Ontem tive a oportunidade de prestigiar na audiência o evento de exibição do documentário "Ilegal", em Tapejara. O evento foi idealizado pelo João Cláudio Moro e contou com as explanações técnicas do advogado Luiz Paulo Bristott e da farmacêutica (e minha ex-aluna!!) Elizane Lângaro. Primeiramente, gostaria de cumprimentar o João pela iniciativa. Em vários momentos durante a exibição do documentário me peguei pensando no quanto é importante este tipo de ação de aproximação com a comunidade, de discussão. Foi com grande alegria que testemunhei o interesse da população de Tapejara, pois o evento conseguiu reunir cerca de 70 pessoas, o que na minha opinião é um grande sucesso! Também me chamou a atenção a heterogeneidade do público, que em sua maioria era composto por jovens, mas não restrito a esta faixa etária. Por ser uma cidade pequena, este fato me surpreendeu positivamente. É muito bom saber que as pessoas estão interessadas em desmistificar seus conceitos e preconceitos! Parabéns Tapejara, e que possamos repetir estes momentos! A estudante de arquitetura Joana Vidal, afirmou ter considerado o evento de extrema importância: “Não é um assunto recente mas é uma pena que esteja sendo tratado como tal. Não há maneira mais sutil e fácil de falar às pessoas do que um evento igual a este. Já que as pessoas são convidadas a participar, vão procurar e se sentem a vontade de discutir e ouvir sobre o tema. Embora muitos tenham opinião formada e, negativa, sem nem querer ouvir o assunto pois só o fato de mencionar que o canabidiol é um remédio da maconha faz com que as pessoas fiquem com o pé atrás, eventos como o de ontem ajudam essas pessoas a entender o assunto de maneira clara, verdadeira, mostrando o dia dia de pessoas que precisam e até onde chegam por causa da ignorância de um país. Chega ser repugnante toda a burocracia e o descaso por meio de autoridades, estados, governo, a maneira que essa gente se cega e atrasa uma nação. Imagina o impacto que isso causaria sendo mostrado e levado a tona nas escolas brasileiras! Deve-se preparar profissionais para passar conhecimento sobre isso. Até porque muitos pais ficariam abismados de ver seus filhos aprendendo, dentro da escola, sobre o uso medicinal da maconha, isso porque não tiveram alguém que explicasse e os preparasse para o assunto. A mentalidade antiga e o "não aceito " mesmo sem conhecer, faz com que exista tanto preconceito. O assunto deve ser abordado com pequenos eventos, que integram as pessoas, que se sintam a vontade de conhecer e formar uma opinião pelo conhecimento, e não só pela fama que a maconha leva. Agora que há documentários, encontros, discussões mostrando a realidade das famílias, o Brasil só tem a ganhar, precisam falar, divulgar, explicar, sem medo e se unir. A questão do uso da maconha medicinal vai além do que a gente imagina, não só saúde, mas o estudo que é prejudicado, as pesquisas que não podem ser feitas por motivo de burocracia, falta de informação, e descaso. Opiniões são mudadas com argumentos, estudos e força de vontade. Nós temos muito mais poder do que o governo pensa, a gente só tem que querer.”
Se você não conhece o documentário Ilegal, segue o trailer oficial de divulgação. O filme é uma produção da revista Super Interessante juntamente com o jornalista Tarso Araujo. Recomendo que assista!!
Se você não conhece o documentário Ilegal, segue o trailer oficial de divulgação. O filme é uma produção da revista Super Interessante juntamente com o jornalista Tarso Araujo. Recomendo que assista!!
O documentário fala sobre a saga da importação ilegal do canabidiol, um composto extraído da maconha, pelas famílias de pacientes com doenças refratárias aos medicamentos existentes no Brasil. Em meio a muita burocracia e muita luta para serem ouvidos, as famílias passaram a traficar o composto após verificarem que o seu efeito melhorou muito as manifestações clínicas dos seus familiares. Em 2015, o canabidiol deixou de ser proibido no Brasil. No blog, a reclassificação do canabidiol pela ANVISA já foi abordado aqui.
Um dos temas debatidos foi a questão judicial envolvida na importação do Canabidiol e suas implicações legais. Segundo o advogado Luiz Paulo “Até pouco tempo atrás, as pessoas que desejavam utilizar este medicamento a base de CBD ou importavam clandestinamente e assim corriam risco de serem processadas criminalmente ou recorriam a longas e demoradas ações judiciais. Havia também a possibilidade de se conseguir a autorização administrativa diretamente com a ANVISA e sem passar pelo poder judiciário. Entretanto, a burocracia era tanta que muitas vezes o tempo de espera fazia com que as pessoas optassem pela importação direta, sem qualquer autorização, e assumiam o risco de uma ação criminal. Felizmente, o país avançou em seus regulamentos. No mês de dezembro, o conselho federal de medicina se adiantou e editou uma resolução, autorizando os médicos a receitarem o CBD, mesmo ele sendo considerado proscrito pela ANVISA. De acordo com a resolução, os médicos que podem receitar o remédio são os neurocirurgiões, neurologistas e psiquiatras.”
Na minha opinião, este documentário é sobre burocracia, ignorância e omissão. Como este composto é extraído da Cannabis, que é uma droga no Brasil, ninguém quis comprar esta briga. Mesmo com todos os benefícios clínicos testemunhados em outros pacientes estrangeiros, nenhum profissional da saúde quis fornecer um parecer que fundamentasse o interesse em trazer este composto. Todo o trabalho técnico foi realizado pelas famílias, que realizaram um verdadeiro ensaio clínico informal, documentando frequência das crises convulsivas antes e depois do uso de canabidiol. Para importar qualquer medicamento (ainda mais um proibido!), é preciso de uma prescrição médica. Mas nenhum médico quis prescrever e arriscar o seu CRM, inviabilizando os pedidos judiciais. Me questionei várias vezes se um parecer dizendo que "baseado nas evidências clínicas verificadas em outros países para casos semelhantes (referenciando estes casos), há interesse na importação do canabidiol para o paciente X, portador de Y" seria motivo para tanto, mas os médicos entrevistados no documentário disseram que existe sim uma ameaça velada neste sentido...
Outro aspecto importante é: de que forma são realizadas as prescrições?? Pois quando é um "medicamento novo" da indústria, basta ele surgir que parece que há uma febre em prescrevê-lo. Quem trabalha em farmácia sabe que se em determinada semana tem algum evento promocional de determinado medicamento, naqueles dias esse medicamento "vende como água". Fato. É difícil não associar esse aumento súbito nas prescrições com estas promoções do mercado... No caso do canabidiol, a única coisa que tínhamos eram evidências científicas fora do Brasil. Não havia nenhuma pessoa encarregada de promover este medicamento nos consultórios, quem tinha que buscar as "provas científicas" sobre este novo tratamento era o médico, ativamente. Se as famílias leigas conseguiram, acredito que a informação era acessível e até mais fácil para quem está acostumado com as bases de dados da área. Então por que esta omissão? "É, está funcionando lá fora e aqui não temos nenhuma outra alternativa... mas como é ilegal, o máximo que podemos fazer é torcer para que a ANVISA flexibilize isso aí...". E sublinho o "torcer", pois mais que isso (que seria documentar o interesse no uso do composto), não foi feito...
Aqui eu critico os prescritores, mas não para por aí. A crítica é estendida a todos os profissionais de saúde e cientistas, e aqui também faço um mea culpa. Vem daí o título do post. Por várias vezes me peguei pensando: "onde estavam os cientistas durante esse processo todo, essa luta tão solitária destas famílias?". Horrível pensar que foi preciso que a ousadia partisse dos interessados e não de uma bancada técnica. Onde estavam todos? O médico tem um papel importante pois ele precisava prescrever o uso. Mas na ausência dele, por que nenhum farmacologista ou toxicologista de peso forneceu esclarecimentos? Era um começo...
E como faltou informação e sobrou omissão, resultou em burocracia. O documentário é revoltante... O juiz não quer ser aquele que assina essa liberação, os políticos muitas vezes não querem comprar essa briga, o funcionário da ANVISA não quer essa responsabilidade, o funcionário do correio despista... E solicita-se papeis e mais papeis pedindo atenção a todos os requisitos, sem dizer que requisitos são esses... Enfim, uma trapalhada triste para quem espera por um medicamento.
Como um ponto negativo do documentário, eu acho que faltou um pouco mais dos aspectos técnicos e farmacológicos. Como existe um apelo emocional bem forte, eu acho que ele sensibiliza as pessoas. Mas minha dúvida é se ele sensibiliza apenas os que estão abertos para isso ou se tem capacidade de mudar um preconceito mais arraigado... Ele mostra a melhora nas crianças, mas como o que poderia ter ajudado esta luta eram os argumentos técnicos, talvez se houvesse mais clareza nos aspectos farmacológicos o poder de convencimento do prescritor fosse melhor. Não sei. No evento de Tapejara, essa pequena falha foi muito bem suprida pela fala da farmacêutica Elizane. Segundo ela, “os estudos sobre o uso do canabidiol como anticonvulsivante surgiram no Brasil na década de 70 e 80. Hoje, os cientistas especulam sobre alguns efeitos positivos do canabidiol que incluem antiepilético, ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, em distúrbios do sono, entre outros. Alguns estudos também sugerem que o canabidiol possa auxiliar na diminuição das náuseas causadas pela quimioterapia em pacientes com câncer. Fora do Brasil, já existem medicamentos com substâncias análogas à Cannabis padronizados e aprovados, como o Sativex, Cesamet e Marinol. Isso nos mostra o quanto o Brasil precisa evoluir no sentido da legalização do uso medicinal da Cannabis e seus derivados. Não é um medicamento milagroso, possui também efeitos adversos como qualquer um outro, mas ainda o principal desafio é vencer o preconceito.”
A nutricionista Joana Brunetto, também presente no evento, ressaltou: “Uma das dificuldades que encontramos no tratamento do câncer é a debilitação do estado nutricional dos pacientes, que pode ser agravado pelos episódios de náuseas e mal estar que os acomete geralmente após o tratamento de quimioterapia. O uso do canabidiol tem se mostrado eficaz na diminuição desses sintomas, podendo ser um grande aliado na manutenção do estado nutricional e assim maior eficácia do tratamento, e maior qualidade de vida para os pacientes. Devemos nos sentir extremamente prejudicados por toda burocracia que nos impede de estudar os reais benefícios da droga, e principalmente, como sociedade precisamos nos unir para acabar com o preconceito que gira em torno do assunto, para que isso deixe de ser um entrave na busca de novos tratamentos para diversas doenças.”
Talvez a esta altura você esteja pensando "sim, mas não há dúvidas de que isso precisa ser estudado/utilizado!" Mas houve/há dúvidas sim, por incrível que pareça. E só por isso foi feito este documentário. Apenas muito recentemente o canabidiol foi reclassificado, então até muito pouco tempo atrás eram vozes solitárias traficando um composto ilegal! Para mim, o ponto mais desesperador do documentário foi a sessão da ANVISA onde, mais uma vez, a alteração foi barrada...
Existe sim um preconceito com a maconha. Hoje foi enfatizado o uso de um composto "que não dá o barato", embora no documentário também se fale do uso medicinal do THC (que dá o barato). Se eu sou a favor do uso medicinal da maconha? Sim. E não só da maconha, eu sou a favor de todos os usos medicinais de todas as drogas. Se existe algum benefício, temos que estudar, compreender, padronizar e utilizar. O que é muito diferente de sair utilizando sem nenhum critério, obviamente.
No geral, eu sou bastante restritiva e cautelosa nos meus posts sobre drogas, mas depois de ver o documentário resolvi me posicionar aqui enfatizando que não importa a fonte, os potenciais benefícios devem ser explorados com cautela, sempre! Mesmo no caso do THC, que tem efeitos psicoativos, o benefício que ele causou à paciente do documentário foi muito maior que os possíveis danos... Qualquer uso de medicamento é sempre uma balança onde se pesam os benefícios e malefícios. Não existe nenhum composto, que eu tenha conhecimento, que tenha apenas benefícios, sem nenhum efeito adverso. Então, a maconha não é uma erva sagrada, mas também não é maldita.
Colaborou e muito com este post: Farmacêutica Elizane Lângaro, residente do Programa de Atenção ao Câncer do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde HSVP/UPF.
Um dos temas debatidos foi a questão judicial envolvida na importação do Canabidiol e suas implicações legais. Segundo o advogado Luiz Paulo “Até pouco tempo atrás, as pessoas que desejavam utilizar este medicamento a base de CBD ou importavam clandestinamente e assim corriam risco de serem processadas criminalmente ou recorriam a longas e demoradas ações judiciais. Havia também a possibilidade de se conseguir a autorização administrativa diretamente com a ANVISA e sem passar pelo poder judiciário. Entretanto, a burocracia era tanta que muitas vezes o tempo de espera fazia com que as pessoas optassem pela importação direta, sem qualquer autorização, e assumiam o risco de uma ação criminal. Felizmente, o país avançou em seus regulamentos. No mês de dezembro, o conselho federal de medicina se adiantou e editou uma resolução, autorizando os médicos a receitarem o CBD, mesmo ele sendo considerado proscrito pela ANVISA. De acordo com a resolução, os médicos que podem receitar o remédio são os neurocirurgiões, neurologistas e psiquiatras.”
Na minha opinião, este documentário é sobre burocracia, ignorância e omissão. Como este composto é extraído da Cannabis, que é uma droga no Brasil, ninguém quis comprar esta briga. Mesmo com todos os benefícios clínicos testemunhados em outros pacientes estrangeiros, nenhum profissional da saúde quis fornecer um parecer que fundamentasse o interesse em trazer este composto. Todo o trabalho técnico foi realizado pelas famílias, que realizaram um verdadeiro ensaio clínico informal, documentando frequência das crises convulsivas antes e depois do uso de canabidiol. Para importar qualquer medicamento (ainda mais um proibido!), é preciso de uma prescrição médica. Mas nenhum médico quis prescrever e arriscar o seu CRM, inviabilizando os pedidos judiciais. Me questionei várias vezes se um parecer dizendo que "baseado nas evidências clínicas verificadas em outros países para casos semelhantes (referenciando estes casos), há interesse na importação do canabidiol para o paciente X, portador de Y" seria motivo para tanto, mas os médicos entrevistados no documentário disseram que existe sim uma ameaça velada neste sentido...
Outro aspecto importante é: de que forma são realizadas as prescrições?? Pois quando é um "medicamento novo" da indústria, basta ele surgir que parece que há uma febre em prescrevê-lo. Quem trabalha em farmácia sabe que se em determinada semana tem algum evento promocional de determinado medicamento, naqueles dias esse medicamento "vende como água". Fato. É difícil não associar esse aumento súbito nas prescrições com estas promoções do mercado... No caso do canabidiol, a única coisa que tínhamos eram evidências científicas fora do Brasil. Não havia nenhuma pessoa encarregada de promover este medicamento nos consultórios, quem tinha que buscar as "provas científicas" sobre este novo tratamento era o médico, ativamente. Se as famílias leigas conseguiram, acredito que a informação era acessível e até mais fácil para quem está acostumado com as bases de dados da área. Então por que esta omissão? "É, está funcionando lá fora e aqui não temos nenhuma outra alternativa... mas como é ilegal, o máximo que podemos fazer é torcer para que a ANVISA flexibilize isso aí...". E sublinho o "torcer", pois mais que isso (que seria documentar o interesse no uso do composto), não foi feito...
