O uso medicinal não será objeto deste
diálogo, pois minha opinião pessoal é que tudo o que possa ser benéfico para
uso medicinal, analisando-se o caso concreto, deve ter seu uso autorizado, quer
por trazer avanço nos tratamentos, quer seja para redução dos sintomas. Obviamente,
quem cuida de casos da saúde são os profissionais que atuam em na área, os
quais têm, portanto, a palavra final.
Mas e então? O consumo de maconha deve
ou não ser legalizado no Brasil?
Antes de respondermos a questão, vamos
dar uma viajada?
Um dos maiores mitos legais que existe é que a maconha e outras drogas são legais
na Holanda. Todas as drogas são ilegais nos Países Baixos. É ilegal produzir,
possuir, vender, importar e exportar drogas. No entanto, o governo criou, há décadas,
uma política que tolera o uso de maconha em alguns termos e condições
específicos.
Cafés podem vender apenas drogas leves
e não mais que cinco gramas de maconha por pessoa por dia. A venda para menores
de 18 anos é terminantemente proibida. Embora o uso ao ar livre seja proibido,
ele também é "tolerado" na maioria dos locais.
Os holandeses adotaram tal política
(vista grossa) não em razão de sua vontade de liberar o uso da maconha, mas por
reconhecerem que é impossível, atualmente, proibir totalmente as pessoas de
usarem drogas e que, com recursos escassos, é melhor destinar os parcos
recursos para combater grandes criminosos e o fornecimento de drogas pesadas.
Para essas, tanto a posse quanto o comércio, o transporte e a produção são
expressamente proibidos e reprimidos com eficiência – as penas chegam aos 12
anos de prisão.
Em
2011/2012 a Holanda proibiu a venda de maconha para turistas. A medida foi
criada para evitar a estratégia de traficantes de países vizinhos, como a
Alemanha e a Bélgica, que compram grandes quantidades de maconha na Holanda
para depois vender do outro lado da fronteira, causando problemas diplomáticos
e de criminalidade nas regiões de divisa.
Outro grande mito legal acerca da
maconha reside na Jamaica de Bob
Marley. Lá é ilegal uso, cultivo ou venda de maconha. Mas, se folha de maconha
for, algum dia, incorporada a alguma bandeira, será na bandeira nacional da
Jamaica.
Em termos legais para uso
estritamente medicinal, os maiores expoentes são Canadá e Israel. Em ambos
países, o uso diverso do medicinal continua sendo crime.
O Canadá foi o primeiro país a permitir o uso da maconha para fins
medicinais. Os canadenses podem cultivar maconha e consumir a erva se tiverem
receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo. Importa
referir que o Canadá tem uma das melhores políticas e indicadores de saúde do
mundo.
O fato de Israel ter o Estado fundido à sua religião dominante (Judaísmo) nos
surpreende quando lembramos que nele a maconha para fins medicinais foi
permitida há 22 anos (1993). Atualmente, trata-se de uma das mais avançadas
legislações acerca do uso medicinal da maconha, o qual compreende o tratamento
de milhares de doenças.
Relativamente à descriminalização, a península ibérica nos traz as legislações
curiosas, mas inovadoras.
Em Portugal, a partir de 2001 ninguém mais pode ser preso pelo uso de
drogas. Contudo, inovou ao estabelecer uma diferença quantitativa para definir
o que é uso e o que é tráfico, contrariamente do que faz o Brasil que, em razão
da semelhança entre os diversos verbos que definem o que é tráfico e o que é
uso, bem como da subjetividade do magistrado ao apreciar o caso concreto, a
distinção entre consumo e tráfico é um caos.
Os nossos colonizadores estabeleceram
que a posse de até 25 gramas de maconha será considerado posse para consumo e,
a partir disso, será considerado tráfico.
Já os espanhóis, um povo notoriamente
caliente e festivo, resolveram criar
uma espécie de “clubinho” da maconha. Na Espanha,
existem associações em que os associados podem retirar 20 gramas de maconha por
semana. A condição é que a associação não tenha fins lucrativos, que os
associados sejam maiores de 18 anos, já usuários da erva e que, ainda, tenham
sido indicados por outro associado. VIP. O intuito das associações é retirar a
fonte de lucro das mãos dos traficantes.
Proporcionalmente, o continente com o
maior número de países em que a maconha é descriminalizada é a América.
Contribuem mais significativamente para a constatação os países da América
Latina, como Argentina, Peru, México, Colômbia e o liberal Uruguai. Seria uma
herança remota dos colonizadores?
O mais novo maconheiro é o Uruguai. Considerado o fundador da legalização da maconha, a
ex-República da Cisplatina legalizou a maconha em dezembro de 2013. Lá,
qualquer pessoa maior de 18 anos pode adquirir até 40 gramas da erva por mês do
próprio governo. As pessoas podem plantar até seis mudas da planta por ano e o
comércio até 99.
Se você, brasileiro, está pensando em
ir dar uma voltinha no Uruguai para “comprar uns alfajores”, pode esquecer. A
lei Uruguaia é só para maconheiros uruguaios, não se aplica aos estrangeiros.
O que considero mais importante da
Lei Uruguaia não é a legalização em si, mas o fato de ter criado um mercado fechado
e controlado pelo Estado. Além disso, o preço deverá ser módico e tabelado para
evitar a concorrência entre fornecedores.
