os seus níveis estão muito baixos, mas, com a perda de peso, os níveis sobem para níveis mais elevados do que uma pessoa de peso normal, dificultando uma perda de peso sustentada. E aí entra a nossa vacina: nós queremos neutralizar a subida dos níveis de ghrelina em resposta a perda de peso, o que permitiria, com a ajuda de modificações na dieta e nos hábitos de exercício físico uma perda de peso mais constante sem picos no apetite.

Tiago - Uma das estatísticas mais assustadoras é que mesmo depois de terem perdido peso a maior parte das pessoas ao fim de 5 anos recupera o peso perdido conforme pode ser verificado neste trabalho). Portanto, o que nós basicamente nos propomos não é tanto ajudar as pessoas obesas a perder peso de uma forma puramente farmacológica, mas a tentar ajudar as pessoas que estão em processo de perda de peso a acelerar este processo e posteriormente a manter um peso "normal" a longo prazo.

E isso não pode ser perigoso?

Tiago - A ghrelina esta associada a mais que uma função no organismo, produzindo exclusivamente efeitos sobre o apetite. Regula por exemplo a secreção do hormônio do crescimento e existem pelo o menos um estudo onde se mostra que bloqueando os receptores de ghrelina com um antagonista leva a um aumento de pressão arterial em ratos. Para além do mais, a ghrelina tem o efeito de aumentar o prazer no ato de comer, e bloquear esta ação pode levar a disfunções na regulação da química cerebral provocando depressão e aumento da ansiedade por exemplo. Daí a nossa tentativa de reduzir o nível de ghrelina circulante sem no entanto a neutralizar a 100%



E o que vocês já conseguiram fazer?


Sara - Foi desenvolvido um imunoconjugado de ghrelina com proteína NS1 do vírus da língua azul (BTV) como substância imunogênica que foi inoculado em camundongos normoponderais e com obesidade induzida pela dieta. Com este imunoconjugado foi conseguida a indução da produção de anticorpos específicos anti-ghrelina com capacidade de neutralização dos efeitos biológicos deste hormônio. Ou seja, houve uma diminuição da ingestão alimentar diária e da ingestão alimentar aguda nas 24h após a imunização, um aumento do gasto energético e uma diminuição de sinais de aumento de apetite no hipotálamo basal.
Tiago -  São resultados encorajadores, mostram que o conceito de realizar uma vacina por estes meio é seguro, já que também não vimos sinais de dano, e que o conceito resulta. Não estamos propriamente na reta final mas é um ótimo ponto de partida!

Isto significa que em breve teremos a cura para a obesidade?

Sara - Não. A obesidade é uma doença muito complexa e em que há muitas vias a ter em conta. Mas é mais um passo no que diz respeito a tentar melhorar esta epidemia.


Tiago - É um problema multi-fatorial, e mais complexo do que muitas vezes se pensa. Aliás, apesar de termos acesso a toda a informação necessária, isto é, sabermos que é fundamental o exercício para sermos saudáveis e sabermos, não necessariamente o estilo de dieta a seguir, mas que devemos evitar comer em excesso, continuamos com uma população crescentemente obesa, com um aumento de obesidade infantil para níveis preocupantes. Pior ainda, a nível mundial os países como a Índia, a medida que começam a ficar mais ricos, começam a "imitar" os hábitos alimentares dos ditos "países ocidentais" com consequências significativas para os níveis da obesidade e da diabetes. Assim, um comprimido ou uma vacina que fosse milagrosa (e já começam a surgir ideias para combater a obesidade e a diabetes ao mesmo tempo com um só comprimido) não ia combater o nosso desequilibro alimentar, que provoca outro tipo de problemas metabólico.


 Como surgiu a ideia deste projeto científico?


Sara - Surgiu como um projeto teórico de uma cadeira de microbiologia durante a graduação. Na altura, eu e a minha colega, a Filipa Pinho, tivemos a ideia de criar uma vacina anti-obesidade baseando-nos numas vacinas terapêuticas para doenças não infecciosas que usavam capsídeos virais para conseguir uma resposta imune contra moléculas que de outra forma não o fariam. Afinal, terminamos a pedir ajuda  do ponto de vista mais médico à Dra. Mariana Monteiro, que viu potencial no projeto, nos propôs trabalhar com ela e nos ajudou a dar forma ao trabalho. E desde então temos vindo a trabalhar no projeto, com a mais recente adição do Tiago.


Comentem que tipo de experiência pessoal este trabalho e a experiência na investigação científica já trouxe a vocês:

Sara - Este trabalho, acima de tudo, levou-me a trabalhar em grandes equipes, com pessoas extremamente competentes e que
diariamente me ensinam coisas. A investigação científica baseia-se na partilha de conhecimentos e na procura de sempre saber um pouco mais. E quando a isto se associa conseguir aproximar-nos de algo que pode realmente ter um impacto na vida das pessoas é realmente motivante.

Tiago - Concordo a 100%. Não só trabalhamos em bons ambientes com gente que sabe o que faz, como durante este tipo de trabalho temos também acesso a trocar ideias com gente de nível muito elevado que nos motiva sempre para sermos melhores e sabermos um pouco mais hoje do que sabíamos ontem. E trabalhar com algo onde conseguimos fazer ciência básica mas que tem uma ponte muito óbvia para uma aplicação clínica da sempre outro tipo de motivação extra.

   Muito obrigada Tiago e Sara!
  Aqui no blog, continuaremos acompanhando o desenvolvimento deste projeto, mas enquanto não temos uma vacina anti-ghrelina disponível, aposte nos métodos tradicionais... Ou seja, de momento, se você quer evitar o efeito sanfona, o método com maior chances de sucesso é uma mudança no estilo de vida, que passe por uma reeducação alimentar consistente acompanhada de exercícios físicos.
  E se você se interessou ainda mais pelos trabalhos da Sara e do Tiago, você pode buscar os artigos científicos do grupo a respeito destes estudos:

Imunização contra ghrelina para tratamento da obesidade

A vacina anti-ghrelina: uma nova abordagem no tratamento da obesidade

Vacinas para doenças metabólicas



quinta-feira, 12 de março de 2015

Aspectos toxicológicos da Cannabis

   A Cannabis sativa é originária da Ásia Central e é considerada uma das plantas mais antigas cultivadas pelo homem. Registros sugerem que ela chegou nas Américas no início do século XIX, sendo utilizada principalmente para fins têxteis e medicinais. No Brasil, acredita-se que foi introduzida na época das capitanias
hereditárias, mas existem teorias que sugerem que os escravos utilizavam a planta com fins hipnóticos. Este é um ponto importante pois demonstra que esta droga é conhecida há muito tempo. Apesar dessa longa experiência, muitos estudos se contradizem sobre os seus efeitos e mesmo o nosso entendimento farmacológico sobre os receptores canabinoides só evoluiu muito nos últimos anos. 
   Ainda assim, em 2013, segundo o Relatório Mundial sobre drogas, a maconha foi a droga ilícita mais consumida do mundo. Os dados de 2014 mostram que globalmente, seu uso parece estar em declínio. A legalização da maconha é um assunto que não pode ser simplificado. Nesta semana,  a maconha é o assunto da aula teórica da disciplina de Análises Toxicológicas. Para fundamentar a discussão acerca da legalização da Cannabis, além dos aspectos farmaco- e toxicológicos, é necessário entender qual é o tratamento legal atual no Brasil e como é nos demais países que frequentemente são citados como exemplo sem o real conhecimento (post sobre isso, com a participação do Artur Grando, aqui). Além disso, é preciso conhecer os potenciais danos e com base nestes conhecimentos, analisar o cenário social e as consequências de uma legislação proibitiva versus uma flexibilização na política antidrogas. Para pensar sobre aspecto social, recomendo este post do sociólogo e professor universitário Ivan Dourado, no blog Autonomia Sociológica. 

   Antes de abordar os aspectos toxicológicos, gostaria de fazer uma consideração importante: como este é um assunto que desperta paixões, gostaria de deixar claro que o meu interesse na maconha é puramente acadêmico. Procuro olhar os estudos com resultados negativos e positivos da mesma maneira. Às vezes se torna difícil discutir estes aspectos com radicais de qualquer natureza (o usuário, que sempre sabe tudo e para quem a planta é um presente de Deus, ou o "contrário fervoroso", que a demoniza). O processo de aceitação dos resultados científicos é ainda mais complicado porque em ciência, como nas outras áreas da vida, existem publicações das mais diversas... Ou seja, pouco adianta o argumento "mas existe um artigo..." Pois artigos existem muitos. É preciso um certo conhecimento técnico para analisar a qualidade dos resultados gerados e a fonte. Mas via de regra, o melhor material científico é aquele publicado em boas revistas, que para a sua publicação, exige uma revisão por outros cientistas, que julgarão a maneira como as experiências foram feitas (pois eles detém este conhecimento técnico) e a qualidade dos resultados e conclusões. O material publicado em livros ou em blogs (como este!) não requerem este processo de revisão, e por isso, o filtro é bem menor (para não dizer que não existe). Conheço pessoas que já me disseram abertamente que quando tem um trabalho não tão bom (lê-se cheio de falhas que jamais seria aceito para publicação em revistas boas), "para não deixar na gaveta", atiram esta produção para o mundo na forma de capítulo de livro. Em tempos de internet, então... publicar qualquer coisa ficou ainda mais fácil! Por isso, devemos cuidar a qualidade das fontes que utilizamos.
    Tudo o que você quiser provar, você encontrará em algum lugar argumentos para te apoiar. A questão é a qualidade dos argumentos... e como me propus a escrever sobre isso, quero falar sobre os meus critérios de seleção da informação: Na minha vida científica, nunca trabalhei diretamente com a maconha ou seus derivados. Não tenho nenhum trabalho publicado neste tema, mas é um conteúdo que abordo na minha disciplina. A minha formação é na área de toxicologia e faz alguns anos que estudo sobre isso, todos os dias lendo algo sobre o assunto, indo a congressos sérios anualmente, trocando ideias com cientistas renomados da área e muitas vezes tendo aula com eles. Por isso acredito que tenho alguma experiência com estes tipos de estudo, que me ajudaram a desenvolver o meu filtro.

   Bom, vamos lá!

   Toxicidade a curto prazo
    
   A toxicidade aguda a curto prazo da maconha é realmente muito baixa. A sua dose fatal é estimada em cerca de 15 a 70g em humanos, o que justifica a ausência de relatos de overdose. É importante referir que os efeitos clínicos após o uso de maconha variam de indivíduo para indivíduo, mas incluem euforia, diminuição da ansiedade e sedação, alterações na percepção sensorial, prejuízos na memória recente, dificuldade de atenção, concentração e tomada de decisões devido ao aumento do fluxo de ideias, perda de discriminação de tempo e espaço e diminuição da coordenação motora.
   Um aumento na dose pode produzir intensificação nas emoções e até alucinações transitórias devido às alterações na percepção. Existem relatos de sintomas psicóticos relacionados ao uso agudo de maconha, além da hiperemia da conjuntiva, aumento do apetite e alterações na pressão arterial devido à taquicardia e hipotensão ortostática.
    
  Toxicidade a longo prazo

   Considerando os efeitos respiratórios, as fumaças do tabaco e da Cannabis são bastante similares na composição da fase particulada e gasosa, com a óbvia exceção da presença de nicotina ou canabinoides, respectivamente. Vale lembrar que embora tanto o tabaco quanto a maconha sejam fumadas, o perfil de exposição de ambos varia substancialmente devido à dinâmica de fumar. Enquanto o fumante de tabaco traga o cigarro com tragadas curtas, a Cannabis é fumada com um maior volume de tragada, inalação mais profunda e maior tempo de retenção da fumaça, o que acarreta um substancial depósito de alcatrão (alerta de câncer) no pulmão. Assim, o consumo crônico de Cannabis de fato é associada a um aumento dos danos leves à mucosa que resultam em tosse, catarro, espirros, sinusite. Mas considerando a função pulmonar e a relação com o desenvolvimento de DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), os estudos são inconclusivos, enquanto que no tabaco esta relação já é bem estabelecida. Ainda, um estudo com 5.000 fumantes de maconha ou tabaco, acompanhados por 20 anos (portanto com um bom número de participantes acompanhados por um longo período), concluiu que o uso ocasional de maconha ou  mesmo o consumo de 1 cigarro por dia de maconha não está associado a efeitos adversos sobre a função pulmonar, ao contrário do que é observado com o tabaco.

   Outra grande preocupação quando se fala em Cannabis são os casos de psicopatologias. Existem trabalhos associando o uso de maconha com um aumento de risco de desenvolver esquizofrenia ou sintomas psicóticos em indivíduos predispostos ou não. Quando o consumo é realizado por adolescentes, o risco de transtornos psicóticos é ainda maior. Em razão destes efeitos (e também outros elencados no manifesto), a Sociedade Brasileira de Psiquiatria se manifestou contrária à legalização da maconha. Os motivos encontram-se elencados aqui para você julgar se concorda ou não.

   Existe também uma associação do consumo de maconha com prejuízos na memória recente. Um estudo em ratos demonstrou que quando tratados com delta-9-THC (composto psicotrópico encontrado na maconha), houve uma diminuição na habilidade destes ratos de realizar tarefas que requerem o uso de memória a curto prazo. Este mesmo estudo evidenciou uma destruição nas células do hipocampo. Concluiu-se que o consumo crônico de maconha pode apressar a perda de neurônios associadas com o envelhecimento. Mais recentemente, verificou-se que o déficit de atenção e memória evidenciados de 0-6h após o consumo  regridem após cerca de 1 mês de abstinência.  Porém, a capacidade de tomada de decisão, formação de conceitos e planejamento  são mais duradouros.  O decréscimo na fluência verbal (grande dificuldade de apresentar uma ideia com coerência e fluência), é um sintoma que não aparece necessariamente logo após o consumo, mas quando é observado no consumo crônico, pode não ser revertido. Os estudos sobre a capacidade cognitiva concluem que quando o contato é realizado na adolescência, que é um período de desenvolvimento neuronal, os indivíduos tornam-se muito mais vulneráveis a estes efeitos.

   Considerando os efeitos cardiovasculares, existe uma maior demanda por oxigênio acompanhado pelo aumento do trabalho cardíaco e distribuição de uma menor oxigenação devido ao monóxido de carbono gerado. A taquicardia e os efeitos na pressão arterial não costumam ser um problema em indivíduos jovens, que geralmente não possuem patologias cardíacas. Mas pode ser uma preocupação relevante em usuários cardiopatas ou em extremos de idade.

   Dependência: 
  
   Apesar dos usuários alegarem que não são dependentes desta droga (exatamente como fazem os usuários das outras), os canabinoides apresentam um regime de auto-administração semelhante às demais drogas de abuso nos estudos que buscam avaliar o potencial de dependência. Os receptores canabinoides CB1 são capazes de ativar o sistema de recompensa, e por isso conclui-se que a maconha pode sim causar dependência. 
    Recentemente, foi publicado um estudo muito interessante sobre a dependência, realizado em ratos, onde foi comprovado que o THC pode exercer efeitos que predispõem a uma maior dependência a opioides, como heroína. Foi administrado THC em ratas antes da gestação e depois comparou-se o potencial dos filhos destas ratas de se tornarem dependentes de heroína. Utilizou-se doses realistas para usuários recreativos de maconha e esperou-se 4 semanas como um período de wash out (visando eliminar o que ainda poderia estar no sangue das ratas) e então, as ratas engravidaram. O objetivo desta experiência foi simular aquele usuário que utiliza maconha na adolescência e tempo depois engravida, mas não consome a droga durante a gravidez. A análise da prole destas ratas evidenciou que os filhotes das mães expostas previamente ao THC, quando adultos, buscavam o dispositivo que liberava heroína significativamente mais do que os filhos de animais controle. Os autores sugerem que este fenômeno possa ser explicado por efeitos epigenéticos (variações na estrutura da molécula de DNA que poderiam predispor a uma maior tendência a dependência).

   Tolerância: 

   O uso prolongado de Cannabis promove uma diminuição no número e eficiência de receptores CB1. Esta tolerância ocorre mais rapidamente em regiões corticais cerebrais do que nas sub-corticais. Assim, os fumantes crônicos de maconha apresentam tolerância para perda de memória, por exemplo, mas não para a sensação do barato ou diminuição do controle motor.

   Síndrome de Abstinência

   Antigamente, era negligenciada, mas nos últimos anos, ganhou reconhecimento como um componente importante no tratamento da toxicodependência de maconha. As taxas de recaídas são comparáveis a de outras drogas, demonstrando que parar o uso não é tão fácil como se imaginava.
   São sintomas da abstinência: sonhos bizarros, irritabilidade, agitação, ansiedade/nervosismo, diminuição do apetite, distúrbios do sono, humor deprimido,... Geralmente iniciam após uma semana de abstinência e terminam algumas semanas após.


    É claro que este post teve como foco os aspectos toxicológicos (e efeitos tóxicos são sempre negativos) da maconha. Ainda assim, há outros compostos que tem efeitos negativos e que são lícitos. Por isso, meu objetivo com este post foi apenas colocar na mesa algumas informações, e cabe a cada um julgar como gostaria de tratar esta substância (analisando aspectos sociais e toxicológicos). Com relação ao potencial medicinal da Cannabis, já me posicionei em posts diretamente focados nesta discussão, que você pode encontrar aqui e aqui.

   Para ter acesso a um compilado de estudos sérios sobre a maconha, recomendo o capítulo Cannabis, escrito pela Regina Lúcia de Moraes Moreau no livro Fundamentos de Toxicologia, 4° Edição, de Seizi Oga, Márcia Maria de A. Camargo e José Antonio de O. Batistuzzo. Recomendei um livro mesmo tendo falado sobre a facilidade de publicar livros sem revisão prévia pelos pares porque este livro é a obra de referência da Toxicologia no Brasil, referendada como tal inclusive pela Sociedade Brasileira de Toxicologia. Quem tiver mais intimidade com artigos científicos, pode procurá-los nas bases de dados e julgar sua qualidade.

  Provoco os meus alunos a se posicionarem criticamente sobre a legalização da maconha nos comentários, com base nas discussões da sala de aula, leitura de textos recomendadas e de demais textos que o seu interesse lhe fez procurar...