Aqui eu critico os prescritores, mas não para por aí. A crítica é estendida a todos os profissionais de saúde e cientistas, e aqui também faço um mea culpa. Vem daí o título do post. Por várias vezes me peguei pensando: "onde estavam os cientistas durante esse processo todo, essa luta tão solitária destas famílias?". Horrível pensar que foi preciso que a ousadia partisse dos interessados e não de uma bancada técnica. Onde estavam todos? O médico tem um papel importante pois ele precisava prescrever o uso. Mas na ausência dele, por que nenhum farmacologista ou toxicologista de peso forneceu esclarecimentos? Era um começo...
E como faltou informação e sobrou omissão, resultou em burocracia. O documentário é revoltante... O juiz não quer ser aquele que assina essa liberação, os políticos muitas vezes não querem comprar essa briga, o funcionário da ANVISA não quer essa responsabilidade, o funcionário do correio despista... E solicita-se papeis e mais papeis pedindo atenção a todos os requisitos, sem dizer que requisitos são esses... Enfim, uma trapalhada triste para quem espera por um medicamento.
Como um ponto negativo do documentário, eu acho que faltou um pouco mais dos aspectos técnicos e farmacológicos. Como existe um apelo emocional bem forte, eu acho que ele sensibiliza as pessoas. Mas minha dúvida é se ele sensibiliza apenas os que estão abertos para isso ou se tem capacidade de mudar um preconceito mais arraigado... Ele mostra a melhora nas crianças, mas como o que poderia ter ajudado esta luta eram os argumentos técnicos, talvez se houvesse mais clareza nos aspectos farmacológicos o poder de convencimento do prescritor fosse melhor. Não sei. No evento de Tapejara, essa pequena falha foi muito bem suprida pela fala da farmacêutica Elizane. Segundo ela, “os estudos sobre o uso do canabidiol como anticonvulsivante surgiram no Brasil na década de 70 e 80. Hoje, os cientistas especulam sobre alguns efeitos positivos do canabidiol que incluem antiepilético, ansiolítico, antipsicótico, neuroprotetor, anti-inflamatório, em distúrbios do sono, entre outros. Alguns estudos também sugerem que o canabidiol possa auxiliar na diminuição das náuseas causadas pela quimioterapia em pacientes com câncer. Fora do Brasil, já existem medicamentos com substâncias análogas à Cannabis padronizados e aprovados, como o Sativex, Cesamet e Marinol. Isso nos mostra o quanto o Brasil precisa evoluir no sentido da legalização do uso medicinal da Cannabis e seus derivados. Não é um medicamento milagroso, possui também efeitos adversos como qualquer um outro, mas ainda o principal desafio é vencer o preconceito.”
A nutricionista Joana Brunetto, também presente no evento, ressaltou: “Uma das dificuldades que encontramos no tratamento do câncer é a debilitação do estado nutricional dos pacientes, que pode ser agravado pelos episódios de náuseas e mal estar que os acomete geralmente após o tratamento de quimioterapia. O uso do canabidiol tem se mostrado eficaz na diminuição desses sintomas, podendo ser um grande aliado na manutenção do estado nutricional e assim maior eficácia do tratamento, e maior qualidade de vida para os pacientes. Devemos nos sentir extremamente prejudicados por toda burocracia que nos impede de estudar os reais benefícios da droga, e principalmente, como sociedade precisamos nos unir para acabar com o preconceito que gira em torno do assunto, para que isso deixe de ser um entrave na busca de novos tratamentos para diversas doenças.”
Talvez a esta altura você esteja pensando "sim, mas não há dúvidas de que isso precisa ser estudado/utilizado!" Mas houve/há dúvidas sim, por incrível que pareça. E só por isso foi feito este documentário. Apenas muito recentemente o canabidiol foi reclassificado, então até muito pouco tempo atrás eram vozes solitárias traficando um composto ilegal! Para mim, o ponto mais desesperador do documentário foi a sessão da ANVISA onde, mais uma vez, a alteração foi barrada...
Existe sim um preconceito com a maconha. Hoje foi enfatizado o uso de um composto "que não dá o barato", embora no documentário também se fale do uso medicinal do THC (que dá o barato). Se eu sou a favor do uso medicinal da maconha? Sim. E não só da maconha, eu sou a favor de todos os usos medicinais de todas as drogas. Se existe algum benefício, temos que estudar, compreender, padronizar e utilizar. O que é muito diferente de sair utilizando sem nenhum critério, obviamente.
No geral, eu sou bastante restritiva e cautelosa nos meus posts sobre drogas, mas depois de ver o documentário resolvi me posicionar aqui enfatizando que não importa a fonte, os potenciais benefícios devem ser explorados com cautela, sempre! Mesmo no caso do THC, que tem efeitos psicoativos, o benefício que ele causou à paciente do documentário foi muito maior que os possíveis danos... Qualquer uso de medicamento é sempre uma balança onde se pesam os benefícios e malefícios. Não existe nenhum composto, que eu tenha conhecimento, que tenha apenas benefícios, sem nenhum efeito adverso. Então, a maconha não é uma erva sagrada, mas também não é maldita.
Atualmente, a Anvisa recebeu 374 pedidos de
importação do Canabidiol para uso pessoal, por meio do pedido excepcional de
importação de medicamentos de controle especial e sem registro no Brasil. Dos
374 pedidos encaminhados à Agência, 336 foram autorizados, 20 aguardam o
cumprimento de exigência pelos interessados e 11 estão em análise pela área
técnica. Há, ainda, sete arquivamentos realizados por solicitação dos
interessados. Também, em 2015, a Anvisa recebeu o primeiro pedido de
registro de um medicamento no país com CBD. O pedido, apresentado por um
laboratório estrangeiro, ainda será analisado.
O que podemos levar desse evento? Muito conhecimento e
possibilidade de debate. Ficamos à espera de maiores evoluções na questão do
uso medicinal da Cannabis. Alguns
tabus precisam ainda ser quebrados, muitos estudos realizados e também os
profissionais da saúde devem ampliar seus horizontes e investigar ainda mais
sobre esse tema.
Se eu sou a favor da legalização da maconha, como uso recreacional? Isso eu respondo em março, quando haverá uma série de posts avaliando o aspecto jurídico, toxicológico e social desta questão... Prometo que será bem (i)legal! (Foi uma ironia).Colaborou e muito com este post: Farmacêutica Elizane Lângaro, residente do Programa de Atenção ao Câncer do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde HSVP/UPF.
Muito importante este post. Infelizmente não pude comparecer neste evento, mas assistirei o filme em outras oportunidades. Parabéns a todos que promoveram, em especial a farmacêutica Elizane e toda a comunidade que foi prestigiar e se interessa pelo assunto.
ResponderExcluirApós esta leitura, que gostei muito quando foi falado da balança riscos - benefícios, penso que todos os pacientes que apresentam doenças com dificuldades em responder aos tratamentos convencionais tem o DIREITO de buscar e receber outras alternativas medicamentosas (especialmente quando já há relatos positivos), com o auxílio e apoio dos profissionais de saúde. Estes profissionais não devem se omitir frente a questões polêmicas e devem buscar acima de tudo, o BEM - ESTAR e a MELHORA DA QUALIDADE DE VIDA dos pacientes. Isso que deve ser levado em consideração.