E no Brasil-sil-sil? Como é tratada a maconha?
Vou dar uma pista do caos. Vejam-se
os artigos Lei nº 11.343/2006 que tratam do consumo próprio e do tráfico:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
O que é consumo pessoal? Posso consumir
2 quilos? Ah, tanto faz, a pena não é significativa. Não bastasse a confusão
acima, a Lei continua:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Opa! Agora a coisa ficou séria.
Crime? 5 a 15 anos? Mas eu não podia guardar? Ou, como consumir a maconha sem
trazer comigo? Em suma, no Brasil, consumir maconha é crime, mas, na prática
não há pena. A dificuldade está em distinguir o que é consumo próprio e
tráfico. De fato, os juristas não sabem se o uso de drogas é crime ou não no
Brasil. Não há lei determinando a "descriminalização" do usuário,
mas, segundo o Código Penal, crime é aquilo "a que a lei comina pena de
reclusão ou detenção". Portanto, é crime, mas não é.
Infelizmente, o legislador
brasileiro, na maioria das vezes, não tem a mínima ideia do que faz. Costumo
dizer que o maior problema do Brasil são seus legisladores. Mas, como dizer isso
sem atentar contra o próprio povo brasileiro se foram os próprios que elegeram
aqueles como seus representantes, democraticamente? Enfim, isso é outro papo.
Acredito que a descriminalização das
drogas em geral é, mais que política criminal, política de saúde pública e,
assim sendo – problema de saúde pública -
não deve ser considerada crime.
Se a Holanda, país de primeiro mundo
com elevadíssimos níveis de educação, saúde e economia, resolve fazer vista
grossa para a maconha e drogas leves para focar seus “escassos” recursos no
crimes mais graves, com toda a certeza que poderíamos adotar esse pragmatismo,
pois crimes graves temos a escolher e exportar. Com toda a certeza a política
de guerra às drogas é um fracasso. Punir um usuário – doente – e aprisiona-lo
é, quase que invariavelmente, transformá-lo de usuário de drogas em criminoso. Em
outras palavras, fazer com que o usuário deixe de provocar danos somente a si
próprio e passe a provocar danos a terceiros.
Bom, mas e aí? Devemos legalizar?
Sinceramente, não sei (até eu me decepcionei com a resposta). Isso depende do
projeto de Brasil que cada um de nós está disposto a endossar através de seus
representantes democraticamente eleitos.
Ilude-se quem acredita que legalizar
a maconha acabaria com o tráfico da erva. Mesmo em países que há tolerância
como na Holanda, o tráfico existe. Você acha que o usuário de maconha compraria seu
baseado na smatshop do bairro, com
todo o custo Brasil embutido, em especial nossos tributos galopantes, ou
compraria do traficante a 1/5 do preço, senão mais barato? Talvez o pessoal que
frequenta as baladas VIPs da moda paguem, mas no geral, acho muito difícil. Por
outro lado, abriríamos um mercado de milhões de reais, o qual gerariam tributos
e alguns empregos.
Por fim, temos que considerar que os
mais recentes estudos das universidades mais prestigiadas do mundo refere que a
maconha causa, sim, efeitos neurológicos cognitivos muito ruins, bem como que a
maconha fumada no baseado usual traz consigo efeitos semelhantes aos do
cigarro.
Se esse for o ponto chave para a
legalização ou não da maconha, acredito que a decisão cabe a cada um de nós,
pois somos os senhores do nosso próprio corpo e dele fazemos o que quisermos,
desde que o SUS não arque com o custo, claro. O que há de ser mensurado, nesse
sentido, são os efeitos que o consumo das drogas causam a terceiros, ou seja, o
dano social. Logo, os efeitos da maconha não nos trariam muitos problemas,
exceto nos casos em que as habilidades motoras e as faculdades mentais do
indivíduo necessitem estar preservadas, como na condução de automóveis. Nesse
caso, considero que, se legalizada e ou descriminalizada, deva ter tratamento
semelhante aos condutores sob efeito de álcool: tolerância zero, crime.
Por óbvio, para a legalização
precisamos de legisladores muito melhores daqueles que editaram a atual Lei de
Políticas Públicas sobre Drogas (Lei 11.343), porque tenho sérias dúvidas se há
vida inteligente fora da terra no Congresso Nacional.
Eis aqui um infográfico muito legal,
mas não tanto, legalmente falando (isso chega a ser um trocadilho?):
PS:
Se você pensa que o Uruguai é o país em que a maconha é a mais liberada, é
porque você não pensou em Bangladesh. País minúsculo com muita gente apinhada (1.002 hab./km²), lá a erva é
tradicionalmente consumida e simplesmente não há legislação sobre a maconha. É
e sempre foi como comprar chá de boldo no mercado: banal."
Para finalizar este post, gostaria de comentar que a mudança no tratamento legal do usuário permitiu, em muitos países, uma diferença nas abordagens e campanhas de conscientização. Vejam que interessante os comerciais abaixo que, a exemplo do que acontece com campanhas de conscientização dos riscos da embriaguez e do fumo de tabaco, agora são destinadas a conscientizar sobre os possíveis reflexos na atenção de usuários de maconha: