sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O acesso aos medicamentos por via judicial: problema ou solução?


    Diz a nossa Constituição Federal:

    " A saúde é um direito de todos e um dever do Estado".

    Portanto, se você é brasileiro, você é um cara de sorte, certo? Por mais que não pareça, sim! Temos o nosso direito ao acesso universal à saúde garantido por lei, coisa que alguns "países de primeiro mundo" estão lutando para ter. Sei que você está pensando que isto está no papel mas não acontece na prática, mas por mais que a televisão só mostre o SUS que não funciona, queria te dizer que existem exemplos muito positivos. Não estou dizendo que está ótimo como está, ainda temos muito a avançar, mas já morei em outro país (Portugal) e já utilizei o sistema de saúde público deste país. Lá, a percepção da população é de que o serviço funciona. Como usuária do serviço, devo dizer que eles tem as mesmas fragilidades que nós, a mesma demora em atendimento, mas reconhecem o avanço do sistema. 
   Eu não trabalho diretamente nesta área e se você é profissional da saúde que trabalha no SUS pode estar pensando: "ela só diz isso porque não vê todos os dias o que eu vejo". Pode ser que eu realmente não tenha propriedade para falar sobre o assunto e pretendo trazer este tema novamente para o blog com o testemunho de profissionais que podem relatar as boas experiências do SUS que funciona para apoiar o que eu estou dizendo. Mas hoje, vamos falar sobre o acesso aos medicamentos por via judicial, a judicialização da saúde.
    
  Vocês sabiam que existe um número absurdo de processos "atolando" a justiça para a concessão de medicamentos? Este número está em crescimento, e até 2010, o Rio Grande do Sul (que ao que me consta é o campeão da judicialização) tinha menos da metade dos processos deste tipo do que os que estão correndo no momento?

   E por que?
   Você está pensando: claro, porque é o único jeito... Nem sempre! Aparentemente, o principal motivo da judicialização é a má prescrição ou a má dispensação de medicamentos. Ou seja, muitos medicamentos que são pedidos via justiça se encontram disponíveis na rede pública. Neste caso, o paciente se engana ao pensar que esta é a maneira mais fácil de conseguir o medicamento pois o processo nem sequer era necessário. 
   O outro caso, é quando existe um medicamento na rede (e a lista é constantemente atualizada) e a prescrição solicita uma outra medicação indisponível. Mas por que esta solicitação? Eu fico incomodada quando escuto "porque este é mais novo, de última geração...". Particularmente, quando sou eu a paciente, eu prefiro sempre os "velhos" e conhecidos, mas voltarei a falar sobre isso outro dia... E me intriga quando ouço que determinada marca não funciona. Neste caso, temos que reportar para somar evidências e fazer alguma coisa, pois é para funcionar, não é? E existem também os casos isolados e quando não há uma alternativa disponível para aquele paciente, mas os números e relatórios mostram que são exceção.

  Para tratar desta problemática e explicar o fluxo envolvido nesta gestão, eu convidei a minha colega e grande amiga Etiene Carpes Zucatti. Ela é farmacêutica graduada pela UFRGS e é especialista em saúde da família e comunidade. Foi residente do programa de Residência Integrada em Saúde do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição e atualmente é apoiadora regional do QualiSUS-Rede/DAF/Ministério da Saúde e Consultora do Telessaúde RS. 

  "Sabemos que existem muitas opções terapêuticas atualmente e estas conquistam a população assim como os profissionais que prescrevem os medicamentos. No entanto, é fundamental que existam diretrizes que orientem o uso de medicamentos no país, de acordo com suas características epidemiológicas e com as características que são pertinentes ao medicamento e seu uso, como segurança, qualidade, eficácia, efetividade. Definir os medicamentos que atendem a maior parte das doenças que abrangem um território permite que o sistema de saúde vigente no país, no nosso caso o Sistema Único de Saúde - SUS – consiga se organizar e suprir esta demanda. 

   É fundamental que tanto a população, quanto os profissionais que prescrevem medicamentos no contexto do Sistema Único de saúde tenham conhecimento do que é disponibilizado, a fim de evitar que medicamentos distintos destes sejam prescritos, especialmente quando há opção terapêutica equivalente disponível. Muitas vezes o usuário tenta acessar o medicamento por via judicial e este medicamento é fornecido. No entanto, devemos nos questionar: 
- Será que há outra forma de acessar este medicamento?
- Existe alternativa terapêutica disponível para o usuário? 
- Estes questionamentos foram feitos por quem é responsável por determinar o acesso por via judicial?

  Para que possamos questionar o avanço da judicialização de medicamentos no país, e especialmente no Rio Grande do Sul, devemos conhecer o elenco de medicamentos disponíveis pelo SUS e como acessá-los.

  O Brasil possui uma Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, a RENAME, a qual é composta por medicamentos que norteiam as políticas públicas no que se refere ao acesso racional. Essa é composta por medicamentos pertencentes ao componente básico, componente estratégico e componente especializado, além de insumos farmacêuticos e medicamentos de uso hospitalar. 



Esta é a RENAME, atualizada em 2013.

   O Componente Básico apresenta medicamentos preconizados para atender a Atenção Primária à Saúde (Atenção Básica), ou seja, utilizados e distribuídos nas unidades de saúde e farmácias municipais

   O Componente Estratégico engloba os pertencentes aos programas de saúde priorizados pelo Ministério da Saúde, entre eles estão o Programa de Controle ao Tabagismo, Controle da Tuberculose, Controle da Hanseníase, DST/AIDS, entre outros. Todos os programas e responsáveis pelo acesso podem ser encontrados neste aqui.

   Já o Componente Especializado compreende os utilizados para tratar as doenças e agravos, em nível ambulatorial, pertencentes às Linhas de Cuidado definidas em Protocolos Clínicos. São os medicamentos obtidos via processo administrativo na Secretaria Estadual da Saúde, e fornecidos mensalmente ao usuário, de acordo com a necessidade e como atendimento dos parâmetros definidos nos Protocolos Clínicos. Para conhecer mais sobre estes medicamentos, acesse este link.

  Sobre as questões que envolvem a judicialização, podemos levantar alguns questionamentos para refletirmos:

- Os profissionais de saúde conhecem os medicamentos presentes na RENAME e, consequentemente, disponíveis para a população?

- A rede pública de saúde segue a orientação de uso da RENAME, enquanto a rede privada (especialmente a rede conveniada) não a utiliza. No entanto, grande parte dos usuários que utilizam o SUS, recorrem à rede privada em vários momentos, por vários motivos, entre eles, a dificuldade de acesso ao sistema único de saúde. Os medicamentos prescritos para este usuário são acessados na rede pública... Os medicamentos preconizados na RENAME são avaliados periodicamente com base em evidências pela CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. São mantidos ou incorporados aqueles comprovadamente seguros e eficazes. No entanto, muitos prescritores optam por opções terapêuticas novas para os usuários às quais não há acesso pelo Sistema Único de Saúde.

- A presença de profissionais da área da saúde atuando junto ao poder judiciário pode reduzir o número de processos judiciais para o fornecimento de medicamentos?

  Ao meu ver, as questões que envolvem o constante aumento na judicialização de medicamentos originam-se tanto no papel do profissional de saúde quanto no do usuário que acessa o sistema. O profissional de saúde deve conhecer as diretrizes que norteiam os seus serviços e especialmente olhar para o usuário integralmente e isso implica conhecimento dos fluxos de acesso que são disponibilizados para o usuário dentro do sistema de saúde no país. De nada adianta atender o usuário de forma qualificada se este não terá acesso ao medicamento, fundamental para o tratamento. Já o usuário, deve conhecer os serviços que estão disponíveis no sistema de saúde para poder acessá-los de forma integral. Cada um de nós tem papel importante na desconstrução da cultura da judicialização."

  E então meus colegas farmacêuticos, futuros farmacêuticos e prescritores. Deixo as perguntas: 
 - o que leva à judicialização? 
 - Na opinião de vocês, o SUS está defasado ou há um exagero nesta prática? 
 - Você, prescritor, como orienta o seu paciente? Quais os desafios você encontra? 
  Me ajudem a refletir sobre quais são as causas deste fenômeno e como solucionar!
 E você, profissional do SUS ou usuário: Qual é a sua experiência com o SUS?

 Um pouco antigo e midiático, mas ainda está valendo como sugestão:




  

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