Exatamente, afinal somos profissionais da saúde e como tal, devemos zelar pela saúde, buscando sempre a melhor alternativa, verificando todos os aspectos! Você vai gostar do documentário, é muito bom!
ExcluirMuito obrigado por comparecer ao evento Luciana, com certeza ele engrandeceu o evento.
ResponderExcluirFico muito feliz pelo seu interesse em expandir esse assunto tão importante.
Não deixo de notar a ênfase que você dá ao canabidiol. E penso "pobre do tetraidrocanabinol, tão útil, e tão discriminado".
Por exemplo, (até estudos atuais) somente o THC que é estimulador de apetite, um efeito tão importante para pessoas que não conseguem se alimentar em decorrência dos efeitos colaterais da quimioterapia ou mesmo pessoas com AIDS.
Esquece-se muito também do uso para reduzir a pressão intra-ocular (glaucoma), que no caso, o THC (CBG também) possibilita esse efeito, mas o CBD não.
Sem contar no fato de o CBD e o THC interagirem de forma a um complementar o outro, inclusive controlando efeitos colaterais que cada componente possui. Seja o CBD cortando o efeito "psicotizador" do THC, ou o THC cortando o efeito "depressivo" do CBD.
Infelizmente eu não lhe provoquei para este debate na apresentação. Eu possuía como resposta um video, onde Sidarta Ribeiro responde muito bem essa questão :]
Acredito que nesse video (eu tinha reduzido para 3 minutos), vale a pena ver inteiro mesmo: https://www.youtube.com/watch?v=zel3lRhlxhI
Abraço
Oi João!! A ênfase no canabidiol não foi dada por mim, o documentário Ilegal é que enfatiza este composto! Falaram no THC mas o grande fio condutor é o canabidiol, pois é este o composto que estava sendo discutido no contexto das reuniões com a ANVISA etc.,Segui a mesma linha do documentário e enfatizei o canabidiol mas também citei a paciente que utilizou THC e inclusive me posiciono que qualquer composto deve ser utilizado se houver potencial medicinal, não importa a sua fonte.
ExcluirAssisti o vídeo que você enviou! Com relação ao discurso do Sidarta, concordo em alguns pontos e discordo em outros. Aquela questão sobre a maconha aumentar a criatividade, eu não sou muito entusiasta. Pois esse aumento do fluxo de ideias pode levar a deficit de atenção, dificuldades na comunicação, aprendizado e desenvolvimento cognitivo, capacidade de julgamento, especialmente se utilizada por jovens (conforme o Sidarta também colocou ser uma população especial). Essa questão de vários artistas utilizarem esta droga não é um dado que pode ser relevado, pois se for por isso também há a turma da cocaína e da heroína que são muito criativos mas também morrem cedo...
Concordo plenamente que o debate deve passar pela redução de danos, especialmente nos indivíduos que consomem cedo, na pré-adolescência, que seriam mais suscetíveis a consequências negativas.E a questão de legalizar ou proibir na minha opinião passa bastante por aí... qual conduta resulta melhor em proteção?
O Sidarta mesmo pontua sobre a síndrome amotivacional relacionada ao consumo da maconha e depois fala sobre a neurogênese, similar a um medicamento antidepressivo. E aí questiona se os indivíduos que consomem maconha seriam deprimidos porque consomem maconha ou consomem maconha como "tratamento"? Na minha opinião se eles consomem como "tratamento", para muitos não funciona! Pois a síndrome amotivacional é bem estabelecida e documentada. Mas caso aleguem que funciona pois ao consumir o indivíduo se sente melhor e consome exatamente por isso, para mim isto é a caracterização clássica de uma dependência de drogas...
Outro aspecto que não concordo é que a planta (foi selecionada para tal e etc) e possui o equilíbrio "perfeito" entre canabidiol e THC para não ser perigosa. Quem já trabalhou com plantas em laboratório sabe que mesmo que você pegue a mesma planta que foi colhida nas mesmas condições, uma planta vai ter um teor dos seus componentes e a que foi plantada do lado, outro. No ano seguinte, poderá ter outra variação de teor, dependendo se choveu muito, da incidência solar, etc... Para mim a maneira mais eficaz e segura de se ter um uso medicinal é por síntese química e produção de um medicamento tecnicamente elaborado onde a gente consiga reproduzir mil vezes a mesma combinação, com garantia da sua qualidade.Na minha opinião as plantações caseiras para se auto-medicar produzirá efeitos mais subjetivos do que farmacológicos pois mesmo que façam exatamente o mesmo, as plantas vão diferir em composição e consequentemente efeitos. A não ser que sejam realmente cultivadas em laboratório, mas na minha opinião o melhor caminho é sintetizar os compostos e combiná-los.
Outra coisa: O Sidarta Ribeiro é um neurocientista que possui vários trabalhos com sono e aprendizagem, mas com cannabis especificamente vejo que ele é bastante envolvido na causa mas tive dificuldades em encontrar publicações dos seus estudos. Na ciência as publicações que contam são os artigos em revistas internacionais indexadas pois para publicar nestas revistas, outros cientistas devem avaliar se o trabalho foi bem feito e tem qualidade. Capítulos de livro ou livros inteiros são suscetíveis a questionamentos, pois imagine que eu faça um trabalho e nenhum outro cientista acredite nas minhas metodologias... Basta eu mesma criar um livro e publicá-lo, entende? A propósito eu também não tenho nenhum trabalho com cannabis. Sou toxicologista, mas como pesquisadora nunca fiz nada com cannabis ou seus derivados.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirQuanto a ajudar na criatividade e atrapalhar na concentração, concordo, existem situações favoráveis e desfavoráveis. Vai das pessoas aprenderem os efeitos (sair desse terror psicológico pulverizado por todo lado que me parece mais afastar as pessoas do conhecimento). Mas ai vamos cair nas questões envolvidas no uso recreativo da droga, o que fica para uma próxima... =D
ExcluirDe fato quando escolhemos drogas para tratar de sintomas (como depressão, insônia, etc) e não tratamos as causas (problemas de relacionamento, familiar, trabalho, etc) tendemos a nos tornar dependentes químicos. Seja com maconha, rivotril, álcool, fluoxetina, nicotina, etc.
Não subestime a seleção de plantas! Esse ano arrancamos três pés de butiá que davam fruta pequena e azeda e plantamos dois que dão grãos grandes e doces. Agora pense nos registros milenares da cannabis (imagino que os mais antigos conhecidos são da China). Nas últimas décadas quem controlou da seleção e qualidade das plantas pensou basicamente na intensidade de THC que elas poderiam ter. Pois o THC que é o que dá o "barato". A busca por plantas com menos THC e mais CBD vieram mais recentemente pelo que acompanho e leio, em vista do uso medicinal e do conhecimento de que doses elevadas de THC sem o CBD podem causar surtos psicóticos (por exemplo, tendência de alguns países definirem teto de 15% de THC).
Para se obter plantas idênticas não se plantam as sementes mas sim se fazem clones/mudas. Com ambiente estritamente controlado, claro, como faz a GW Pharmaceuticals. Aliás, se você for ver os plantadores "caseiros", verá que muitos definem e recomendam procedimentos bem elaborados, como: controle automatizado de iluminação, água e temperatura, como também insumos padronizados. Aliás, no Brasil, você encontra a venda kits de plantio que podem ser instalados em armários!! Curiosa? Existe um fórum bem antigo no Brasil, o Growroom.
Quanto a pesquisa, nós sabemos da grande dificuldade que existe. Acabamos sempre nos baseando em estudos/pesquisas internacionais. Como te disse, da uma olhada no Renato Malcher-Lopes, que é "parceiro de livro" do Sidarta, ele já teve algum envolvimento em pesquisa com a cannabis ao menos durante seu doutorado.